“Espero, ardentemente espero” (Jorge de Sena não estava a fazer nenhum trocadilho barato com os fogos quando escreveu este verso, e eu também não, ao citá-lo) que Luís Montenegro não acredite nem um átomo no que disse sobre ignições, crime de incêndio florestal e interesses.

Prefiro o cinismo da resposta política clássica que substitui a falta de política de resposta ao fogo, à crença genuína num erro colossal de interpretação da realidade sobre gestão do fogo.

Para quem queira realmente saber as motivações dos incendiários portugueses, independentemente das ignições desempenharem um papel marginal na definição das políticas de gestão de fogo – existem implicações operacionais no combate quando há muitas ou poucas ignições – o que sugiro, especialmente aos senhores jornalistas que fazem horas e horas de reportagem a ouvir pessoas alteradas e desesperadas pela proximidade de um incêndio, é que leiam o que escreveu Cristina Soeiro e a investigação que existe à volta do assunto.

Se quiserem podem ler tudo o que aqui está sobre o crime de incêndio florestal nesta ligação, mas se não quiserem ler tudo, leiam ao menos o capítulo escrito por Cristina Soeiro.

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O essencial, no entanto, não é esta discussão serôdia sobre ignições (comentava recentemente Paulo Fernandes que pensava que era uma discussão que tinha sido resolvida há vinte anos) mas a consciência de que o que se passou recentemente em matéria de fogos foi só um aviso do que está para vir.

Hesitei em escrever este “só”, que pode ser interpretado como uma desvalorização do que se passou, em especial as mortes, mas mantive-o para vincar bem que é “só” um aviso do que está para vir, independentemente de ser um aviso sério com consequências muito negativas para muita gente.

Dentro de cinco a seis anos a acumulação de combustível florestal depois dos incêndios de 2016, 2017 e 2018 estará perto do máximo de risco.

Quando houver uma semana de humidades atmosféricas tão baixas como estas que houve (e que se relacionam fortemente com o número de ignições) e com ventos fortes que não existiram desta vez (que se relacionam com a velocidade de progressão e a intensidade do incêndio), a catástrofe será muito maior se não conseguirmos inverter o caminho de acumulação de combustível em que estamos.

Não vale a pena partir do princípio de que pode ser que isto não aconteça, ou que, acontecendo, o dispositivo de combate que existe consegue dar resposta.

Não vale a pena pensar que se reduzirmos emissões de gases amenizamos o problema, não vale a pena dizer que se a composição do coberto florestal for diferente talvez nos safemos, não vale a pena tentar prender todos os incendiários, não vale a pena povoar o interior com cabeleireiros e empresários dinâmicos de novas tecnologias, não vale a pena discutir a estrutura de propriedade (uma discussão tão velha como a das ignições mas que, até hoje, não produziu um único mapa que consiga relacionar estrutura de propriedade com comportamento do fogo): ou temos gestão, ou não temos gestão.

Se temos gestão, podemos escolher quando arde, onde arde, como arde, se não temos gestão, arde quando calha, o que quer dizer, com a acumulação de materiais finos que temos, que uma semana de secura extrema combinada com vento forte nos leva a dimensões de catástrofe muito maiores que a destes dias.

Seria bom aproveitar o sério aviso para mudar de vida no que a esta matéria diz respeito.