Com esta campanha eleitoral, o país acordou subitamente para o debate da coisa pública, depois de anos de adormecimento político. Mergulhados na suave música de António Costa, esquecemos que vivíamos em total ausência de governação, com excepção do muito meritório controlo do défice. Maravilhados em 2024 com a redescoberta da crispação política e já possuídos de algum entusiasmo, assistimos ao longo das últimas semanas a uma animada competição de trocadilhos e promessas, muito condicionados pelas sugestões de jornalistas e comentadores. Tem sido de facto entusiástica a participação de todas as forças políticas, da esquerda, da direita, ou dos respectivos extremos, nos leilões abertos para os aumentos do salário mínimos e das pensões, para as melhorias no SNS e o fim da crise da habitação. No entanto, nenhuma força política se deu ao trabalho de explicar ou de defender, o que teria de acontecer para que fosse possível atingir a vida de abundância que nos foi prometida.

Há quem acredite que a natureza do poder político e administrativo, se resume à direcção que impõe aos aumentos de salários e pensões. Com este paradigma aparentemente aceite, não é possível esquecer o que há 50 anos se passou neste jardim à beira-mar plantado, quando um país pobre foi inebriado pela ilusão de que era possível alcançar instantaneamente a riqueza para todos, bastando para isso a vontade política de redistribuir, tirando a uns para dar a outros. O que aconteceu na altura foi a destruição da estrutura produtiva e do capital acumulado, abrindo o caminho para mais de uma década penosa de pobreza absoluta. Ninguém se lembra? Foi uma situação de crise total de onde só saímos com a ajuda benevolente de uma Europa, a que por sorte, acabámos por aderir. Quanto à recuperação do capital nacional perdido, até hoje nada. Não é necessário relembrar a quem pertencem quase todas as grandes empresas em Portugal.

Temos, pois, fundamentalmente duas alternativas para o pós 10 de Março, ou dar o poder em quem pensa que pode repetir o que aconteceu em 1975, ou em alternativa, entregá-lo a quem sabendo que essa opção é impossível no nosso enquadramento europeu, irá esquecer logo a 11 de Março as loucuras que foi levado a dizer no calor da refrega televisiva.

É de facto extraordinário como esta campanha eleitoral desprezou a promoção de programas de reformas que transformariam a nossa vida e a nossa economia. Onde está a reforma da Justiça? Do Sistema Educativo? Da Administração Pública? Das Forças de Segurança? Como vamos promover o investimento? A agitação partidária centrou-se apenas em promessas avulsas e irresponsáveis, ignorando olimpicamente as urgências internas e a situação internacional em que a nossa pequena comunidade vive. Senhores do mundo que é o nosso, esquecemos as forças externas que irão na prática ditar de que forma vamos viver, independentemente dos partidos que forem escolhidos para governar.

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Porque será que não se ouviram referências ao impacto de:

  • Uma União Europeia em crise institucional;
  • Uma guerra movida por uma potência nuclear, à procura do seu império perdido;
  • Um projecto claro de dominação mundial por parte da nova superpotência económica;
  • As alucinações suicidárias na actual superpotência hegemónica global;
  • As movimentações migratórias que levam milhões de pessoas a fugir da fome e da guerra, procurando refúgio na Europa e nos EUA.

Paradoxalmente, nenhuma força política que declara ter condições para nos proteger no futuro próximo, opinou sobre:

  • O que fazer depois da Rússia ter aniquilado a Ucrânia, ocupado os países bálticos e a Polónia e domesticado as velhas democracias europeias com novas elites políticas clientes do Kremlin e que já hoje estão bem posicionadas na quase totalidade dos países membros da União Europeia, entidade entretanto desmontada;
  • Nem o que mudará para nós, quando a China, invadindo Taiwan, condenar à irrelevância os EUA, que preferem ficar fechados entre o Atlântico e o Pacífico;
  • Nem o que irão fazer em Pequim os ministros da economia europeus, quando forem convidados pelo Partido Comunista Chinês a participar nas comissões de coordenação económica regional;
  • Nem como iremos viver quando as comunidades muçulmanas na Europa, fruto da imigração que ninguém controlou, impuserem progressivamente ao conjunto da sociedade as suas leis religiosas.

Muita gente acredita que estes cenários são fantasiosos e que nada têm a ver com a realidade. E estão confiantes que o que conta são as promessas que ouviram papaguear.

Foi bonita a festa, pá.

Vamos em frente.