Os actuais sistemas políticos demoliberais parecem condenados às falsas partidas: grandes planos, falhanços consecutivos e lá recomeçam as grandiosas promessas destinadas a falhar de novo. É assim no plano internacional, pelo menos desde a segunda guerra do Iraque até àquilo que se passa de novo na região do Médio Oriente e até à Ucrânia e os outros países que resultaram da implosão do sistema soviético. É por isso que esta desordem internacional se configura cada vez mais como uma nova guerra fria.

O mesmo se passa no plano nacional, certamente que assim é desde a crise financeira da década passada que levou o governo Sócrates a chamar os nossos credores até às sucessivas falsas partidas da proclamada “reforma do Estado”. Dir-se-ia que foi para ela não se fazer que a confiaram ao líder do CDS. O próprio buraco do BES tem sido uma série de falsas partidas, havendo já absorvido, desde a queda de Salgado, entre prometidas e efectivas, três administrações consecutivas em escassos meses.

E é algo de equivalente que se tem passado desde que António Costa e os seus apoiantes se lançaram inopinadamente à conquista do maior partido da oposição. Ver-se-á se não é assim quando tiverem lugar as “primárias” e o partido do novo líder for obrigado a fazer oposição, não aos seus próprios correligionários, mas sim ao governo. Entre outras falsas saídas, como anunciar um “salário mínimo” que ninguém pediu e que, segundo toda a probabilidade está destinado a ser esquecido dentro em breve, conforme fez o “challenger” António Costa, foi agora a vez de o líder sob ataque, António José Seguro, abrir mais uma caixinha de surpresas, a saber, o sistema eleitoral, em especial a redução do número de deputados. Obviamente que a “medida”, se se lhe pode dar tal nome, é feita para soar como música celestial aos ouvidos da esmagadora maioria do eleitorado.

Em contrapartida, toda a gente sabe que uma iniciativa como esta, de resto já badalada vezes sem conta, como sucede aliás com tudo o que tem que ver com uma efectiva reforma do Estado, desde o sistema de representação político-partidária até à privatização das empresas estatais causadoras de parte substancial da dívida externa, passando pela sustentabilidade do sistema de segurança social e pelos poderes elásticos do Tribunal Constitucional, nada disso poderá ser alterado, como faria tanta falta que fosse, sem o apoio consciente e empenhado dos três principais partidos. Ora, é mesmo de ver que nada disso acontecerá tão cedo, muito menos com o PS que aí se perfila.

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Portanto, além de o “timing” ser totalmente despropositado, trata-se de mais um falso arranque que apenas visa embaraçar as hostes da facção costista. Tanto assim, que aquilo que mais surpreende é a reacção descontrolada de muitos dos actuais deputados do PS indicados por Sócrates, que caíram na esparrela de acusar imediatamente Seguro de “demagógico” e “populista”, como se não se dessem conta que a sua atitude vai desagradar à maioria das pessoas que já pouca confiança tem nos deputados em geral. Parece que os deputados socratistas estão com medo de perder o lugar e de ser ver obrigados no futuro a um sistema de incompatibilidades mais rigoroso, assim como a “uma fronteira mais nítida entre a política e os negócios”, segundo Seguro.

Pelo seu lado, os apelos de António Costa “ao crescimento e ao emprego em Portugal”, na linha do falado aumento do salário mínimo, surgem como uma demagogia materialista simétrica da demagogia moralista de Seguro, no momento exacto que a situação económica portuguesa, sem deixar de ser aquela que ainda é, na verdade nunca tinha sido melhor desde 2007. Com efeito, o consumo das famílias está a aumentar provavelmente mais – e não menos – do que a economia real é capaz de sustentar, em especial a produção de bens transacionáveis, mas isso é conversa para outra altura…

É minha convicção que, além da inflação de ataques e contra-ataques, alguns bastante venenosos, estas “primárias” dirigidas a qualquer um que se intitule “simpatizante” de um partido, especialmente numa conjuntura económica e financeira tão delicada como a actual, surgem aos olhos da grande maioria dos eleitores como mais uma falsa partida. Num sentido muito preciso e que não diz apenas respeito ao PS mas sim ao sistema partidário em geral. Ou seja, estas ou quaisquer outras eleições deste género, com difusão televisiva e cobertura mediática incessantes, têm a consequência automática de criar falsas expectativas. E é disto que a maior parte das pessoas aprendeu a desconfiar à sua custa, ao longo de uma revolução e perto de 40 anos de promessas eleitorais por cumprir ou por pagar. Só bancarrotas financeiras e pedidos de ajuda externa já são três. A pergunta que cada um faz a si mesmo é esta: “Se me prometem tanto em tanto pouco tempo, por que razão não me decido eu a votar nos pagadores de promessas? Não será porque tenho a maior dificuldade em acreditar em promessas condenadas a transformar-se em outras tantas falsas partidas”?