Ninguém quer ser velho. Mas ninguém quer morrer. O problema é que, sem se morrer, todos acabamos por ser velhos. E eu não quero ser velho. Porque ser velho é uma chatice.

Os velhos andam sempre mais devagar do que andavam. E do que os outros andam. Falam, pensam, vestem, decidem, fazem tudo mais devagar do que faziam. E do que os outros fazem. Parece que, quanto menos tempo têm para viver, mais tempo gastam a fazer menos coisas.

As mulheres já não reparam em nós, quando somos velhos. Ninguém repara em nós, quando somos velhos. Como se fossemos invisíveis.

Ninguém respeita um velho, porque ninguém tem medo de um velho. E um velho tem medo de todos e de tudo.

Os velhos são egoístas e estão sempre virados para as suas preocupações, necessidades e perigos. Um mundo de jovens é um mundo cheio de energia, de esperança, de entusiasmo e de mudança. Um mundo de velhos é um mundo de medos, de paragem e de egoísmo.

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E o nosso é um mundo de velhos, de 186 velhos por cada 100 jovens em 2021, quando eram 33 velhos por cada 100 jovens em 1971. Reparem bem: passámos de 33 para 186, em cinquenta anos. Menos jovens e mais velhos. E isto muda tudo.

E eu não quero ser velho.

Tudo conspira para nos enganar sobre este assunto. Promovem o “envelhecer saudável”, como se fosse possível envelhecer e ficar na mesma, envelhecer sem perder capacidades, envelhecer sem ficar velho. Vendem-nos “superalimentos saudáveis”, “estilos de vida saudáveis” e rastreios, cuidados de saúde, exames, tratamentos, medicamentos, como se fosse possível envelhecer e não se ser mais doente do que se era. Como se fosse possível envelhecer e não ficar velho. Como se a doença só acontecesse por culpa ou falha de alguém, do doente ou do médico, em vez de ser uma parte inevitável da vida, por muito “saudável” que seja vivida.

E nós acreditamos, parvos imbecis.

Enganam-nos. A nós, os velhos, e aos nossos filhos e netos, que de repente ficam surpreendidos quando o avô de noventa anos, que “estava tão bem, estava óptimo”, subitamente adoece, de um momento para o outro, e já não está tão bem, não está óptimo, aliás está péssimo e o melhor que lhe poderia agora acontecer era partir depressa e falecer. Mas eles não querem, porque acreditam no que lhes venderam, compraram aquilo do envelhecer saudável e dos cuidados de saúde, e pedem “façam tudo pelo meu avô, pelo meu pai”, e pensam que lhe prolongamos a vida. Mas apenas prolongamos o processo de morrer. E de sofrer.

E eu vejo os velhos, num processo de morte lento e doloroso, porque não o deixam seguir o seu curso, não era fazer eutanásia, era apenas dar conforto e deixar a vida terminar como devia ser.

Eu vejo-os deitados, as capacidade perdidas, sem conseguirem tomar conta de si próprios, sem conseguirem reconhecer quem deviam, a sofrer e a fazer sofrer, sem os deixarem partir.

Prolongar a morte não é prolongar a vida.

Eu vejo-os num mar de macas sem fim nos Serviços de Urgência. Observo-os em camas de enfermaria a cheirar a urina velha durante as noites de hospital, em que, aqui e ali, alguns deles gritam o chamamento de pessoas que não estão lá ou que já morreram. Chamam pelos filhos, pelas mulheres e pelos maridos e até, muitas vezes, pelas mães. Sim, que a nossa mãe é a  primeira coisa que conhecemos e a última que esquecemos.

Eu não quero ser velho assim. E, se o preço a pagar para não chegar lá for a morte, então que seja. Não me reanimem se me encontrarem caído na rua ou em casa. Não me alimentem nem me dêem água se eu ficar um vegetal sem capacidade para o fazer por mim próprio. Não me dêem antibióticos nem outros medicamentos para prolongar o meu processo de morrer, a partir do momento em que eu não consiga tomar conta de mim próprio, em que eu não reconheça quem amo, e quem eu amo já não me reconheça a mim. Dêem-me carinho, conforto, bem estar, deixem-me partir e não prolonguem a minha morte. Façam a minha vida fazer sentido.

Porque eu não quero ser velho. Ser velho é uma chatice.