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A avaliar por aquilo que disseram e não disseram desde que a AD foi em boa hora reativada para as próximas legislativas parece que os seus dirigentes não mostram grande consciência do mundo em que estão, por um lado, nem dos erros cometidos pelos seus antecessores que estão na origem de três derrotas eleitorais sucessivas, em 2015, em 2019 e em 2022, por outro lado.

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Desde logo os atuais dirigentes dos partidos da AD não deram ainda mostras de compreender que num quadro internacional marcado pelo regresso da agressão em várias frentes contra o mundo livre, e contra a ordem mundial que ele criou, baseada no primado do direito, não basta invocar a nossa pertença à UE e à OTAN, como se estas não estivessem a sofrer tensões internas fortíssimas que ameaçam a respetiva sobrevivência e como se essa ameaça não exigisse uma evolução urgente do consenso nacional acerca da contribuição que devemos dar.

Não há como os eleitores não estranharem que os dirigentes da AD não mostrem gratidão por termos sido durante quase 40 anos um EM beneficiário líquido da solidariedade da UE ou que pouco falem da nossa iminente passagem a EM contribuinte líquido ou da necessidade imperiosa de reduzirmos a dívida pública o mais depressa possível para 60 por cento do PIB, ou que não achem oportuno falar do dever de acabar com a mania, que políticos sem envergadura estão sempre a tentar incutir na sociedade, de esperar apoios e subsídios por tudo e por nada, como se o dinheiro caísse do céu.

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Será que julgam que os eleitores são imaturos ou pouco inteligentes?

E que dizer do silêncio dos dirigentes da AD sobre o dever de na atual conjuntura mundial nos juntarmos ao pelotão da frente dos aliados que mais investem em relação ao PIB nas respetivas Forças Armadas, e assim podermos contribuir ainda mais para a nossa seguranca nacional, dos nossos cidadãos e das nossas empresas, residentes ou expatriados, do nosso território, do nosso mar, do nosso espaço aéreo e do ciberespaço que está à nossa responsabilidade, bem como para a segurança dos outros estados membro da CPLP, da UE, da OTAN ou da ONU?

Ou sobre o dever de aumentarmos consideravelmente o investimento em Política Externa, numa rede de embaixadas e consulados muito mais densa em número e dimensão individual, habilitando os representantes pessoais do nosso chefe de estado e os outros diplomatas a estarem o mais próximo possível dos decisores máximos a todos os níveis nos outros estados, a fim de poderem contribuir mais consistentemente para proteger os interesses da nossa diáspora e a internacionalização das nossas empresas, e de garantir que temos uma voz ativa em todas as discussões multilaterais e intergovernamentais e em todos os temas relevantes para o bem comum nacional e internacional, projectando todos os muitos especialistas de topo de que já dispomos em tantas áreas da ciência, da tecnologia e do conhecimento em geral?

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Além de não darem mostras de estar conscientes da gravidade dos desafios que enfrentamos no mundo presente, e por conseguinte das mudanças nas vertentes principais do exercício da soberania nacional que o próximo parlamento deveria necessariamente debater, os dirigentes nacionais dos três partidos da AD também não parecem estar conscientes das causas de três derrotas legislativas sucessivas e da fragmentação da sua área política desde 2019.

Só assim se compreende que, exceção feita a uma corajosa redução geral da taxa normal do IRC, de 21 para 15 por cento em quatro anos, se tenham apresentado ao eleitorado com medidas fundamentalmente de redistribuição do rendimento nacional através de mexidas complexas nas prestações sociais e nos impostos e contribuições pagos pelas pessoas naturais.

Mesmo depois de andarem há anos a queixar-se da anemia do crescimento do nosso PIB, em comparação com o vigor do crescimento do PIB dos EM bálticos e da Europa Central que entraram na UE há dez anos atrás, não ousaram prometer acabar com as centenas de regimes opacos de isenção fiscal total ou parcial que os interesses organizados foram esculpindo ao longo dos anos, sempre abaixo do radar dos eleitores, e muito menos, claro, ousaram prometer acabar com a barroca progressividade do IRS, designadamente com a ofensiva isenção de 40 por cento das famílias portuguesas, as cuja coleta aparentemente não vale o trabalho da máquina tributária.

E no entanto os dirigentes açorianos dos mesmos partidos deram o exemplo do que se pode fazer para aumentar o vigor do crescimento do PIB sem violar as normas prudenciais europeias que regem a dívida pública quando a coligação homónima pós-eleitoral que formaram para governar a Região Autónoma a partir de 2021, reduziU em apenas três anos o nível das taxas dos três impostos principais, IRS, IRC e IVA, sem que a dívida regional tivesse ultrapassado os 60 por cento do respetivo PIB, só não tendo ido mais longe por não poderem mexer no número de taxas e escalões de cada imposto.

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Esperemos que nas restantes matérias em que a direita social tem estado a seguir a cartilha social-democrata, e por isso pagou o preço elevado da fuga dos seus eleitores inconformados para a abstenção e para o voto em dois novos partidos, os dirigentes da AD ainda nos possam surpreender com compromissos de reforma genuína que afirmem e consolidem a autonomia das famílias e dos municípios, isto é, das instituições que precederam a criação do nosso estado soberano no século XIII.

Seria esse o caso se não hesitassem mais em defender a reversão das leis que desde 2015 interromperam o progresso do desempenho da instrução pública que se verificava desde o início deste século, sobremaneira as que eliminaram os exames nacionais de fim de ciclo, e das leis que impuseram a aprendizagem pelos alunos de várias metastases de uma antropologia oposta à da esmagadora maioria das famílias, como demonstraria a sua consulta direta sobre qualquer delas.

Para já não falar claro está de como seria aconselhável que, à semelhança da restauração que já anunciaram, e muito bem, da liberdade de escolha das famílias em matéria de cuidados de saúde, os dirigentes dos partidos da AD se comprometessem sem ambiguidades a acabar com a inexistência de liberdade de escolha entre escolas públicas bem como entre estas e as escolas privadas que já frequentam quase metade dos alunos do secundário no Porto e um terço em Lisboa, desde logo restaurando imediatamente os contratos de associação plurianuais com escolas privadas idóneas.

Esperemos igualmente que os dirigentes da AD não temam em reiterar o compromisso de realizar um referendo sobre a criação de mais autarquias regionais e, caso o resultado seja negativo, como previsivelmente será, desviem o rumo da descentralização administrativa em curso, dos 308 municípios para os 20 distritos, deixando aqueles em paz para cuidarem do que é a sua razão de ser principal, isto é, a proteção do espaço público dos concelhos, vilas e aldeias e da paisagem entre eles.

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Seria também bom que, em matéria de proteção da nossa biodiversidade, designadamente das espécies autóctones, vegetais e animais, solos aráveis e água, soutos e montados, os dirigentes dos partidos da AD defendessem a institucionalização das duas reservas patrimoniais nacionais, agrícola e ecológica, concebidas e criadas por iniciativa do fundador do PPM, restituindo-lhes o que sucessivas leis iníquas lhes subtraíram, dotando-as de administrações dedicadas sob a alçada direta do parlamento e dando-lhes receitas próprias e autonomia em relação aos ministérios sectoriais para captarem fundos estruturais europeus.

Tal como seria bom que os dirigentes dos partidos da AD anunciassem a decisão de, seguindo o exemplo de mais de metade dos EM da UE, recorrermos à produção nacional de energia nuclear para, em complemento das outras energias sustentáveis, conseguirmos cumprir os nossos compromissos internacionais de descarbonização da mobilidade, tendo sobretudo em conta que muita da eletricidade que passámos a importar, um quinto da que consumimos, tem essa origem, e que as nossas reservas já comprovadas de urânio são justamente suficientes para alimentar um reactor que nos habilitaria a substituir aquelas importações.

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Seria por fim bom que os dirigentes dos partidos da AD se lembrassem que só no contexto nacional é que atingem a sua plenitude os direitos naturais às liberdades fundamentais como as de religião e consciência, as de expressão e informação, as de possuir bens sujeitos a registo e de criar pessoas morais com ou sem fins lucrativos, e a de viver no meio humano e paisagístico com o qual nos identificamos porque foi moldado por muitas gerações de pessoas com as quais partilhamos o passado, o presente e o futuro.

E que é sempre a força desse contexto que subjaz ao sucesso das grandes empresas internacionais oriundas de estados-nações tão antigos como o nosso, vide a Dinamarca e a Suécia, ou oriundas de nações por vezes mais antigas que a nossa mas cujos estados soberanos são mais recentes, vidé a Grécia e a Finlândia, todos eles no entanto defendendo com grande determinação a respetiva identidade, quer cultural, exigindo o respeito das suas denominações de origem e que a sua língua seja a única usada nos rótulos dos bens de consumo transacionados dentro das suas fronteiras, quer política, não hesitando em que o estado tome uma posição dominante em sectores estratégicos sempre que os empresários nacionais não têm músculo para o fazer – como acontece no nosso sector bancário com a CGD ou no nosso sector ferroviário com a CP ou no nosso sector da água com a AP mas temos às vezes infundadas dúvidas de fazê-lo noutros sectores tão ou mais importantes, como por exemplo os dos transportes aéreos ou marítimos.

Convém pois ter presente que se queremos dar uma contribuição significativa para a liberdade, a segurança e a prosperidade dos outros estados soberanos não podemos descuidar os laços que amparam o nosso e os laços que o unem aos estados nações que historicamente ajudámos a criar e cujos cidadãos por isso partilham connosco, e entre eles, não só o passado como as instituições, a língua e os costumes e portanto o presente e o futuro.

Todas as medidas que a AD anuncie para aprofundar a mobilidade das pessoas naturais e morais lusófonas, acordada em 2021 pelos EM da CPLP por iniciativa portuguesa, são por isso cruciais para a nossa identidade e coesão e devem prevalecer inequivocamente sobre quaisquer outros exercícios do mesmo teor.