O Governo fará a Reforma da Administração Pública, nas suas palavras, visando  construir um Estado que funcione melhor e que gere com racionalidade os dinheiros  públicos, e a melhoria dos serviços prestados aos cidadãos, por paradoxal que possa  parecer, com os mesmos dirigentes públicos que a trouxeram até onde está, tal como a  conhecemos hoje. A própria Comissão Europeia identifica-a como necessária, ao fazer  depender dela o pagamento da quinta tranche do Plano de Recuperação e Resiliência.

O atual Governo, no que respeita às nomeações para os cargos de direção superior na  Administração Pública (AP) e gestores públicos, adotou como critério preferencial a  competência e o mérito; pelo menos nalguns casos de nomeação em substituição agora  tornados públicos foi o que aconteceu.

Uma das funções no âmbito das competências administrativas do Governo é exatamente  assegurar o bom funcionamento da AP, promovendo a satisfação das necessidades  coletivas (Artigo n.º 199.º da CRP), razão pela qual, o alinhamento estratégico e a  coincidência material neste propósito entre ambos deve prevalecer, mantendo uma efetiva  relação de cooperação, coesa e de confiança mútua. A lei estabelece adequadas formas de  descentralização e desconcentração administrativas, sem prejuízo da necessária eficácia  e unidade de ação da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela  dos órgãos competentes” (artigo 267.º da CRP).

Assim sendo, não apenas se justifica como se afigura imprescindível uma análise de  conjunto entre estas duas realidades, Governo e AP. Ao Governo cabe a direção a  superintendência e a tutela dos órgãos competentes, por outro lado, cabe ao pessoal  dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, no estrito cumprimento da sua missão (artigo 3.º da Lei 2/2004) e princípios gerais de  ética, operacionalizar as políticas publicas plasmadas no programa do Governo.

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Levanta-se aqui uma questão premente na relação que se estabelece entre ambos, saber qual deve ser o nível de coesão (ou cooperação) do alinhamento político entre o Governo  e os dirigentes dos cargos públicos superiores, nas atuais circunstâncias de forte  fragmentação política, fratura ideológica e fúria populista em que o país se encontra  mergulhado. É este o ponto de partida que consubstancia a nossa reflexão. Com efeito, o sucesso das políticas públicas propostas pelo Governo está previamente condicionado  pela crescente dependência de quadros dirigentes superiores da AP e gestores públicos, nomeados pelo PS e que lhe são politicamente fiéis, como veremos.

Para o Governo é vital um desempenho mais ágil e eficaz por parte da AP, orçamentalmente criterioso e sustentável, aliada à valorização da participação dos  cidadãos. Só assim o almejado objetivo fixado da sua reforma, numa abordagem  contemporânea e inclusiva, será transformador, significativo e com impactos concretos  na melhoria e qualidade dos serviços públicos, permitindo assim, que os cidadãos a sintam  e ampliem substancialmente os benefícios que advêm do investimento publico, se e  quando feito apenas no interesse publico, sobretudo aqueles associados a direitos  humanos fundamentais e em áreas de soberania.

A reforma da AP, com o foco na inovação e na sua transformação digital, críticas para o  sucesso organizacional, não se deve cingir à vertente orgânica, fundindo ou cindindo  serviços públicos, minimizando a despesa, como já fez o Governo.

Deve também ser material, no âmbito da Governance, esta sim, substantiva, atuando ao  nível da legislação e diplomas orgânicos ou estatutários dos serviços e organismos  públicos, trazendo dessa forma vantagens para a velocidade processual, e o dever de  cumprir o Compliance organizacional da AP, que tanto precisa de uma eficaz  comunicação estratégica com suporte tecnológico, do Governo aos Trabalhadores mais  operacionais, para que a reforma se faça sentir de facto, e não seja frustrada por qualquer  outra razão.

Politicamente, porém, importa, dizer que o PS, rejeita, pela sua prática, esta visão, que  consideram “romântica da política”, por não encontrar amparo na crua realidade dos  factos, para o qual deu um forte contributo nos últimos anos, enquanto Governo. Como  grande predador político que é, prossegue com determinação, o seu objetivo existencial de nunca deixar de ser poder, e fá-lo com reconhecida mestria, não só no exercício de funções governativas, ou ainda quando afastado dele, mantendo uma forte presença na  AP, que advém do preenchimento massivo que faz, enquanto Governo, dos cargos dirigentes superiores de 1.º e 2.º grau, com militantes nativos, preferencialmente cativos do Partido.

Aliás tem sido o seu modelo padrão e prática tradicional, que não poderia produzir outra  coisa senão, habitus militantes, em conformidade e incondicionalmente leais e dependentes deste incentivo, imunes, às avaliações ou julgamentos externos, contudo,  com impacto no capital institucional que se vê paulatinamente destruído com tais práticas.

A questionável apropriação da AP, por parte dos governos socialistas não acontece em  vão, e se assim não é, pelo menos o resultado prático tem sido esse. Este comportamento, cria objetivamente uma excessiva dependência dos governos, que não os do PS, dos  quadros dirigentes superiores residentes na AP que lhe são próximos, em números hoje  que assustam. O atual Governo ainda que porventura os queira substituir terá de ponderar  na maioria dos casos, os custos indemnizatórios associados.

Num fenómeno também transversal a outros partidos, alguns destes quadros assumem o  vínculo que os liga ao PS, outros, no entanto, embora militantes ou simpatizantes,  preferem por oportuna conveniência a penumbra ou o anonimato, acabando por ser escolhidos pelo Governo do PSD, sem alternativa, para cargos de relevo, críticos para o bom desempenho e modernização da AP, concomitantemente, para a boa execução do  programa do Governo. Oito anos de governo é muito tempo, e a AP é hoje dirigida em grande parte, por militantes ou simpatizantes do PS, que aí se mantêm como dirigentes  superiores e a dirigem, mal ou bem, colocando-se a legítima questão de se saber qual será  o seu contributo para a anunciada Reforma.

Ou seja, temos hoje um poder executivo de matriz Social Democrata, que tem funções de  condução da política geral do país e de órgão superior da administração pública, (cfr.  artigo 182.º da CRP), e uma AP a ele subordinada, a quem compete a materialização das  políticas publicas, marcadamente dirigida por quadros socialistas. Parece incontornável  que na AP, sim o PS tem, de longe, a maioria absoluta de dirigentes e gestores públicos.

Se o Governo pretende de facto modernizar a AP, direta, indireta e autónoma, aqui  incluem-se as Autarquias Locais, igualmente lideradas na sua maioria por militantes  socialistas, transformando-a em algo mais eficaz ao serviço dos cidadãos e das empresas,  mitigando o máximo possível a tecnofobia que nela ainda persiste, terá de contar  necessariamente a curto e médio prazo, com os quadros dirigentes do PS que a dirigem  em grande parte, e os efeitos desta assimetria de poder com arranjos institucionais  distintos.

O atual Governo nada pode fazer de modo a impedir ou pelo menos reduzir  substantivamente os efeitos para a ação governativa, provenientes da instabilidade e  incerteza associados à fragmentação política presente hoje no parlamento, liderada pelo  PS, que aí, legitimamente, lhe faz forte oposição.

O que já não se compreende é a eventual “oposição, latente e silenciosa” feita no seio da  AP e Empresas Públicas, que não só emergiu como se agravou recentemente, produzindo  perturbações profundas e uma ansiedade generalizada no sector público. É preciso muito  tempo de governação para superar semelhante realidade, que no atual contexto político, o Governo pode não ter. Resta-lhe a intuição política, que se deseja a mais certeira possível.

Não é, pois, indiferente considerar-se, que o PS não estando no Governo, pode  duplamente opor-se a ele. Em sede parlamentar por um lado, como resultado da escolha  popular, e por outro, no seio da AP com a sua forte representação aí prevalecente. Uma  questão, que pela sua pertinência ganha hoje nova atualidade e sugere evidentemente no  âmbito da pretendida reforma, uma incursão prévia e cuidada pela Lei n.º 2/2004 de 15  de janeiro e no DL n.º 71/2007, de 27 de março, adequando-as a esta nova realidade. A  primeira aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da  administração central, regional e local do Estado, e a segunda o Estatuto dos Gestores  Públicos.

Existe aqui um potencial fator de tensão, cuja abordagem política não só parece correta, como merecedora de redobrada atenção. Espera-se que estas duas funções fundamentais  do Estado, Governo e AP, estejam alinhadas estrategicamente e convirjam na sua atuação, dos Objetivos Estratégicos do Governo aos Planos de Atividades de cada serviço público,  visando um só fim, as pessoas e a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas.

A inexistência desta necessária e crucial convergência tem efeitos indesejáveis, e encerra  um risco potencial para a execução das políticas públicas propostas pelos Governos não  socialistas, entenda-se, e em última análise quem sai prejudicado no seu bem-estar é o cidadão. Note-se que o Governo, constitucionalmente, é o órgão supremo da  Administração Pública.

No Quadro de Avaliação e Responsabilização (QUAR), referencial da avaliação de  desempenho dos serviços públicos, consta esta articulação e o compromisso entre o alinhamento dos objetivos estratégicos do Governo e a sua operacionalização através dos  respetivos Planos de Atividades de cada serviço público, e não é despiciendo que o  dirigente público genuinamente se reveja nele, pelo menos convém que assim seja, e o  faça cumprir, maximizando a capacidade da organização pública de gerar soluções  eficazes.

O PS considera este alinhamento estratégico como um pré-requisito determinante e um  fator crítico de sucesso à boa governação, como de depreende do elevado número de  nomeações em substituição de dirigentes que lhe são próximos para cargos públicos enquanto Governo. Daqui resulta um claro controlo da AP, e um dos seus principais ativos  políticos.

Governo do PSD e a sua excessiva dependência do PS na AP 

O Governo persegue o interesse público, dependendo, no entanto, da competência ou não  dos gestores públicos e quadros dirigentes da Administração Pública. A qualidade da  administração pública e da governação de um país é um fator fundamental para o seu  desempenho económico e para o bem-estar dos seus cidadãos como reconhece a  Comissão Europeia. Para acudir às necessidades dos cidadãos, a administração pública  necessita inevitavelmente de um desenvolvimento contínuo.

Recorde-se que hoje pela natureza e intensidade de fenómenos sociais com que se  confronta, reclama um perfil funcional diferente e de maior exigência, e se o Governo a  quiser dotar de meios modernos, terá de considerar a importância diferenciadora da  inovação na AP, a complexidade das questões políticas enfrentadas e as características  contextuais específicas do setor público, expandindo cada vez mais os processos de  inovação, só possíveis, com gestores públicos qualificados para o efeito,  independentemente da sua origem.

A crescente dependência do pessoal dirigente público e gestores públicos sob influência  do PS, tem associada uma prejudicial consequência para a afirmação política do PSD, que quando a espaços é Governo, os quadros dirigentes ou gestores públicos, com a devida  experiência no exercício de cargos de direção superior da AP, capazes de responder aos  desafios quotidianos das suas atribuições, fizeram toda a sua trajetória profissional  enquanto dirigentes/gestores públicos na vigência de governos socialistas, não sendo por isso alheios à cultura organizacional própria desses governos, relembre-se, em grande  parte responsáveis pela realidade atual da AP.

Ao contrário, os ciclos longos de poder do PS, permitem-lhe criar uma cultura  organizacional própria, difícil de alterar, e formar os seus próprios quadros dirigentes e  gestores públicos, on job, que posteriormente se submetem ao escrutínio da CReSAP,  com clara vantagem competitiva, reforçada, se for para o cargo que já ocupam, como vem acontecendo, incompreensivelmente, em igualdade de circunstâncias com os demais  candidatos, erodindo de forma inequívoca a credibilidade do modelo de seleção em vigor.

Por isso nos parece plausível sustentar, com alguma insistência, que o PS tem governado, por norma com dirigentes da AP e gestores públicos totalmente alinhados com o seu  programa de Governo, e quando assim não é, rapidamente aprimora este alinhamento, empurrando para a margem os quadros que não lhe são politicamente próximos ou criando  condições para a sua própria demissão. Aliás, estar longe do poder, é sem dúvidas um dos  aspetos políticos apontados como auto-limitantes da sua ortodoxia neo-utilitarista relativamente ao Estado. Em boa hora para todos nós, hoje, o Estado não é mais a única  força impulsionadora de todo o desenvolvimento económico.

Ao contrário, o PSD, enquanto Governo convive não raras vezes com esta “aparente contradição” material. Identificar candidatos no mercado com o perfil adequado para o  exercício de cargos dirigentes/gestores públicos experientes, detentores de conhecimento  aprofundado e rigoroso das praticas de gestão associadas à nova dinâmica da AP, não se  depara tarefa fácil, se tivermos em conta que os disponíveis, são na sua maioria militantes  ou simpatizantes do PS, a quem, embora cético e inconformado, sem alternativa vê-se  obrigado a recorrer, dando assim continuidade à omnipresença do PS, que embora ausente  de funções governativas, por decisão popular, permanece na liderança dos serviços  públicos, controlando assim politicamente a AP e as empresas públicas.

O campo de recrutamento dos dirigentes e gestores públicos em última instância,  circunscreve-se a este universo próximo do PS, para quem, na voracidade das nomeações, a métrica por vezes parece não contemplar a competência e o mérito. Viés perverso, que  só enfraquece o Estado de Direito Democrático, sobretudo se considerarmos que quadros  superiores do sector privado que usufruem melhores condições de trabalho e salariais, nas  atuais circunstâncias que o Estado proporciona, não mostram disponibilidade para o  serviço público.

O PS quando não está a exercer funções governativas, tem este poder de condicionar materialmente a gestão, a administração do Estado, e a ação governativa, por via da AP,  excessivamente preenchida por quadros que lhe juram fidelidade, tanto na administração  pública direta como na indireta do Estado, com frequência nomeados precipitadamente em regime de substituição em final da legislatura, residindo aqui uma das razões da visível  degeneração dos Serviços Públicos. Hoje o meio envolvente da AP tem um  enquadramento diferente e mais complexo, e o Big Data e Inteligência Artificial e o  impacto transformador nos governos em todo o mundo, é já um facto não negligenciável.

O importante a realçar destas interrogações brevemente aqui enunciadas, é não perdermos  de vista a Reforma da Administração Pública, a aprofundar o quanto antes, e que a própria  Comissão Europeia reconhece crucial e tem, por enquanto, através da DG REFORM um  conjunto de instrumentos de ajuda aos Estados Membros. Oportunidade única, se  tivermos em conta o declínio económico da França, e particularmente, a fragilidade

económica e política da Alemanha que não cresce, principal economia europeia e  contribuinte líquido da UE, politicamente hoje menos disposta a financiar grandes  programas de apoio à UE.