Dizem pessoas de bom critério que, face a discursos que não se apreciam, se devem atacar as ideias que eles contêm, não as pessoas que os proferem.

Pois sim, mas isso é se os oradores não forem umas pestes e se as doutrinas de que são depositários não lançarem uma luz ominosa sobre tudo o que dizem. Frei Anacleto Louçã pode afirmar que cozidos à portuguesa há muitos, mas que as suas qualidades são tributárias das dos requinhos sacrificados para o efeito, declaração que nunca proferiu e que eu aprovaria com entusiasmo se feita por outrem. Por ele, todavia, suspeitaria de imediato que se propunha, no mínimo, destruir os empresários da pecuária.

Quem é esta peça, professor de economia (!), ex-deputado, figura tutelar do Bloco, conselheiro de Estado e opinante contumaz?

É comunista, da variedade democrática, coisa do arco-da-velha porque a expropriação dos meios de produção é uma violência e a débacle económica que transformações radicais deste tipo originam implica a tentativa de derrube do governo que as encabece, o qual reage fatalmente com os meios coercivos necessários para se manter – um estado comunista é necessariamente policial, que uma democracia não pode ser por definição.

Ou então Louçã não é comunista (há declarações suas em que parece que sim e outras em que parece que não), mas quer depurar o capitalismo eliminando-lhe os defeitos, a começar pelo da desigualdade, através da fiscalidade e com um fortíssimo sector público. Com o que mataria o motor do crescimento, como se tem visto com a governação PS desde fins de 1995 (os interregnos de três anos, 2002/05, com o gestor de carreira Durão e o nem isso Santana, e de quatro, 2011/15, com Passos Coelho, não afectaram significativamente o pendor socialista do regime porque ao último destes governantes, que tinha a vontade e a convicção para lhe sustar a deriva esquerdista, faltou uma vitória absoluta depois de remendar o tecido esgarçado das finanças).

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Ninguém sabe se Costa aplicou a receita falhada de aumentar o número de dependentes directos e indirectos do Estado, para isso subindo a carga fiscal e mesmo assim a dívida, como preço que teve de pagar às duas demências que sustentavam a sua maioria ou como resultado fatal das suas crenças. Eu acho que o homem tem a consistência e a habilidade dos fura-vidas políticos de sucesso, mas com ideias basicamente erradas sobre o que é o motor do desenvolvimento – sozinho ou acompanhado pela tralha comunista o resultado não é, porque não pode ser, senão atraso relativo.

É aqui que estamos – mais uns anos e os filhos da geração mais bem formada de sempre emigrarão para países para os quais, à data das respectivas adesões à UE, olhávamos com alguma sobranceria, como sucede com a Irlanda. Um cidadão da exígua classe média, hoje, entrega cerca de metade do seu rendimento, que já é dos mais baixos da Europa, ao Estado, e do que sobra mais de um quarto é sugado em IVA e em impostos e taxas sortidas para consumir ou luxos como andar de carro, quando não é para despesas da saúde para todos tendencialmente gratuita, mas só no caso de poderem esperar meses e anos.

Ainda há quem escape a esta mediania pobreta. E são esses que o PCP e o Bloco tenazmente perseguem – aquela gente encasquetou nas cabeças atulhadas de tresleituras esquerdosas que a maneira de acabar com os pobres é acabar com os ricos, coisa que nunca funcionou em lado nenhum. E agora que o país já se livrou das duas seitas poderíamos talvez sonhar com um módico de sanidade – se o PS de Costa não fosse, como é, uma versão edulcorada do Bloco, completa com líderes alternativos, como o celebrado Pedro Nuno Santos, que deveria, para ser coerente, realizar as suas reuniões com a equipa do ministério num avião de sucata da TAP, a beber espumante reles meio-doce.

Adiante, que quem me ocupa é o pastor Anacleto, que tudo leva a crer continuará a andar por aí a aliviar-se do asneirol untuoso que é a sua marca d’água.

Diz a peça que a solidariedade que não está a faltar aos refugiados ucranianos faltou aos curdos, aos sírios e aos afegãos, entre muitos outros deslocados de guerra, e que, “para o escrever com todas as letras, o racismo foi a razão para a discriminação”.

Não apenas entendo a discriminação como a defendo. Não exactamente no caso de guerras, mas Anacleto, na realidade, não está muito interessado na distinção entre refugiados e imigrantes económicos: em havendo discriminação contra negros e muçulmanos, por exemplo, qualquer que seja a origem deles, aponta o dedo fremente de indignação e, com o cenho carregado de virtuosa indignação, sai longo espadeirando com acusações de racismo.

Daqui decorre a putativa superioridade moral de Anacleto e do seu convento sobre a massa ignara dos incréus, que calha no caso serem pessoas de direita, ou da esquerda sem antolhos, que também há. Donde, a acusação e o assunto precisam de clarificação.

Quanto ao racismo convém esclarecer que a lei, cedendo aos Anacletos deste mundo, parece criminalizar não apenas atitudes racistas mas também a difusão de ideias racistas. Ora, o legislador, ao proteger a vítima de discriminação em casos concretos, o que está a fazer é a defender a igualdade dos cidadãos perante a lei, que é um adquirido civilizacional. Mas isso não deve implicar a criminalização de opiniões, porque as ideias não se combatem com proibições.

Depois, os cidadãos estrangeiros não têm de beneficiar automaticamente dos benefícios da cidadania portuguesa, ou outra qualquer, porque as leis portuguesas se aplicam a portugueses em Portugal, ou outros que a comunidade admita – Portugal não é, nem nenhum país pode ser obrigado a ser, a casa da Mãe Joana.

A Europa completamente aberta à imigração teria o grave defeito de deixar de ser a Europa que atrai imigrantes, e cada um dos nacionais de cada país rapidamente se daria conta de não reconhecer nem as instituições, nem os costumes, nem o ordenamento jurídico, tudo subvertido pelo enxerto de mundividências alheias – disso já há, e há muito, fartos sinais naqueles países que por razões várias têm comunidades alienígenas demasiado significativas, o que não é o caso do nosso.

Isto significa que na prática todos os países fazem dissimulada ou ostensivamente discriminação, e fazem bem. Ter comunidades demasiado extensas de, por exemplo, negros ou muçulmanos, é constituir um reservatório de problemas para o futuro: os EUA vivem permanentemente com problemas de índole racial, não obstante todos os esforços de décadas de discriminação positiva, porque o passado projecta sombras compridas e a sua população negra (à volta de 14%) tem dificuldades em furar o círculo infernal da guetização. E imigrantes muçulmanos, mesmo existindo em várias declinações e obediências, tendem a, se o seu número for suficientemente expressivo, adoptarem comportamentos em desafio dos ordenamentos jurídicos em que as mulheres, por exemplo, têm um estatuto de igualdade legal e prática – coisa que a esquerda bloquista, cá e em todo o lado, ignora por razões interesseiras.

Depois, cada país é um caso. Portugal, que tem um passado imperial, tem deveres especiais de acolhimento (na minha opinião) em relação a oriundos das antigas colónias, mesmo que, sendo negros, o risco da guetização exista, como não existe, por exemplo, em relação a Brasileiros.

Mas, não podendo acolher toda a gente, e tendo a Europa desesperadamente necessidade de imigrantes, é natural que prefira os que contribuem para o seu desenvolvimento, e não para o desenvolvimento de problemas. Os Ucranianos preenchem todos os requisitos, como o preenchem os Portugueses que dão à sola para o Reino Unido, ou França, ou o que calha.

Anacleto mistura tudo e classifica de racismo a defesa legítima de interesses nacionais. Chamar-lhe estúpido por causa deste sincretismo cretino é uma tentação, mas mesmo que o homem seja, como é, uma esponja de quanta baba suja anda no ar do marxismo reciclado, estúpido não é – apenas calculista. A tropa de combate dos marxistas da Bayer in illo tempore era o operariado, que agora está sentado diante de um computador a aliviar-se de vivas ao Chega! nas redes sociais. De modo que as novas tropas, além da juventude com acne e a cabeça cheia de revoluções, só podem ser as das minorias oprimidas. O que Louçã quer é clientes, admiradores e eleitores. Para ele fazer e ser o que fez e foi toda a vida: um magistrado da opinião que tem os lugares, e a audiência, que não merece. Vens de carrinho, Chico.

Finalmente, uma nota pessoal: se eu fosse racista di-lo-ia, desassombradamente. Sei que não sou porque se tivesse netas mulatas ou de traços asiáticos estimá-las-ia tanto como se fossem hispânicas, para usar a estúpida terminologia americana, e só olharia para o genro de esguelha se este fosse desarrumar-me as estantes. O que não é a mesma coisa que achar que todas as sociedades estão no mesmo estado de adiantamento civilizacional ou que a religião é irrelevante: os muçulmanos não resolveram ainda o problema da separação entre a igreja e o Estado por causa de o fundador ter sido um chefe militar e civil, que estabeleceu regras para a organização da sociedade, enquanto que o do cristianismo desde o princípio que quis deixar a César o que é de César. E, portanto, tenho uma mensagem para os freis Anacletos, intelectuais Pachecos e figuras menores do palavreado antirracista: Ide pentear macacos. Não utilizo uma expressão vernácula porque sou do tempo em que não se diziam palavrões à beira das senhoras e estou convencido de andarem por aqui algumas leitoras que, com alguma ingenuidade, me tomam por um cavalheiro.