Não. Agora as razões da afirmação que pode parecer leviana ou contracorrente. Em primeiro lugar a definição de saúde é um constructo ligado à ideia de perfeição e estabilidade, antítese da essência humana.  A Organização Mundial da Saúde define-a como um “estado de completo bem-estar físico mental e social…” definição controversa desde que foi criada, pois se observarmos a realidade ao nível planetário percebemos que tal condição não existe. Quem é que tem completo bem-estar físico mental e social? Certamente ninguém.

Quando nos detemos no campo mais estreito da saúde mental, o bem-estar surge intangível como padrão uma vez que a dimensão psíquica é altamente vulnerável e, nem sempre condições económicas tidas como essenciais favorecem a realização e o equilíbrio psíquico. Facilmente se percebe que não ter nada pode ser tão perturbador como ter tudo.

O conceito “saúde mental” está descontextualizado quando a ênfase se coloca nas consequências de perturbações psíquicas adquiridas ao longo do ciclo vital,  perturbações que lamentavelmente nunca interessaram a tantos. Poderíamos citar múltiplos aproveitamentos da expressão usada sem razoabilidade como cliché a propósito de tudo, mas ocorre-nos como exemplo a classe crescente de mentores e coaches digitais licenciada na Wikipédia com conhecimentos avulsos da psicologia, física quântica e outros domínios mesclados de ciências ocultas.

Escassa ajuda e tratamento diferenciados no SNS facilita a actividade lifestyle do segmento mental, “terapeutas” promovidos por frases motivacionais, cursos e mentorias para gerir a vida profissional, consertar relacionamentos falhados, e educar os filhos com métodos disparatados de que é exemplo o célebre mergulho em banheira de água fria para acabar com birras.

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A ausência de Prevenção estruturada na área psíquica, no depauperado SNS, deixou a perturbação entregue a si própria numa espécie de antipsiquiatria conveniente onde todos tem direito à sua loucura e outros prosperam com a manipulação da vulnerabilidade.

A saúde psíquica dos portugueses pouco tem interessado ao poder e a fragilidade social pode mesmo ser tentadora para objectivos políticos. Talvez por isso, programas de intervenção pouco ou nada saiam de layouts em powerpoint de altíssima qualidade que vão sendo publicados pelas autoridades de saúde e educação, baseados em Resoluções de Conselho de Ministros que nos que dão a ilusão de alinhamento com objectivos internacionais.

Na prática, o cidadão comum, observa no lugar de formação e investimento psíquico institucional, noticias e crónicas de anatomia do crime em programas televisivos onde o uso da expressão “saúde mental” surge com frequência em múltiplos tons e configurações de doença em manifesta tendência a psiquiatrizar a violência doméstica, entre jovens, contra idosos entre outras. Preocupa-nos o efeito contágio e a colagem fácil do crime à doença mental que mais nos mostram a urgência da Prevenção no processo educativo, vertente mandatária da saúde mental dos cidadãos.

Necessitamos de nova filosofia de ensino que integre equipas psicopedagógicas especializadas em trabalho diário com todos os alunos em efectivo espírito de escola inclusiva. Uma década depois de publicadas “Linhas Orientadoras da Educação para a Cidadania” pela Direção-geral da Educação está por atingir o pretendido “Perfil de Aluno” com formação cívica e psíquica adequada ao pleno contributo para a sociedade no final da escolaridade obrigatória na escola pública. Vale a pena ver o recente relatório da Comissão Europeia Education and Training Monitor 2024 onde se sublinham várias preocupações, entre elas a deterioração de competências básicas como leitura, matemática e ciências que ameaçam a competitividade e resiliência social.

Muito há fazer em Portugal para o necessário salto de desenvolvimento humano no âmbito psíquico, estreitamente ligado à educação, efectiva aquisição de competências, sobretudo a capacidade de antecipar, analisar e tomar decisões estratégicas, designada de literacia de futuros, não só no âmbito da sustentabilidade, mas da vida como um todo.

Não será apenas com um psicólogo por escola e projectos pedagógicos politizados pela agenda woke, geridos por docentes sem formação contínua, desgastados em lutas profissionais, que o tecido social ganhará qualidade rumo à mudança desta realidade empobrecida, logo a partir da formação, com altos níveis de agressividade latente indicadores do pouco empenho público na saúde mental.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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