1 «É urgente criar um novo poder político democrático, capaz de pôr termo à crise de identidade e desorientação em que o País vive (…). Portugal precisa de um poder político estável, com efectiva capacidade inovadora e reformadora, e susceptível de gerar um largo consenso nacional. As transformações sociais e económicas requeridas pela modernização do País e pela sua preparação para o desafio europeu impõem o aparecimento de uma nova maioria política. Só através dela será possível responder aos apelos de progresso, de liberdades e justiça social, de dignidade humana e solidariedade, de descentralização e competência, que percorrem e animam a sociedade portuguesa. Só através dela será também possível fundar um novo sistema político e económico, assente no Estado de Direito, na liberdade e criatividade das pessoas e das comunidades, e na defesa dos mais desprotegidos. (…) A Aliança Democrática, contrariando um velho pessimismo que se recomeçava a afirmar, prova que o desentendimento e o sectarismo não são uma fatalidade. Prova que a democracia não significa forçosamente divisão e conflito. E provará que nada impede que, em democracia, se governe na paz e com eficácia. A situação do País exige-o. As promessas do 25 de Abril não foram cumpridas. A vida está cada vez mais cara. Os salários não sobem tanto como os preços. O desemprego aumenta. Não se consegue arranjar casa com rendas acessíveis. As pensões da previdência são insuficientes. As escolas funcionam mal. A cultura e o ambiente degradam-se. As regiões do interior empobrecem. Os municípios continuam dependentes da administração central. As empresas vivem em permanentes dificuldades. (…) Não se respeitam as leis (…). E, entretanto, os impostos não param de crescer. Mas os serviços públicos pioram de ano para ano. O auxílio aos desprotegidos não é alargado. As injustiças sociais acentuam-se. Os trabalhadores ganham progressivamente menos. O País endivida-se e perde a confiança em si. A corrupção atinge proporções inquietantes. Nesta crise geral, que todos sentem e que a todos preocupa, os portugueses vão ser chamados a votar. A sua escolha é clara. E não tem meio termo. Ou votarão por um governo da Aliança Democrática. Ou votarão por um governo do PC e do PS. Na verdade, o PS sozinho nunca poderá governar e, para o fazer, ver-se-á sempre obrigado a aceitar o apoio, as condições e a política do PC. Hoje, votar PS é, na prática, o mesmo que votar PC. Mas merecem o PC e o PS a confiança dos portugueses? Que têm de novo para lhes oferecer? Nada de novo para controlar a inflação ou para diminuir o desemprego. Nada de novo para tornar os impostos mais equitativos e moderados ou para resolver o problema da habitação. Nada de novo para melhorar a saúde, a segurança social, o ensino. Numa palavra, nada que nos garanta uma vida próspera, estável e com alguma esperança. Depois dos rios de palavras e promessas que Portugal já se habituou, dar-nos-ão apenas mais agitação política e social, mais desorganização, mais burocracia, mais impostos, mais funcionários públicos, mais intervenções do Estado. O PC e o PS representam o passado. A persistência nos erros e processos que agravam todas as dificuldades do País e não venceram nenhuma. A continuação do tempo de desilusões e desespero que têm sido os últimos anos. Votar PC ou PS é renunciar a resolver os nossos problemas; é aceitar a degradação da nossa vida. (…) O governo da Aliança Democrática baseará a sua acção na liberdade e na solidariedade nacional, na revalorização da sociedade civil e na construção do Estado democrático. Como o seu programa demonstra, sabe o que quer. E pode fazer o que quer. Mas não mente aos portugueses. Não promete fazer tudo ao mesmo tempo. Vai começar pelas coisas importantes. Vai lutar contra a crise económica nomeadamente através do incitamento ao trabalho, ao investimento e à exportação. Vai melhorar as condições de vida dos portugueses – reduzindo o aumento do custo de vida, criando postos de trabalho, diminuindo impostos. Vai promover a justiça social – ajudando os mais desprotegidos e favorecendo a igualdade de oportunidades. Vai melhorar a extensão e qualidade dos serviços públicos – em especial, a educação, a saúde, a habitação social. Vai lançar um corajoso projecto de descentralização municipal e regional – que permita difundir as responsabilidades em todo o corpo social e devolver às comunidades locais a sua autonomia face ao poder central. (…) Portugal não está vencido. Portugal não será vencido. Temos de fazer de Portugal um vencedor.»
2 Trata-se de um excerto da mensagem inicial do programa eleitoral da Aliança Democrática de 1979. Salvo as devidas distâncias, parece ter sido escrito na semana passada. Terei, porém, que ser justo e salientar essas distâncias: Portugal já não está a discutir a entrada nas Comunidades Europeias, é um membro de pleno direito; já não estamos perante um cenário em que as nacionalizações pareciam irreversíveis; não temos um problema generalizado de barracas e falta de saneamento básico, luz e água canalizada; não temos de lutar para que a iniciativa privada seja aceite como legítima; não temos de lançar mais medidas para fomentar o turismo (agora até parece que estamos empenhados em acabar com ele); não temos já um problema com o alojamento e a dignidade dos portugueses que regressaram das colónias; não temos Conselho da Revolução; temos já uma comunicação social privada e que funciona em regime de liberdade de imprensa, com pluralismo político e ideológico; não temos um problema grave de criminalidade violenta. Os salários subiram, o nível de vida aumentou, o acesso a cuidados de saúde melhorou, há mais licenciados, há mais mobilidade geográfica do que havia em 1979.
Dizê-lo é uma evidência, mas é fundamental para que se rejeitem os discursos da choldra: Portugal mudou muito, para melhor, desde que iniciou o seu processo de desmilitarização, desde que deixou para trás as loucuras revolucionárias, desde que aderiu à Comunidade Europeia e tomou proveito dos fundos que dela recebeu, desde que se tornou um País onde a iniciativa privada é uma realidade. O que fizemos até 1995 foi importante, mesmo que insuficiente; mas o que não fizemos desde 1995 foi desastroso.
Um português com 25 anos não sabe o que é viver num País a crescer. Não sabe o que é ter perspectivas dentro de portas porque conscientemente sabe que o seu destino, se quiser uma vida melhor, é emigrar ou, optando por ficar, contentar-se com poucochinho e uma vida a suspirar. Vive desde que nasceu num País estagnado, que continua a receber milhões de euros em fundos comunitários e que cobra cada vez mais receita fiscal, sem que isso se traduza no aumento da qualidade dos serviços públicos, da saúde à educação, dos licenciamentos aos registos, sem que os salários cresçam e o elevador social funcione.
Portugal está mais uma vez às portas de mais uma eleição que deve ser encarada como crucial e decisiva para aquilo que o País será nos próximos anos. Depois de 25 anos em que o espaço político a que corresponde o centro-direita reformador governou apenas seis, e sempre em situações que o obrigaram a resolver crises e não a implementar o seu programa, as legislativas de 2022 podem ser a oportunidade que faltava ao País para regressar ao caminho da prosperidade e escapar de um destino que parece cada vez mais certo: a famosa “cauda da Europa”.
3 Não é que desta vez não haja problemas conjunturais para resolver, porque eles existem. Mas, não estando nós em situação de catástrofe financeira como estávamos em 2011, há um quadro político e social capaz de enquadrar um programa reformador e não apenas uma política governativa que faça as vezes de bombeiro das contas públicas. Existe, em 2022, um cenário que poderá levar a que se olhe definitivamente para os problemas estruturais do País, para lá dos conjunturais.
Demonstrado o fracasso da Geringonça, que provou que apenas funciona quando tem um inimigo comum e um cardápio de medidas políticas que não mais que simples reversões, o PS tem um desafio pela frente: ou mostra aos portugueses que consegue sozinho, isto é, com maioria absoluta, reformar o País de modo a acelerar a produção da riqueza nacional, ou terá de ficar refém dos devaneios do PCP e do BE, continuando o desígnio de subsidiar a pobreza nacional. Sucede que não acredito que os portugueses se contentem com alguma das alternativas. Em primeiro lugar, porque as pessoas sabem o que significa para o País ter o PS a governar com maioria absoluta. Em segundo lugar, porque, ao contrário do que contaram as narrativas oficiais e oficiosas, a Geringonça não entrou no coração dos portugueses: pelo contrário, o total dos votos obtidos por PS, PCP e BE em 2019 foi inferior ao total de votos que tiveram em 2015, tendo o PS sozinho feito por minimizar essa queda eleitoral com a recuperação de apenas 150 mil votos. Em 2019, o PS governou porque o centro-direita assim o quis, não há outra forma de o dizer.
Ora, estando o PS entre a espada da sua incapacidade mobilizadora e reformista e a parede do imobilismo de uns parceiros que parecem já só aceitar retomar a Geringonça se o PS for tomado pelo maior traidor ao europeísmo centrista e à social-democracia de Soares, Pedro Nuno Santos, o centro-direita tem, se assim o quiser, a oportunidade de oferecer ao País uma alternativa de progresso, desenvolvimento e riqueza.
Naturalmente, seria útil que a direita democrática tivesse optado por ser rápida e eficaz a relegitimar os seus actuais líderes ou a legitimar os novos, em vez de se ter perdido numa trincheira de hipotéticos interesses pessoais que já deram cabo de um partido e só não destruíram o outro porque, primeiro, Paulo Rangel se manteve sereno e o mais equidistante possível da pocilga em que a direita vigente resolveu passar os dias da crise, e, segundo, porque Rui Rio, depois da tentativa, acabou por temer que os acontecimentos do CDS se reflectissem no PSD.
Mas, sendo ultrapassadas as suas questões internas, o que há a fazer é apresentar um programa. Não é uma resma de folhas escritas que ninguém lê; é um programa político que, para lá das páginas e páginas de propostas, se possa traduzir numa mensagem clara, numa visão global e estratégica que todos possamos compreender, e que explique definitivamente aos portugueses de que forma podem contar com uma força política reformista para que a sua vida melhore.
4 Voltemos ao programa da Aliança Democrática. Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Telles assinaram uma proposta política que assentava em seis pilares: 1) Uma Economia Nova; 2) Melhoria efectiva do bem-estar e da segurança social; 3) Educação para a liberdade e o trabalho; 4) Melhor qualidade de vida; 5) Um Estado democrático, descentralizado e eficiente; 6) Política externa ao serviço do progresso e dignidade de Portugal.
Ao longo do documento deparamo-nos com propostas e visões políticas que continuam válidas, por concretizar ou por adaptar aos dias de hoje. O incentivo ao trabalho e ao investimento através da redução dos impostos pessoais, considerando as condições específicas de cada agregado familiar; uma estratégia de racionalização e redimensionamento do sector público administrativo e do sector empresarial do Estado; a aplicação de medidas de austeridade sobre o Estado; a publicitação do destino final do dinheiro dos impostos; canalização do investimento público para projectos de demonstrada rentabilidade ou utilidade social; atribuição ao sector privado do papel decisivo no desenvolvimento; a não utilização dos financiamentos obtidos pelo Estado em simples consumo do próprio Estado; a instauração de um modelo de relações de trabalho que não resulte das decisões impostas pelo Estado, mas da actuação e entendimentos proporcionados entre empregadores e trabalhadores, em cada realidade empresarial concreta; um modelo económico voltado para as exportações e não para o consumo interno; fomentar a reabilitação de prédios degradados, incluindo os do Estado; apoiar programas de habitação social, fomentando o papel das cooperativas de habitação; satisfazer as necessidades de transportes públicos, considerando que o Estado só deve assumir a gestão das actividades que inequivocamente não possam ser deixadas ao sector privado; estabelecer tarifas sociais; financiamento do serviço nacional de saúde através do Orçamento do Estado, mas também através de um Instituto Nacional do Seguro-Saúde, em que se estabelece que cada um paga os cuidados de saúde de acordo com os seus rendimentos, ficando isentos os mais pobres, num mecanismo progressivo; estabelecer uma política de ensino fundada na igualdade de oportunidades; regionalizar a administração escolar; universalizar o ensino pré-escolar; incidir na qualidade da oferta escolar das zonas mais desfavorecidas; aumentar o número e valores das bolsas; incentivar a formação profissional; garantir liberdade de escolha, através do recurso ao ensino particular e cooperativo, evitando as discriminações económicas e facultando a todos o acesso à escola da sua preferência; recuperar o património cultural do Estado; criar uma política de encomendas culturais do sector público; implementar uma política ambiental que salvaguarde as zonas históricas urbanas, que preserve as paisagens rurais, mantendo-as dentro de um uso compatível com a fertilidade dos solos e com a evolução do modo de vida e o crescimento natural das populações; protecção da fauna, flora, rios, matas e zonas húmidas; criação de parques naturais e reservas; combate à poluição; assentar a política de desenvolvimento preservando os recursos naturais; estimular formas de poupança de energia, em especial nas unidades industriais; estabelecer um plano energético nacional com controlo de execução; promoção de um novo urbanismo que promova a dignidade e intimidade da família, que possibilite acesso rápido e fácil a transportes, com espaços de recreio, repouso e convívio social; eliminar bairros de lata e evitar a construção de cidades-dormitório; introdução de horários flexíveis e opcionais nas actividades que o permitam; alterar a lei eleitoral; aplicação de mecanismos de transparência aos partidos políticos; rever a situação económica e laboral dos funcionários públicos, as suas carreiras, direitos individuais e colectivos e preparação profissional; revisão dos equipamentos dos serviços públicos; modernizar a gestão da administração pública; eliminação de burocracias e formalidades inúteis; reforçar controlos jurídicos e não jurídicos sobre a administração, reforço das garantias dos particulares; combate à corrupção; regionalizar e municipalizar; criar mecanismos de celeridade da justiça; rever as necessidades de recursos humanos e financeiros do sistema judicial; modernização do direito comercial e do direito penal económico; promoção e dignificação da condição feminina, através de medidas de igualdade de tratamento e de oportunidades, eliminando as discriminações a que está sujeita.
Poderá surpreender muitos, mas este programa político, de forte pendor social, liberalizador, focado na promoção do bem-estar e na qualidade de vida, na criação de uma nova e livre economia, na produção de riqueza, na política ambiental e ecológica ou na emancipação feminina foi tratado, mesmo aquando da sua discussão, já enquanto programa de Governo na Assembleia da República, como uma ameaça fascista. O PCP e o PS chegaram mesmo a invocar a ilegitimidade do Governo da AD. Aos olhos de hoje, e apesar de ser sempre um programa aqui e ali discutível, parece um documento progressista, e que boa parte da direita contemporânea não hesitaria em apelidar de esquerdista.
Certo é que o que o programa da AD tinha de mais estrutural não foi alcançado: a criação de um País rico, que acompanhe os melhores países europeus, onde as pessoas vivam com conforto proporcionado pelos rendimentos do seu trabalho, que proporcione desenvolvimento e bem-estar, um País que não está refém de preconceitos ideológicos mas que antes procura as melhores soluções que permitam aos seus cidadãos viverem a vida que querem viver, um Estado transparente, ágil e que presta contas. Como disse anteriormente, o País não é o mesmo de 1979. Melhorou, e muito, sobretudo por via da adesão à Comunidade Europeia e do acesso aos fundos que dela recebeu. Mas, em 2022, aqui estamos: parados, ultrapassados, mais pobres, no fundo da tabela salarial europeia, sem perspectivas, sem horizontes. Para as legislativas de 2022, não é preciso inventar muito: é preciso fazer o que ainda não foi feito.