O Governo esteve recentemente em peso na apresentação pública da estratégia da empresa florestal estatal, a FlorestGal. Tem-se afirmado que é uma empresa nova, mas não é de todo. Na verdade, a FlorestGal absorveu os activos da Lazer e Floresta e sofreu uma alteração de estatutos que lhe acrescentou uma vertente de gestão à já existente vertente imobiliária. Apenas isto, uma reorientação da anterior empresa.

Segundo o Primeiro Ministro, a Florestgal vai “pegar num conjunto de propriedades que hoje estão inactivas, improdutivas, que não geram rendimento e que são uma ameaça para a segurança, e fazer uma gestão economicamente viável, que permita rendimento para os proprietários, acrescentar valor para o território, manter a floresta bem gerida e sem risco para a segurança”. Isto porque temos de saber gerir a floresta que, segundo António Costa, nas últimas décadas “foi sendo deixada crescentemente ao abandono ou entregue à exploração de espécies de crescimento rápido”.

Ainda segundo o chefe do Governo, a população idosa, que não tem recursos financeiros para fazer a limpeza e a gestão da sua floresta, tem na Florestgal “um parceiro onde pode encontrar uma fonte de rendimento para remunerar uma propriedade, que hoje não dá rendimento e ainda provoca dores de cabeça”.

Estas afirmações vêm reforçar o que já tinha dito recentemente o presidente da Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais (AGIF), numa entrevista ao jornal Público na qual afirmou que é necessário mudar a paisagem e que para isso “os proprietários têm de garantir que os seus terrenos são geridos” e que quem não gerir, terá de vender.

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Ora o grave de todo este processo que parece muito bem-intencionado da parte do Governo, é o que não se vê, o que apenas se retira das entrelinhas, juntando as várias peças de um complexo puzzle.

  1. Uma grande parte da população, como vimos, está envelhecida e tem poucos recursos, o que não lhe permite tirar rendimento da floresta.
  2. Há uma comunidade enorme de emigrantes que provavelmente não gerem os seus terrenos porque estão longe e nem sabem onde eles são;
  3. Está em discussão na Assembleia da República uma Proposta de Lei do Governo para alargar o projecto piloto do Sistema de Informação Cadastral Simplificado (SICS) a todo o território nacional e esta proposta prevê precisamente a existência de ‘prédio rústico omisso’ cujo registo a lei pretende deixar para regulamentação futura do Governo (um cheque em branco, portanto);
  4. No final do ano passado o Governo anunciou, pela voz do ministro Siza Vieira, que tinha aprovado um projecto de diploma segundo o qual, depois de um processo de publicitação, os ‘terrenos sem dono conhecido’ que não sejam reclamados durante um prazo de 180 dias (6 meses), se consideram propriedade do Estado, passando a ser geridos pela FlorestGal;
  5. A proposta de Lei do SICS não prevê qualquer divulgação na diáspora, ao contrário do que ficou expressamente reflectido na Lei da Bolsa de Terras e na Lei das Terras Abandonadas e Sem Dono Conhecido das quais o Governo fez tábua rasa.

É um facto que a floresta de minifúndio não gera na grande maioria das vezes receita suficiente para que os proprietários façam uma correcta gestão das suas parcelas. E isso aplica-se à população toda, idosa ou não. Por isso mesmo, ao longo dos últimos anos, foram pensados e criados incentivos à gestão da floresta em maior escala.

Primeiro com a criação das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) em 2005, que pretendiam promover uma gestão com agrupada de áreas florestais de vários proprietários. Mas as entidades gestoras das ZIF (na sua maioria associações de produtores florestais) depararam-se com um conjunto de constrangimentos que não permitiu que se alcançassem os objectivos pretendidos, em particular o facto de não se conhecer os proprietários de muitas das áreas integradas no conjunto das ZIF.

Na minha perspectiva, para além de uma adequada fiscalização, com respectivos mecanismos sancionatórios, é essencial acima de tudo criar incentivos positivos que levem os proprietários a investir e gerir a floresta. Foi o que fez o anterior Governo PSD/CDS, num contexto económico de todos conhecido.

Em 2013, foi feita uma alteração legislativa que permitiu que as entidades gestoras pudessem intervir (fazer limpezas de terreno) nas áreas dentro da ZIF mesmo que não fossem aderentes, a par de uma reforma fiscal, no âmbito da Fiscalidade Verde, que contemplou não apenas um benefício fiscal específico para as ZIF como outros inúmeros impostos que oneravam a atividade silvícola e fundiária – IVA, IUC, ISV, IRC, IRS, IMI, IS, IMT –, dando cumprimento ao estabelecido na Lei de Bases da Politica Florestal e na Estratégia Nacional para as Florestas.

Já nesta legislatura o CDS tem tentado, em vão, aprofundar estes incentivos e benefícios fiscais, nomeadamente com a introdução de uma dedução à colecta de IRS aplicável às despesas com as operações de gestão florestal, à semelhança do que já acontece a todos os cidadãos com as despesas de educação ou saúde. Isto porque a grande maioria dos pequenos proprietários não tem empresas constituídas, logo, não paga IRC mas sim IRS.

Ao invés, o actual Governo PS, com o aval do BE e PCP, aprovou este ano um benefício fiscal aos proprietários, mas só os que têm contabilidade organizada, ou seja, os grandes, deixando sem qualquer apoio os pequenos.

Sabemos que em Portugal a propriedade é maioritariamente privada. Sabemos também que a floresta só é gerida na medida do retorno económico para os seus proprietários. Sabemos ainda que a esquerda defende uma maior área de floresta pública. Da análise que faço deste conjunto de propostas, ou mesmo das não propostas, conjugadas com as declarações de vários membros do Governo, incluindo o Primeiro Ministro António Costa, outra coisa não posso concluir se não um enorme desejo de apropriação por parte do Estado de um património que é privado, o que constitui um confisco, uma forma encapotada de nacionalização!

Deputada do CDS