Um dos clássicos da desonestidade argumentativa na política é retirar das declarações do adversário conclusões abusivas. Por exemplo: se és contra a pena de morte é porque és a favor dos criminosos. Ou: se és contra a discriminação positiva de pretos e mulheres é porque és racista e sexista. Ou: se és a favor da despenalização do aborto é porque és a favor do infanticídio. Ou: se és contra a imigração irrestrita é porque és xenófobo. E por aí fora, a lista de exemplos é infinita. Todos os radicais, tanto da esquerda como da direita, adoram o método. Mas quem o tem usado abundantemente por cá tem sido a extrema-esquerda, que precisa desesperadamente de radicalizar o debate eleitoral para fazer esquecer estes quatro anos de colaboracionismo com o PS e acossar a direita moderada. Para isso precisa de fascistas.

Tem sido difícil. Em Portugal não há extrema-direita digna desse nome. Talvez porque os temas habituais da extrema-direita não tenham por cá grande acolhimento nos tempos que correm. Racismo e xenofobia? A imigração é residual. E a nossa miséria ancestral torna difícil a veemência necessária ao racismo: é difícil desprezar alguém que partilha connosco o bairro da periferia e o ódio surdo contra o patrão. Nacionalismo? Os portugueses cultivam em geral um saudável desprezo pelos arroubos patrióticos. Tirando os jogos da selecção, a identidade nacional não nos entusiasma. Talvez porque nos pesa, assim tão antiga, tão evidente. A consequência está à vista. O PNR é uma espécie de claque de futebol sem clube. E André Ventura, a mais recente esperança das hostes anti-fascistas por conta da recente notoriedade com o episódio dos ciganos de Loures (durante a campanha das autárquicas de 2017) e umas declarações incendiárias contra Rio e o PSD, nem os espectadores da CM-TV conseguiu arrastar consigo.

Não há fascismo na nossa direita. Em contrapartida, a nossa esquerda radical cultiva abundantemente traços claramente fascistas. O ódio à burguesia. O amor pelos movimentos de massas. A criminalização dos comportamentos. A defesa despudorada da censura. Não estou a exagerar. A única vez que uma conferência foi proibida numa universidade portuguesa depois do 25 de abril foi há dois anos, por pressão da esquerda radical. E a versão pós-moderna dos secretariados fascistas da propaganda já existe: chama-se CIG – Comissão para a Igualdade de Género. A CIG, que é um organismo do Estado, tem como objectivo declarado ensinar e impôr uma moral e uma visão da sociedade. Não há nada mais fascista do que isso.

Agora sem ironias. Na falta de fascistas, há que inventá-los. Houve, claro, o episódio do bairro da Jamaica e umas declarações incendiárias do sr. Mamadou. E houve há dias o episódio dos ovos, em Coimbra. É interessante que a esquerda se tenha comovido tanto com meia dúzia de ovos quando, há quinze anos, não mostrou qualquer comoção pelo facto de Theo van Gogh ter sido degolado numa rua de Amesterdão. Talvez os nossos activistas tenham medo de facas.

A vida não é fácil.

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