No mês passado, invocando “ordens superiores”, um pseudo-ministro de uma manta de retalhos que ousam chamar governo, sem a noção do que é um Estado, emitiu um despacho a proibir cartazes e iniciativas alusivas ao centenário de Amílcar Cabral, o pai fundador das nacionalidades guineense e caboverdiana.

Duvido que um cidadão guineense consciente se deixe impressionar por esse espantalho de gente medíocre e covarde, que se escuda atrás das armas para exibir bravura. São uns impostores da democracia empoleirados no poder do Estado para dele extraírem dividendos pessoais. São os heréticos da nossa história colectiva que, se continuarmos caladinhos e indiferentes, levarão à destruição certa daquilo que outrora foi o país cujo prestígio excedia largamente o seu tamanho e que, hoje, está capturada por um grupo de bandidos dirigido por um ditador narcisista bastante perigoso, que, não tendo uma única linha de projecto para o país, é movido simplesmente por um objectivo macabro: desmantelar o nosso Estado, enquanto vai irrigando o seu ego com sobre-exposição mediática e turismo político financiado com os parcos recursos do Estado.

Que cada um celebre, à sua maneira, o centenário do pai fundador, com palestras, conferências, djumbai (tertúlias), com o recital de poesia, de frases marcantes de Cabral. Que ponham a Sumbia (gorro) de Cabral e escutem o seu último discurso. Que reflictam sobre o que pensaria Cabral sobre a situação actual do país. O que diria e faria o pai fundador para sairmos deste lamaçal?

E, no dia 12 de Setembro, ou fiquem em casa, ou façam as vossas próprias celebrações, à vossa maneira. Não assistam, mesmo que vos acenem com dinheiro sujo, às cerimónias ditas oficiais, porque não passam de uma farsa para impressionar os indiferentes de ontem e de hoje. Lembram-se de que o dador de ordens superiores do despacho foi o mesmo que, a 20 de Janeiro deste ano, deu ordens superiores para impedir que a filha de Amílcar Cabral depositasse coroas de flores na campa do seu pai? E, dez dias depois, mandou impedir que a filha de Titina Silá acedesse à campa da sua mãe?

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Perante estes factos, o melhor que o regime ditatorial da Guiné-Bissau deveria fazer era não tentar nenhuma celebração do centenário, porque não são dignos de Amílcar Cabral, nem da nossa história. E que os países vizinhos (Gâmbia, Guiné-Conacri e Senegal), da CPLP e outros que foram relevantes no itinerário de Cabral (Rússia, China, Cuba, Suécia, Finlândia, Argélia, Gana, Etiópia, Marrocos, etc.) não passem da cortesia diplomática de enviar embaixadores.

Honrar o actual regime bissau-guineense com a presença de Presidente da República, Primeiro-ministro, ou até mesmo de Ministro ou Secretário de Estado, consubstancia conivência com a ditadura criminosa destruidora e blasfémia à memória de Cabral.

O ditador de Bissau logrou distrair comparsas e adversários ingénuos para cartelizar a política e instaurar o banditismo de Estado que se caracteriza por tráfico de droga à escala industrial, violência e desrespeito integral de todas leis da República, cujos preceitos insiste em invocar nas suas ordenações, numa tentativa vã de conferir legitimidade jurídica à sua desfaçatez. Sim, leu bem, banditismo de Estado:

1. Banditismo de Estado, quando o presidente da República nomeia como Procurador-Geral da República um bandido, vergonha da magistratura guineense, com o único intuito de proteger o seu cartel e forjar processos judiciais contra adversários políticos.

2. Banditismo de Estado, quando cidadãos são sequestrados, espancados e suas casas incendiadas; rádios privadas são vandalizadas; e o ministério público não abre nenhum processo.

3. Banditismo de Estado, quando o presidente da República se apropriou indevidamente do edifício-sede da Ordem dos Advogados, ignorando a decisão judicial.

4. Banditismo de Estado, quando um avião misterioso aterra em Bissau, e o presidente se apressou a dar as habituais justificativas de charlatão, tendo recusado que o seu chefe de gabinete, que terá solicitado a autorização de aterragem da aeronave, fosse responder à comissão de inquérito parlamentar.

5. Banditismo de Estado, quando o presidente da República foi assinar, secretamente, com um país vizinho, um acordo altamente lesivo dos interesses do país.

6. Banditismo de Estado, quando o presidente da República, em total desprezo pela Lei Magna, chama a si a iniciativa de revisão constitucional.

7. Banditismo de Estado, quando o presidente da República orquestra uma rebelião no Supremo Tribunal de Justiça, tendo enviado homens armados para forçar o presidente da alta corte a renunciar ao seu mandato.

8. Banditismo de Estado, quando o presidente da República emite um decreto de valor jurídico nulo que dissolve o parlamento, tendo enviado, mais uma vez, militares para impedir que os deputados acedessem ao seu local de trabalho.

9. Banditismo de Estado, quando o presidente da República forma um governo fantoche de iniciativa presidencial, figura jurídica inexistente nas leis da Guiné-Bissau.

11. Banditismo de Estado, quanto o presidente, além do seu corpo de milícias, decidiu criar, à margem das leis da República, o seu exército pessoal de mais de 1000 homens.

12. Banditismo de Estado, quando o aeroporto de Bissau foi transformado num Hub não para voos internacionais de turistas, homens de negócios e académicos, mas para transporte de droga e o subsequente escoamento no mercado europeu.

13. Banditismo de Estado, quanto o presidente da República manda transportar malas com milhões de dólares que só podem provir de negócios ilícitos (de droga) ou de fundos doados em nome do país, mas que não passaram por canais legais, nomeadamente, o tesouro público, o que consubstancia actos criminosos em catadupa, sancionáveis penalmente.

14. Banditismo de Estado, quando o presidente da República manda sequestrar juízes do Tribunal Militar, por estes terem decretado a libertação de suspeitos forjados da famigerada inventona de 1 de fevereiro de 2022, que, como já tivemos a oportunidade de escrever, nada tinha a ver com tentativa de golpe militar.

15. Banditismo de Estado, quando o presidente da República suborna alguns militantes inconformados (com a seriedade, a justiça, a verdade, o trabalho e tudo que é bom para a Guiné) para organizarem, à margem dos estatutos do partido (PRS), um congresso extraordinário, que elegeu um presidente fantoche, um acto criminoso que um outro usurpador, Lima André, nas vestes de venerando juiz do Supremo Tribunal, se prontificou a anotar como legalmente válido.

16. Banditismo de Estado, acto contínuo, quando o presidente da República instruiu os seus soldados das trevas – militantes do segundo maior partido do país (MADEM-G15) e que o ajudou a aceder à presidência – a organizarem, à margem dos estatutos do partido, um congresso extraordinário, que elegeu uma coordenadora nacional fantoche e analfabeta, Satú Camará, que, não obstante a própria considerar-se ultrapassada, continua empenhada em sequestrar o futuro da nova geração. Outro crime de usurpação, que o usurpador presidente em exercício do Supremo, segundo consta, foi a Bissau (interrompendo as suas férias em Portugal) anotar como estando em conformidade com os estatutos do partido e as leis aplicáveis da República! E, antes de regressar às terras lusas, para retomar a sua pausa estival, aproveitou a curta estada em Bissau para suspender o juiz do tribunal de Bissau que houvera decretado como nulo, à luz das leis e dos estatutos do partido, o congresso dos “inconformados” do PRS.

17. Banditismo do Estado, quando o batalhão da Presidência actua com total impunidade; e o presidente da República dá ordens superiores para impedir uma jornalista de fazer o seu trabalho: cobertura noticiosa de um evento público.

18. Banditismo do Estado, quando o presidente da República dá ordens superiores para impedir a aterragem de uma aeronave transportando materiais de campanha de um partido político, mas emite livre-trânsito a transportadores do cartel.

19. Banditismo do Estado, quando o presidente da República, numa tentativa de calar a crítica e banalizar a ignomínia dos seus actos, não se priva de embaraçar os visitantes no Palácio com envelopes fechados, à moda do “prodígio” de Medellin e dos irmãos de Cali: “toma la plata; es un regalo por nuestra amistad!”

20. Banditismo do Estado, que está a destruir a nossa terra, que nos envergonha colectivamente como povo, e tem a chancela da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).

Neste preciso momento em que escrevo este artigo, não é coincidência, acabo de receber um vídeo do avião proveniente da Venezuela, com cinco tripulantes e transportando mais de 2,6 toneladas de cocaína, apreendido no aeroporto de Bissau, numa operação em que a Polícia Judiciária do país terá contado com a colaboração de parceiros externos, nomeadamente, a Drug Enforcement Administration (DEA) dos EUA.

Se não houvesse banditismo de Estado, por esta altura, as eleições presidenciais já estariam marcadas para novembro 2024, de acordo com as leis do país. Mas o ditador de Bissau, cujo mandato termina no dia 27 de fevereiro de 2025, e que não pretende deixar a presidência por via democrática, escolheu acenar com um simulacro de eleições legislativas, onde pretende ver desfilar as suas marionetas com vestes de partidos políticos.

Ainda que seja justo e até necessário repreender quem levou o Sissoco ao colo até à Presidência da República e compactuou com os seus desmandos durante estes quatro anos e meio, não devemos perder de vista o inimigo público comum: Umaro Sissoco Embaló!

Neste ano em que celebramos o centenário do seu nascimento, Cabral representa o único factor de unidade entre os guineenses. Deixemo-nos guiar pelas suas ideias, seus ensinamentos, para lutarmos juntos, cada um no seu papel, para extirpar o banditismo da nossa terra, a fim de criar condições para a empreitada da reconstrução.

Os verdadeiros partidos democráticos que deixem de ficar permanentemente a “correr atrás do prejuízo” e a dar conferências de imprensa que mostrem as cartas do jogo ao inimigo. Adoptem, sim, uma estratégia política mais assertiva, sem ambiguidades, que marque a agenda, com mensagens simples e claras que mobilizem o povo para a causa comum: erradicar a ditadura hedionda da nossa terra.

É preciso empreender todas as acções necessárias para impedir o simulacro de eleições legislativas. As únicas eleições previstas no quadro constitucional guineense são as presidenciais, que, a não acontecerem dentro do calendário, deve o Presidente da Assembleia Nacional Popular assumir a presidência interina do país no dia 27 de fevereiro de 2025, em conformidade com a Constituição da República.

Setembro é um mês fértil em diplomacia. Preparem um dossiê sólido e um itinerário político-diplomático. Percorram as capitais da CEDEAO, utilizem os órgãos de informação locais, se for necessário, para a organização sub-regional obrigar, em reunião extraordinária de urgência, o Sissoco Embaló, neste momento sem plenos poderes (está em fim do mandato), a implementar medidas que restaurem o Estado de direito democrático na Guiné-Bissau, a saber:

1.Retirada imediata das forças militares acantonadas junto às instalações da Assembleia Nacional Popular, para que os deputados da Nação possam retomar o exercício pleno do seu mandato legitimado nas urnas.

2.A ANP deve proceder, com a maior urgência possível, à eleição de novos membros da Comissão Nacional de Eleições (CNE), que irá organizar as eleições presidenciais de 2024.

3.O Presidente da República deve convidar a coligação PAI – Terra Ranka, vencedora com maioria absoluta das eleições legislativas de 4 de Junho de 2023, a apresentar um nome para primeiro-ministro.

4.O Presidente da República deve convocar os partidos com assento parlamentar para auscultação, com vista à marcação da data das próximas eleições presidenciais na primeira quinzena de novembro de 2024, para que uma eventual segunda volta se possa realizar antes da quadra natalícia. E, assim, assegurar tempo suficiente para os trâmites legais e a tomada de posse do presidente eleito no dia 27 de fevereiro de 2025, tal como estipulado na Constituição da República.

5.Organização de eleições no Supremo Tribunal de Justiça, de forma independente, sem interferências do Presidente da República e de nenhum outro órgão de soberania.

6.O Presidente da República deve consultar o governo, com vista à nomeação do novo Procurador-Geral da República, que deve ser uma pessoa tecnicamente competente e idónea.

Abordem a União Africana, os países da CPLP, o Secretário-geral das Nações Unidas, os membros permanentes e não-permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ide à Nova Iorque, onde neste mês vai decorrer a Assembleia Geral das Nações Unidas, fazer diligências político-diplomáticas. Mobilizem o povo e os sindicatos independentes para paralisar o país.

Cabral ka murri! (Cabral não morreu!)

De novo Cabral, para sempre Cabral!