Que a extrema-direita é sinistra não é novidade para ninguém. O que não cessa de surpreender é a destreza da extrema-esquerda. Nomeadamente para acusar de pertencer à extrema-direita alguém que, mesmo sendo também de extrema-esquerda está, ainda assim, muito ligeiramente mais afastado da borda desse extremo do espectro político. Foi o que fez Joacine Katar Moreira, ao acusar o comentador político, ex-apoiante do Livre e crítico da agenda identitária do partido, Daniel Oliveira, de ter uma postura que não é diferente da de “associados da direita e sua extrema”. Para a deputada do Livre, é preciso mesmo muito poucochinho para se ser de extrema-direita. Acho que basta algo do género:

Joacine: Ui, o que eu gosto de pipocas.

Indivíduo que nunca na vida nutriu qualquer simpatia pela extrema-direita: Também eu. É dos meus doces predilectos.

Joacine: Doces? Que parvoíce. Pipocas são boas é salgadas.

Indivíduo a quem jamais passou pela cabeça apoiar movimentos de extrema-direita: Hum. Considero que pipocas salgadas não faz sentido.

Joacine: Não faz sentido? As minhas escolhas são totalmente desprovidas de lógica, é? A minha pessoa e as minhas opções de vida merecem o seu mais profundo desprezo, verdade?

Indivíduo que, muito em breve, será acusado de ser nazi por não gostar de pipocas salgadas: Calma, estamos só a falar de pipoc…

Joacine: Pois fique sabendo que a sua postura é absolutamente misógina, racista e nazi!

Agora, por estes dias, é compreensível alguma desorientação do Livre e demais partidos de extrema-esquerda. Afinal, no próximo dia 9 comemora-se uma data dolorosa para estas agremiações: os trinta anos da queda do Muro de Berlim. Quer dizer, estou a ser um bocado injusto. Apesar de tudo, custa-me acreditar que os militantes destes partidos não tenham ficado felizes com a queda do muro. Já do que não tenho mesmo dúvidas é que não apreciaram nada constatar em que direcção as pessoas correram quando o muro veio abaixo.

Mas enquanto o Livre se entretém em animados julgamentos de carácter, segue também animado o julgamento de José Sócrates. Segundo os jornais, o juiz Ivo Rosa tem demonstrado grande conhecimento dos autos da Operação Marquês. O que se comprova pela proibição de entrada dos telefones dos advogados na sala do tribunal. Ao contrário do que se tem dito, no entanto, esta medida não visa evitar fugas de informação. O juiz pretende, isso sim, evitar que um processo já de si complexo se torne ainda mais moroso: sabendo da apetência que o ex-primeiro-ministro sempre demonstrou por se apoderar de tudo o que é meio de comunicação, Ivo Rosa receia que Sócrates surripie os telemóveis dos procuradores e advogados.

No decurso do julgamento, José Sócrates foi fortemente criticado por se ter virado para o juiz e dito que as férias de sete mil euros que fez na Suíça foram “gastos de classe média”. Isto depois de, na última campanha eleitoral, António Costa ter sido fortemente criticado por se ter virado a um cidadão de classe média que insinuou que ele estaria de férias durante o incêndio de Pedrógão. Ou seja, se há coisa que este julgamento já provou é que os primeiros-ministros socialistas se dão muito mal com as férias. Em contrapartida, quando estão a trabalhar quem se dá pessimamente são os outros portugueses todos.

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