As revistas sociais, todas excelentes, dividem-se em: a Espanhola e as Outras. Uma característica das Outras é o modo como as declarações das pessoas entrevistadas são emolduradas e destacadas do texto, adquirindo assim o aspecto de frases imortais. Uma frase imortal é uma frase muito antiga, ou conhecida, ou dita por uma pessoa conhecida e, em especial, por ninguém em especial; em todos os casos deve ser uma frase que permita a quem a leia entrar facilmente em contacto com a eternidade.
Existem frases imortais em inúmeros locais públicos. A estação de metropolitano do Parque, em Lisboa, informa-nos de que “A ética é estar à altura do que acontece”; oferece-nos ainda, entre outras coisas úteis (tais como um mapa do Cabo da Boa Esperança), uma máxima de Os Lusíadas, uma frase sobre estrelas de “F. Nietzche” (sic), e citações de Platão e Parménides em francês. A quase ninguém bem formado ocorreria contestar que a ética é estar à altura do que acontece; justamente porque ninguém imagina que para seu bom governo precise de uma definição de ‘ética’. Chama-se a isto em filosofia o Teste da Pessoa Bem Formada.
Acontece que, mesmo quando abrimos as Outras ao acaso, podemos ler, como se estivéssemos em plena estação do Parque (embora sempre atribuídas escrupulosamente aos seus autores), frases como: “Vi a minha filha e percebi que está bem”; “Eu e o José completamo-nos”; “Estou grávida de um homem que me ama”; “A Sara nunca me pergunta se tenho algum namorado”; ou “Sou uma pessoa muito emocional.” No entanto, quando aplicamos a estas frases o Teste da Pessoa Bem Formada, os resultados são também decepcionantes. Por razões que não vêm ao caso, não me sentiria à vontade em admitir que estou grávida de um homem que me ama.
Ler as Outras coloca semana após semana obstáculos aos leitores; quem não seja muito emocional, ou quem não se sinta completado por alguém chamado José, não poderá naturalmente entrar em contacto com a eternidade. Por outro lado, andar de metropolitano em Lisboa também não é facilitado pela atenção constante que as frases das estações exigem dos passageiros; alguns passageiros sentirão que não lhes é dado tempo suficiente para ler Parménides, ou ler francês; a demora pode levá-los a perder comboios e assim causar atrasos.
Felizmente existe um remédio simultâneo para estes dois problemas. Seria de vantagem que as Outras passassem apenas a publicar frases dignas de um metropolitano, por exemplo frases de Almada Negreiros (“A perfeição contém e corrige a exactidão”, “Até hoje fui sempre futuro”, “Entrei numa livraria”). Quanto ao Metropolitano de Lisboa, em caso de funcionamento, e para apressar os viajantes, poderia mandar refazer a estação do Parque com frases até aqui confinadas às Outras como: “Soube cedo que queria ser actriz,” “Provavelmente não estarei cá quando a minha filha nascer” ou “Graças a Deus a vida corre-me bem.”