“Olhem para os vosso pastores, como eu olhei para os índios da América”
(E. V. Komarek)
Daqui a uns dias teremos eleições. Estamos longe dos dias quentes e secos de verão, quando os noticiários abrem com o país a arder. Assim, não é surpresa que o fogo tenha ficado de fora dos debates e dos discursos dos candidatos. Não obstante, esmiuçando os programas eleitorais, de uma forma ou de outra, todos os partidos têm propostas sobre a matéria. Façamos então uma volta ao país com eles para testar a sua aderência à realidade.
De Lisboa partimos para Sul. Em Monchique, perdemos o PS. Podámos perdê-los logo a todos, já que todos defendem o mesmo, mas deixemos os outros seguirem viagem, ficando para trás o PS, já que Monchique ardeu a última vez com eles no governo, para ver se percebe que o cadastro não apaga incêndios e que havendo ali – como em Mação por exemplo – cadastro há décadas, isso na realidade valeu… zero.
Com menos um, seguimos então viagem. Próxima paragem: Leiria. Pelo Pinhal do Rei, largamos a Iniciativa Liberal. Como dizem no programa (não estão sozinhos: AD e PS dizem o mesmo) que a fragmentação da propriedade é um dos graves potenciadores de incêndios, ficam a explicar aos pinheiros ardidos as vantagens do emparcelamento (aliado ao cadastro): se as propriedades forem grandes – com 11 mil hectares chega? Ah e com cadastro, dono conhecido, por sinal o Estado – não ardem, não é?
Do litoral ao extremo norte, visitamos o Gerês. Do PAN à AD, outros cá poderiam ficar, mas fica o Bloco a tentar explicar a quem não tem nem nunca teve Eucaliptos, que a solução para não haver incêndios é arrancar os Eucaliptos, que no caso, não existem.
Para deixar o Chega pelo caminho, descemos a Mação. Ali, perante kms e kms de cabeços povoados de pinheiros queimados, mortos, uns de pé outros caídos, é um bom local para ficarem a pensar em como o comércio de madeira queimada é um grande negócio que motiva incendiarismo – sim, este era um bode expiatório dos anos 70… Parece que os programas eleitorais desenterrados numa escavação arqueológica não são exclusivo comunista!
E por falar em PC, descemos mais um pouco até Ponte de Sor. Podemos ignorar a vertente económica (os meios aéreos públicos custam seis vezes mais dinheiro aos contribuintes) mas ao menos que voem, pelo que ficamos sem os operários que ficam por ali a ver se conseguem consertar os Kamov que nem a Ucrânia quis.
Dali subimos de novo. Vamos à Serra da Estrela. Já sobram poucos para visitar estas serranias de matos. Mas ainda temos o PAN para perceber que os matos ardem. Não que o PAN, ao contrário de outros como o PS e a AD, defenda a patetice da biomassa (que nem subsidiada avança porque é um desastre enquanto negócio). Não que o PAN não saiba que antes esses matos eram usados na agricultura. Mas para o PAN, que sabe bem que eram usados na agricultura por via do gado e seu estrume, explicar como é que trocando o consumo de carne pelo veganismo, ajudará a manter os matos sob controlo – como o Chega já havia ficado pelo caminho, ficam sem companhia para ir à caça de zoófilos!.
Mas por lá fica também o Livre, tanto a estudar os currais que mimetizam o habitat natural das espécies – será que sabem o que são espécies domésticas? – bem como o número de compostores públicos a colocar para fazer compostagem em vez de termos atividades rurais a usar fogo – ferramenta útil e barata mas que não encaixa na visão de quem faz planos para o país a partir da experiência de Lisboa, seus bairros e escolas…
Ora e é precisamente para aí, já apenas com a AD (que já podia ter ficado pelo caminho, mas que até está sozinha na defesa do uso do fogo como ferramenta, pelo que mereceu chegar ao fim) que vamos: para a cantina de uma escola lisboeta almoçar. A AD até se propõe valorizar os nossos produtos e a rever os conteúdos escolares sobre as temáticas florestais, mas para almoçar na escola, não há cabrito ou chanfana ou um simples queijinho de cabra… E quem diz nas escolas diz por exemplo numa cantina das forças armadas ou num qualquer outro lado onde o Estado serve diariamente e no seu conjunto, milhares e milhares de refeições. Ficam por lá a estudar ementas e nós arrancamos para o destino final.
A nossa volta a Portugal acaba em Pedrógão Grande. Passaram 7 anos desde a (última) tragédia. 7 anos entregues à natureza, ao crescimento selvagem da vegetação. Com um bocadinho de sorte, talvez nada de grave aconteça até 2028 (são cerca de 10 anos e depois esperar pelo dia mau que pode levar mais 2 ou 3 anos a chegar). Todavia, mais vegetação crescerá, secará e ficará acumulada. Por essa altura, a herança de quem agora ganhar, será o famoso barril de pólvora já pronto a explodir de novo.
Mas chegados aqui, não temos nem PC, BE, Chega ou Livre (menciona mas com zero propostas) para discutirmos a remuneração de serviços de ecossistema que não têm nos programas, nem PAN (remuneração destes serviços mas apenas em áreas protegidas), IL (apenas em áreas protegidas), PS (apenas para captura de carbono) ou AD (apenas em florestas de produção e conservação) para discutirmos a gestão extensiva de matos visando criar uma paisagem imune ao padrão catastrófico de fogo que temos e que é perfeitamente evitável (não o fogo, mas sim as tragédias e até já sabemos quanto: cerca de 200 mil hectares por ano segundo a AGIF…).
Finalizada a volta, estamos sozinhos. Se o fogo votasse? Escolhia qualquer um. Se nós quisermos votar para um padrão de fogo aceitável? Não escolhemos nenhum!