A queda dos juros da dívida pública de Portugal para mínimos históricos representa uma oportunidade sem precedentes para reforçar a sustentabilidade da dívida e fortalecer a resiliência económica. No entanto, a gestão dessa dívida não está isenta de controvérsias, como demonstrado pelas críticas recentes às práticas do ex-ministro das Finanças, Fernando Medina. A utilização de fundos da Segurança Social e de empresas públicas para reduzir a dívida gerou discussões sobre os riscos e as consequências a longo prazo.
Oportunidade de Refinanciamento da Dívida com Juros Baixos
A redução dos juros nos títulos da dívida pública a 2, 5 e 10 anos, observada em 2023, permitiu um refinanciamento estratégico (rollover) que levou à queda do rácio dívida/PIB de 113,9% para 98,7%. Esta estratégia de rollover da dívida está bem suportada na teoria económica e é prática comum em países sobre-endividados, como é o caso de Portugal.
Segundo Oliver Blanchard (2019), em períodos de juros baixos, uma política prudente de alongamento da maturidade da dívida e refinanciamento a taxas inferiores não só reduz a pressão sobre o orçamento, como também liberta recursos para investimentos produtivos. Este tipo de gestão da dívida é essencial para economias sobre-endividadas, como a portuguesa, permitindo que o país diminua o peso da dívida nas suas contas, melhorando a confiança dos mercados.
Gregory Mankiw (2021) também destaca que a redução dos encargos financeiros é um catalisador para o crescimento económico. A melhoria do rácio dívida/PIB facilita o acesso a crédito mais barato, permitindo reinvestimentos no desenvolvimento de sectores chave da economia. Esta abordagem tem potencial para criar um ciclo virtuoso, em que a redução da dívida leva a mais crescimento, o que, por sua vez, contribui para uma redução ainda maior do rácio dívida/PIB.
As críticas às práticas do ex-ministro Fernando Medina
Apesar dos benefícios potenciais da redução dos juros, a gestão de Fernando Medina foi alvo de críticas substanciais por parte de instituições independente como a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e o Conselho de Finanças Públicas (CFP). Em particular, foi apontada a utilização de fundos da Segurança Social e de empresas públicas como Águas de Portugal para financiar a redução da dívida pública.
O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) tem como objetivo garantir a sustentabilidade do sistema de pensões a longo prazo. No entanto, a decisão de canalizar recursos deste fundo para a compra de dívida pública levantou preocupações sobre a sua descapitalização. Embora Medina tenha defendido que o pagamento de juros se manteve dentro do setor público, garantindo um efeito positivo para as contas estatais, a UTAO e o CFP alertaram para os riscos de se colocar em causa a capacidade futura do FEFSS em responder às necessidades da Segurança Social. No limite, poder-se-á dizer que foi retirado dinheiro destinado a financiar as reformas futuras dos portugueses para fazer um “brilharete” em final de mandato, com a dívida a cair abaixo dos 100% do PIB (o que não acontecia desde 2010).
Além da Águas de Portugal, outras empresas públicas também foram envolvidas nestes “truques”. Entre elas, destacam-se a NAV (Navegação Aérea de Portugal) e a Imprensa Nacional-Casa da Moeda (INCM), que transferiram dividendos extraordinários para o Estado. A transferência de 130 milhões de euros destas entidades foi criticada por criar uma situação em que recursos destinados ao funcionamento dessas empresas foram utilizados para melhorar as contas públicas a curto prazo. A longo prazo, esta estratégia pode enfraquecer a capacidade de investimento das empresas, colocando em risco a sua competitividade e viabilidade financeira.
Evidências Académicas sobre Boas Práticas na Gestão da Dívida
Conforme já referido acima, a teoria económica moderna aponta para a necessidade de uma gestão cautelosa da dívida pública em economias com altos níveis de endividamento. Blanchard (2019) e Rogoff (2010), por exemplo, argumentam que a sustentabilidade da dívida deve ser alcançada por meio de um equilíbrio entre o refinanciamento estratégico e o crescimento económico. Para economias como a portuguesa, onde o crescimento tem sido historicamente baixo, o foco em juros reduzidos e na extensão das maturidades da dívida pode ser uma solução viável, mas apenas se combinada com políticas de estímulo ao crescimento.
Outro elemento crucial na gestão da dívida em países altamente endividados é a diversificação das fontes de financiamento. Mankiw (2021) sublinha que, para evitar a sobrecarga dos fundos públicos e garantir a resiliência financeira, os governos devem explorar opções como a emissão de dívida indexada ao crescimento económico ou à inflação, o que oferece maior flexibilidade e menores riscos a longo prazo.
Conclusão
A atual queda nas taxas de juro oferece uma oportunidade significativa para Portugal continuar a desonerar as suas finanças públicas e a fortalecer a sua sustentabilidade económica. Contudo, a utilização de fundos da Segurança Social e de empresas públicas para reduzir artificialmente o rácio dívida/PIB, como foi feito pelo ex-ministro Fernando Medina, levanta preocupações sérias sobre a sustentabilidade futura dessas instituições e a segurança financeira do país.
Para evitar riscos a longo prazo, é essencial que as autoridades portuguesas continuem a implementar uma política de gestão da dívida pública baseada em boas práticas internacionais, como o refinanciamento a juros baixos, a extensão das maturidades da dívida e a diversificação das fontes de financiamento. Essas medidas, combinadas com um foco no crescimento económico, são prudentes e poderão ajudar a garantir a resiliência financeira de Portugal em cenários de crise futura.
Acabado de redigir em 8 Setembro 2024; o autor escreve segundo a antiga ortografia.