Há os puristas que me dizem que em férias nem sequer podem falar com um colega porque os faz pensar em trabalho. Que seria olhar mails ou atender um telefonema!? Tudo o que os possa fazer lembrar trabalho lhes arruína as férias. Respeito, claro, mas discordo profundamente.

Primeiro porque há um sentido mínimo de responsabilidade que se deve preservar. E faz tão bem a um ser humano completo, inteiro, manter essa responsabilidade quanto procurar descansar. Às vezes chego a pensar que as modas são de tal forma enviesadas e excessivas que a vida, e o ser humano, se estão a tornar um faz de conta – e o trabalho nem paga as contas, nem tão pouco é uma responsabilidade!? – que me pergunto porque trabalham as pessoas? Não haverá um fim de realização, de propósito e de, sejamos pragmáticos, pagamento de contas? A esta altura do texto já me chamaram os nomes todos e os pseudo-psicólogos de serviço já disseram que sou um workaholic. Para além de outras pérolas e impropérios interessantes. Adiante.

No meio disto tudo há uma pergunta que não deve largar ninguém. Se és um armário de gavetas e só abres umas quando fechas as outras porque não fechas de vez a do trabalho? Passarás a vida toda em férias e não há o problema nem da saúde mental nem dos burnouts nem de várias outras dimensões modernas que te arrebatam, que tomas como causas tuas, mas na maioria das vezes sem te fazerem pensar. Ou bem que és um ser humano completo ou bem que és um ser humano assético. E como se falou em vidas asséticas há não pouco tempo…

Aqui vão, então, as minhas 10 razões para não existir um corte completo com o trabalho (poderiam ser 100):

  1. Equilíbrio entre vida pessoal e profissional é isso mesmo, equilíbrio. Cortar partes, pessoais ou profissionais, por que tempo seja, não é um bom contributo para o teu equilíbrio enquanto ser humano. A palavra-chave é mesmo equilíbrio. E a produtividade reside nesse equilíbrio.
  2. Energias recarregadas sem perder a conexão não podem levar-te a um corte absoluto com pessoas e mensagens do teu trabalho. Apenas te provocará, quando voltares, um crush disruptivo de que não te apercebes quando fechas uma gaveta por completo. O processo de regresso será muito mais violento, se fores responsável, porquanto o que te espera pode levar-te de novo à exaustão;
  3. Criatividade e inovação estimulam-se também em férias e tendo igualmente um contexto de trabalho como pano de fundo. São pontos de conexão para a inovação que precisas de fazer migrar para o que fazes em termos de trabalho.
  4. Saúde mental sem desmame. Se te desconectares do trabalho durante as férias contribuis em muito para a tua saúde mental, mas passarás a vida em desmames. Desmame do medicamento férias e desmame do medicamento trabalho. Procura um equilíbrio. Se a gaveta trabalho estiver aberta, pouco aberta, garanto-te que não haverá grande desmame nem sentirás, por exemplo, a síndroma das segundas-feiras quando se trata de fins de semana.
  5. Relacionamentos pessoais sim, com colegas de trabalho incluídos nas respostas e interações. Não atenderes um colega ou não lhe responderes porque te soa a trabalho é qualquer coisa de absolutamente transcendente. Aí sim, serás verdadeiramente extravagante. A essa gaveta fechada chama-se muitas vezes egoísmo.
  6. Exploração e aprendizagem. As férias são uma oportunidade para explorar novos lugares, culturas e experiências e, porque não, para leres alguma coisa técnica que não apenas os teus romances de verão. Estarás a contribuir para o teu crescimento pessoal e para a ampliação de horizontes e a germinação de pontes para com o trabalho, onde irás certamente mais longe.
  7. Retorno revigorado e não desconectado pode fazer com que te sintas mais motivado e comprometido, aumentando o teu sentido de pertença e melhorando a tua atitude em relação às responsabilidades profissionais.
  8. Flexibilidade tecnológica moderna. Com a tecnologia atual, é possível manteres-te minimamente conectado sem comprometeres as férias, permitindo resolver assuntos importantes de forma pontual.
  9. Exemplo para outros e criação de cultura. Ao demonstrares a importância do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, podes influenciar positivamente a cultura organizacional e incentivar colegas a fazerem o mesmo.
  10. Mas o melhor de tudo é que em trabalho tens de ter fins-de-semana e também pausas para descansar. E, igualmente, durante as férias não podes alhear-te de tudo o que está à tua volta em termos de trabalho. Se queres crescer, em tudo e como ser humano, aprende a ser um ser inteiro em vez de um armário de gavetas abertas e fechadas. Um ser inteiro não fecha gavetas para abrir outras. Gere-as meio abertas, abertas em pleno, meias fechadas. E vai alternado.

Ou seja, “para seres grande, sê inteiro” (Fernando Pessoa no heterónimo Ricardo Reis).

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