Uma criança, à frente da tenda onde tem que se isolar durante a pandemia, segura um cartaz com duas mensagens. Primeiro a mensagem, “Fica em casa” e, logo abaixo a segunda, “Esta é a minha casa”. A foto foi partilhada entre tantas outras pela “Moria Corona Awareness Team”, a equipa de voluntários focados na sensibilização para os desafios que o campo de refugiados está a enfrentar em Moria, na Grécia.

Moria Corona Awareness Team

Diferentes canais de comunicação e organizações têm documentado histórias, que representam outras tantas, sobre o “desastre humanitário” que agora passou a ser um desastre humanitário agravado por uma pandemia. Infelizmente, as histórias parecem não ter fim mas estão a ser contadas e ainda bem. Que se continuem a documentar as histórias na esperança de que nos inspirem para a ação.

Atualmente, ainda que com algumas afinações entre países diferentes, as recomendações que são dadas à população são semelhantes: evitar contacto social, ter cuidados de higiene pessoal, lavar as mãos e pedir ajuda médica em situações específicas. Mas há quem não tenha casa, não tenha acesso fácil a água e muito menos a um médico. Nos campos de refugiados da Grécia, as condições de vida já eram desumanas antes do início da pandemia. Agora, numa altura em que são necessárias medidas para evitar a propagação do vírus, pior ainda. Os refugiados enfrentam um maior risco devido às condições restritas e densidade populacional.

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Em fevereiro, o navio Diamond Princess mostrou ao mundo como é que o vírus se pode propagar em espaços confinados. Mas, nos campos de refugiados, as condições são piores e os riscos de contaminação mais elevados. O Diamond Princess tinha uma densidade populacional de 24 pessoas por km2 e o vírus teve uma propagação quatro vezes mais rápida do que no momento do pico em Wuhan, na China. Em Moria, na Grécia, a densidade populacional é de 204 pessoas por km2 quadrado.

Se e quando o vírus chegar aos campos, as consequências serão provavelmente catastróficas. As nossas preocupações e medidas para conter o surto não devem negligenciar os milhares de pessoas que vivem à mercê da indiferença política.

Nenhuma das ilhas gregas, que acolhem no seu total cerca de 42.000 migrantes e requerentes de asilo, está preparada para uma crise de saúde pública desta escala. De acordo com organizações médicas que trabalham no campo de refugiados de Moria em Lesbos, um surto de COVID-19 no campo pode propagar-se rapidamente, levando a um número exponencial de pessoas infectadas dentro de 10 dias. No capítulo XII do conjunto de artigos do Expresso “Um Desastre Humanitário” há um testemunho da médica holandesa Sanne Van Der Kooij que explica o contexto e que em determinada altura resume bem o cenário no campo de Moria: “Fantástico habitat para um vírus, absolutamente terrível para seres humanos”.

Vídeo gravado em fevereiro de 2020 no campo de Moria, na Grécia. Vídeo, música e letra pelo Raul Manarte

O Saad é um refugiado da Síria. No dia 27 de março escreveu: “Precisamos de ação agora. Viver em Moria é perigoso para muitas pessoas. Não há nada que possamos fazer para impedir que o vírus se espalhe rapidamente entre as pessoas. Sou jovem, saudável e forte, vou combater a doença. Mas será uma história totalmente diferente para outras pessoas que não têm tanta sorte. Por exemplo, o meu vizinho tem uma doença pulmonar e já tem dificuldade para respirar. Se ele for infectado pode ser desastroso.”

O Nazir é do Afeganistão e também está em Moria. No dia 29 de Março escreveu: “Vivo aqui com a minha esposa e três filhos pequenos. Tenho que manter os nossos filhos na nossa pequena tenda durante a maior parte do dia. Eu tento entretê-los com jogos de cartas ou desenhos animados no meu telefone. Temos todos medo do vírus. Além disso, o nosso pedido de asilo foi suspenso até novo aviso. Não temos ideia do que vai acontecer connosco.”

Já está claro para muitas pessoas que esta pandemia é um teste aos serviços de saúde e à capacidade das sociedades se organizarem e protegerem. Mas também é um teste à nossa humanidade e solidariedade. Que neste teste também consigamos ser aprovados com distinção. Para uma pandemia que não respeita fronteiras é preciso que a nossa humanidade e solidariedade também não.

Oportunidades para ajudar e o que podemos fazer:

  • Contribuir para a angariação de fundos a solidariedade não faz quarentena”. Esta campanha organizada pelo coletivo Human Before Borders tem como objetivo apoiar cinco ONGs médicas que trabalham nos campos de refugiados de Lesbos (Boat Refugee Foundation, Kitrinos Healthcare, Medical Volunteers International e Health Point Foundation) e Samos (Med EqualiTeam), no fortalecimento da resposta às necessidades emergentes que esta população enfrenta diante desta pandemia.
  • Assinar o SOS Moria. Um conjunto de médicos e cidadãos europeus apela à União Europeia para que retire os refugiados das ilhas gregas para o continente, em segurança, evitando uma catástrofe médica em território europeu.
  • Divulgar e apoiar trabalhos jornalísticos que documentem a situação, dando voz a quem a está a viver em primeira mão. Ajudar estas vozes a chegar mais longe, garantindo que as suas necessidades são ouvidas por todos, mas especialmente pelos que têm as ferramentas e a responsabilidade de dar uma resposta urgente e imediata.

Hugo Menino Aguiar é cofundador do www.speak.social. Foi nomeado Ashoka Fellow pelo seu trabalho na integração de pessoas migrantes e pessoas refugiadas. É licenciado em Engenharia Informática pela Universidade Nova de Lisboa e trabalhou na OutSystems e Google.