Minhas senhoras e meus senhores, cabe-me notar-vos uma notícia importante. Se leem este texto e estão de boa saúde considerem-se uns sortudos. Saíram vivos daquela que foi a primeira grande guerra dos programas televisivos das manhãs portuguesas. Viveram um momento nobilíssimo da nossa História! Procurem recordar-se bem dele, pois os vossos netos irão querer saber.

A primeira semana de 2019 em Portugal dá pano para mangas. Será para sempre cristalizada como tendo servido de palco ao titânico embate entre Manuel Luís Goucha e Mário Machado (duplas improváveis) contra Cristina Ferreira e o Senhor Presidente da República. O objetivo da batalha é simples e direto: conquistá-lo a si, caro leitor. Basicamente, todo este afiar de espadas serviu para que de manhã decida, ainda ensonado, se quer ver a SIC ou a TVI enquanto toma o seu café e engole umas bolachas à pressa.

Como qualquer grande guerra da história mundial, também esta nossa guerrinha televisiva portuguesa tem conjuntura histórica imprescindível de entendimento para compreensão do fenómeno por inteiro. Ora vejamos: corria o Verão de 2018 quando Cristina Ferreira — sempre mui leal à casa de Queluz — decide marchar a Sul e ir pousar a Carnaxide. À época, um escândalo. Tiragens e tiragens de papel cor-de-rosa impresso. Contudo, como qualquer assunto referente a matérias cor-de-rosa, rapidamente empoeirou e foi retomada a nossa ordem de interesse nacional: o futebol.

Semanas e meses se passaram sem que a população percebesse que a batalha se avizinhava. Chega o mês de Dezembro e Marcelo Rebelo de Sousa concede a entrevista “Natal em Belém” a Manuel Luís Goucha — o último grande acontecimento antes do rebentar da nossa guerra. A 2 de Janeiro de 2019, a TVI faz a sua avançada e convida o neonazi Mário Machado para o seu programa, alegando estar a servir palco para a pluralidade ideológica que deve existir numa democracia. Debates éticos e popperianos à parte, foi bem-sucedida. A tinta correu. O público comentou. O que nós, meros civis, não sabíamos, era que a SIC estava mais que preparada para a beligerância de Manuel Luís Goucha e o seu novo amigo.

A 7 de Janeiro de 2019 (e sabemos que as datas são importantes nas guerras) Cristina contra- ataca. Era dia de estreia do seu novo programa matinal. Estava nervosa. A independência perante Manuel ainda não era bem vista perante a população cética. Contudo, o telefone toca. Era o Chefe de Estado. O seu velho amigo e também Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Deseja-lhe boa sorte. Em direto. Para todo o país. Desenganem-se caros leitores que creem a chamada de Marcelo como um mero simbolismo de amizade e confiança. É mais que isso. É diplomacia. É o reconhecimento público de que pode haver uma Cristina soberana e independente para lá de Queluz. É conferir legitimidade ao seu movimento de libertação. Serviu, por isso, Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República de todos os portugueses e portuguesas, como mero instrumento de desenlace ao glorioso contra-ataque de Cristina.

O povo, sereno, não saiu à rua, mas atacou o teclado através das redes sociais. Acusaram o Chefe de Estado de parcialidade, populismo e extravaso das suas funções. Não fosse o Presidente Marcelo ágil como é, estava claro que ia bater à última capela para pôr fim à Guerra. É nesse sentido que surge novamente como Herói da nação, no programa da tarde da RTP, e deixa uma mensagem de apoio a um Roberto Leal doente. Não volte a pensar, caro leitor, que se trata apenas de uma mera mensagem pessoal de força. É diplomacia outra vez. É a mensagem conducente do assentar da poeira. É a conclusão da visita às três capelinhas. Marcelo sela, assim, a caixa de pandora dos programas da manhã e, numa guerra entre os três canais, sai como o grande vencedor.

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