Esta é a última semana da campanha presidencial de 2022 no Brasil. Finalmente. O quadro sombrio de um país dividido indica que serão dramáticos os lances derradeiros da disputa. E o futuro, a depender do vencedor, uma tragédia para o país. Os candidatos apostam todas as fichas para conquistar o voto do eleitor – sobretudo as indecorosas. Uma suposta defesa da democracia abriu caminho a práticas de vale-tudo para impedir a reeleição do antigo capitão do Exército Brasileiro. Sem qualquer constrangimento, forças progressistas e seus agentes no poder estão matando a democracia, mas juram defender suas instituições.

É verdade, o Brasil vive episódios de autoritarismo, mas não é por parte do presidente, como trombeteado aos quatro cantos desde que Bolsonaro venceu a eleição de 2018. Ao coro embalado por integrantes da classe artística e autoproclamados intelectuais brasileiros, somam-se investigadores estrangeiros que ganharam notoriedade com seus estudos sobre o eclipsar da democracia em âmbito global. Para ficar nos mais conhecidos, Yascha Mounk e Steven Levitsky, que têm obras traduzidas no Brasil, fazem enorme ginástica mental para convencer o leitor de que Jair Bolsonaro é a principal ameaça de morte da democracia no país. Não é.

Até o mais ingênuo observador da cena política brasileira sabe que Jair Bolsonaro não é nenhum primor de democrata. Autoidentificado político de direita, conservador nos costumes e liberal na economia, antes de tudo sua atuação remete à de um populista que tende a ignorar, quando oportuno, as estruturas de mediação e representação do poder. Este comportamento pode ferir as expectativas de analistas sensíveis, sobretudo daqueles mais fofinhos que acreditam ser o progressismo o único e inarredável caminho para a governança democrática.

Mas estejam certos de que o Partido dos Trabalhadores, liderado por Lula da Silva, é capaz de tudo para retomar o controle pleno das alavancas do poder. Assim, quer fazer valer o mantra de Geraldo Alckmin, atual candidato a vice-presidente do petista: “depois de quebrar o Brasil, Lula quer voltar à cena do crime”. Ou o de Dilma Rousseff, que num de seus muitos atos de sincericídio, declarou em 2013: “nós podemos fazer o diabo quando é hora de eleição”. Mas José Dirceu, a mente promotora da ideologia nefasta por trás de Lula da Silva, é mais assertivo quanto às reais pretensões e modus operandi do PT. Em entrevista ao El País, Dirceu admitiu em 2018 que “é uma questão de tempo para a gente tomar o poder”.

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Agora sabe-se o que o antigo guerrilheiro treinado em Cuba para promover uma revolução que conduziria o Brasil para o comunismo nos anos 1960 queria dizer com a expressão “tomar o poder”. Jair Bolsonaro venceu a eleição, mas não conquistou o poder – pelo menos na dimensão a que se referia Dirceu. Esta foi capturada pelo PT e partidos aliados comprometidos em criar constrangimentos para frear a agenda do governo, independentemente da importância das matérias para a realização do bem comum.

O mecanismo envolve diferentes instâncias do poder e instituições do Estado brasileiro, além de entidades da sociedade civil. Dele fazem parte pessoas de diversas formações, muitas das quais saídas de berço esplêndido do Leblon e da Vila Madalena. No fundo, trata-se, de um serpentário, para fazer justiça a Ciro Gomes, que chamou Lula da Silva de encantador de serpentes. Sem qualquer constrangimento, põem-se a empenhar apoio incondicional ao petista. Eventos artísticos, concertos musicais, estádios de futebol, redes sociais, bares, esquinas, nada escapa ao desejo juvenil incontido de demonstrar rebeldia. Tudo é oportunidade para membros da ceita louvar o demiurgo Lula da Silva, não importando a preferência ideológica dos outros eventualmente presentes no local.

Nesta ciranda de anjos caídos, parcela da sociedade brasileira parece precisar urgentemente de assistência de um psiquiatra – especialista mais indicado para tratar transtornos mentais, já que não há remédio para desvio de caráter. O problema torna-se mais evidente quando uma penca de membros da suposta classe bem-pensante do Brasil assina a carta em defesa do Estado Democrático de Direito, formulada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Nada mais farsesco, a defesa da democracia encabeçada pela oposição tenta ignorar a disputa eleitoral acirrada entre Jair Bolsonaro e Lula da Silva e faz proselitismo barato com tema tão caro aos verdadeiros amantes da liberdade.

Contudo, é na juristocracia formada por militantes e simpatizantes indicados pelo partido de Lula da Silva para as cortes que o antigo presidente e seus companheiros têm contido o risco existencial. Note-se que, no auge das investigações e condenações da Operação Lava Jato, o PT viu-se na iminência de ser extinto, primeiro pela mão pesada da Justiça, depois pela rejeição dos eleitores. Na sequência, Bolsonaro tornou-se uma ameaça à harmonia dos poderes prescrita na Constituição – entendida pelas elites políticas do Brasil desde o mantra “se organizar direitinho toda gente rouba”.

A reabilitação política de Lula da Silva, embora condenado a dezenas de anos de prisão em três instâncias da Justiça, tornou-se um imperativo para que forças patrimonialistas preservem o exclusivismo com que drenam as riquezas do Brasil. O que se vê na reta final da presente disputa pela presidência é a luta desesperada de grupos por manutenção de privilégios. Todos estão contra Bolsonaro, o Rambo tupiniquim que parece não se enquadrar no esquema de uma sociedade desavergonhada de manter cidadãos de primeira classe com o dinheiro público enquanto o grosso de sua população, 60%, sequer tem acesso a esgoto tratado.

Por isso, vale tudo para Lula da Silva ser proclamado presidente no próximo domingo, inclusive rasgar a Constituição e tocar fogo na República. O papel desempenhado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), corte que tem a prerrogativa de zelar pela lisura das eleições, tem se notabilizado pela parcialidade com que julga e decide. Seu excessivo ativismo deixa a entender que a Justiça brasileira se tornou partido político ou, no mínimo, que tem preferência por determinada candidatura. Prova disso é que, até o momento em que este texto é escrito, o petista teve 37 pedidos acatados contra seis de Bolsonaro.

De tão sinistras, as decisões do TSE superam aquelas do regime militar, que julgava caso a caso possíveis violações à lei. Pelo menos até o término da eleição, a censura prévia a veículos de imprensa e a jornalistas é uma vergonha a ser suportada pelos brasileiros de bom senso – um alerta, não são muitos. Proibir a Jovem Pan de falar livremente sobre Lula da Silva, frequentemente qualificado por jornalistas e comentaristas do canal de corrupto e chefe de organização criminosa, entre outros adjetivos, é prova concreta de que a democracia no Brasil corre risco. E não é pelas mãos de Bolsonaro, pelo menos neste momento.

Ao cercear a liberdade de expressão, o TSE impede o franco acesso das pessoas à informação e macula o processo eleitoral, além de contribuir para tensionar ainda o ambiente divisionista que rasga a sociedade brasileira. Não há como tergiversar sobre esta matéria, sobretudo quando a corte eleitoral decide dobrar a aposta da conduta autoritária que tem aumentado suas competências. A resolução que permite ao TSE agir de ofício e remover conteúdos de redes sociais prova que a ministra Carmén Lúcia estava certa ao afirmar, em 2015, que “o escárnio venceu o cinismo”. Entretanto, hoje ajuda a promover o escárnio que parecia condenar em julgamentos da Lava Jato.

É preciso repetir, Lula da Silva não é democrata, nunca foi, não passa de um populista de esquerda ávido pelo poder e pelas benesses que dele provêm. Seu governo atuou diretamente para minar as instituições democráticas do Brasil. Não há na história do país ataque maior à democracia do que os esquemas de corrupção criados pelo PT. Juntos, “mensalão” e “petrolão” movimentaram bilhões de reais. Só a Lava Jato recuperou mais de R$ 25 bilhões. Porém muito dinheiro desviado foi usado para bancar o projeto de poder megalomaníaco de Lula da Silva e seus companheiros ou ainda para custear os vícios e caprichos de políticos de gostos nababescos – afinal, qual revolucionário resiste a um Rolex?

Na arena internacional, Lula da Silva deixou clara a sua arrogância de líder recalcitrante quando o Brasil surfava na onda do boom das commodities. Com a colaboração do chanceler Celso Amorim, passou a dar forma a seu plano de criar uma nova ordem econômica mundial. O Brasil abandonou relações preferenciais com o Ocidente para abraçar alianças estratégicas com países de regimes autoritários – exemplo notável é a criação do BRICS. Fortemente a adotar uma abordagem revisionista da ordem liberal, seu governo aliou-se a regimes autoritários na América Latina, no Oriente Médio e na África.

Como os revolucionários de sempre, os petistas têm desculpa moral para destruir a sociedade e seus acordos tradicionais. A utopia igualitarista justifica toda forma de expropriação e morte. Para alcançar e manter o poder que lhes permita colocar em marcha seu projeto transformador, estão dispostos a fazer qualquer tipo de concessão, por mais imoral que seja. Por isso, Fernando Haddad, candidato do PT ao governo de São Paulo, não surpreende ao falar candidamente em uso social para defender invasões de terra.

Sim, caro leitor, a democracia no Brasil está ameaçada. O país caminha próximo ao modelo democrático degenerado adotado por regimes que dominam, por exemplo, a Rússia e a Venezuela. Nestes lugares, o Estado de direito é um engodo para amainar as massas. A liberdade é uma ilusão em que tudo é permitido, desde que não contrarie os interesses dos donos do poder. De forma coordenada, mas brilhantemente a disfarçar o autoritarismo, movimentos e ideologias são explorados para dar ar de normalidade ao regime e a necessária legitimidade ao governo para continuar usurpando as liberdades individuais.

À beira do precipício, o Brasil pode dormir na democracia e acordar numa ditadura. É preciso ter claro que a defesa da democracia não é feita pelos inimigos da liberdade, nem tampouco com documentos produzidos para adular tiranetes. O fato é que, depois do que o STF e o TSE vêm fazendo, a tal carta da democracia virou piada póstuma. Será que seus signatários não estão envergonhados?