Katchus punta tchoka
Pabia di ké ku manda
Nin tchifri ka supradu
Nin bombolom ka tokadu
Pa tcholona urdumunhu ku na bin

N’guli-malgueta mostra elis si udjus burmedjus
Ma é ka medi nada!
Suma katchu-martel ka pudi difindi morança
Katchu-kaminhu raspal
Kunhadu-kanua m’barca na maré
Alma-beafada pupa suma padida ku na mamanta

Murgudjon sugundi i odja lagartu na kalura na iagu
Si utru vizinhu miskinha kassabi
Kuma si deus ka dal mindjer
I ka dibidi dissa é danal si kau di djumbai

Nhu Djugudé cindi fugu pa bafatorio
Falkon na n’guli alma suma i ka tene di kumpu boca
Katchu-kaleron sin kau di tufuli cabelo de pó
Saia-bluza sin kau di mostra si tadju na tchuba ku na bin.

(tradução no final do artigo)

1 No dia 10 de Janeiro de 2023, sentados na primeira fila, remetendo o povinho para as traseiras, membros do governo da nossa terra presidiram ao acto solene de destruição do único parque urbano da capital para nele se construir instalações de uma ONG turca cuja missão é disseminar a educação islâmica pelo mundo, principalmente nos países onde, por má governação e alienação das autoridades, as populações continuam a viver com carências.

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Perante as inquitações e manifestações legítimas de oposição à obra (preferimos não lhe chamar projecto) por parte dos cidadãos, eis que os ministros das Obras Públicas e do Ambiente e Biodiversidade, coadjuvados pelo cúmplice presidente da câmara municipal de Bissau, se dignaram a dar uma conferência de imprensa para, num tom arrogante, justificar o injustificável.

Sintetizamos aqui a dita mascarada, repleta de contradições: N’Batonha não consta da lista de áreas protegias, nem tem aves endémicas; lutei muito para evitar construções nas zonas húmidas à volta da cidade de Bissau; a destruição das zonas verdes é inevitável – um imperativo de desenvolvimento; aquilo está cheio de lixeiras; este é um projecto estruturante para o país, vai ter liceu, centro comercial, hospital e mesquita (5% do total da obra); o estudo do impacto ambiental não é necessário, não é uma fábrica; vamos fazer auditoria/inspecção ambiental; a União Europeia só deu 230 mil euros, os turcos  vão investir 3 milhões de dólares americanos. E no fim censuraram um jovem por ter colocado uma questão pertinente: “O que a Câmara Municipal de Bissau pretende fazer para proporcionar um parque para a criançada em Bissau?”

2 A honestidade intelectual e a nossa consciência cidadã exortam-nos a desmontar aqui a encenação que foi a referida conferência de imprensa. A Guiné-Bissau dispõe de um pacote legislativo sobre o ambiente e a diversidade que, longe de ser perfeito, é abrangente e suficiente para o que a casa gasta. A Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 1/2011, de 2 de março) realça, no seu preâmbulo, a pressão cresente das actividades económicas sobre os recursos, resultando daí a necessidade premente de preencher uma lacuna na constituião, consagrando “a protecção global dos componentes ambientais indispensáveis na interacção do equilíbrio ecológico entre a ideia/política de conservação ambiental e o desenvolvimento económico”.

O parque N’Batonha se enquadra perfeitamente, em substância, tanto no objecto como nas definições da Lei-quadro das Áreas Protegidas (Lei nº 5-A/2011, de 1 de março). Só podemos conceber que não esteja catalogado como tal por miopia política. E segundo um estudo científico levado a cabo pelo nosso conterrâneo Calustre Jorge N. Mendes, da Universidade Lusófona da Guiné, foram observados no parque 82 espécies de aves, na sua esmagadora maioria residentes (75 espécies). 3 espécies são consideradas como ameaçadas e foram avistadas 5 espécies que usam o parque para reprodução.

A grande maioria de pessoas inquiridas considera o parque muito importante (97%), com vantagens para as aves (86%). Acham que a coexistência entre pessoas e aves “na kau di katchu, kau di pecadur” (casa de pássaros, casa de pessoas) é boa (77%), esperando que o parque ficaria para sempre (66%). Então, “ami i povo, bu na vivi na sombra di povo, sin sintidu di povo”?  (se eu sou o povo, porque vives na sombra do povo, sem sentido de povo?). Afinal os discursos à la carte nos forums sobre o clima e a biodiversidade não passam de palavras que se esvaem ao mínimo sopro da brisa de Geba!

Retomando o argumentário dos nossos ilustres ministros, este tipo de obra não requer nenhum estudo de impacto ambiental, porque não é uma fábrica. A ser assim, para que serve o Regulamento do estudo de impacto ambiental (Decreto nº 7/2017, de 28 de junho), cujo objecto é regular todos os projectos susceptíveis de causar impactos significativos sobre o ambiente e a saúde humana, ao abrigo dos preceitos da Lei de Bases do Ambiente e da Lei da Avaliação Ambiental (Lei nº 10/2010, de 24 de setembro), tendo esta última estipulado taxativamente que nenhuma obra com impactos negativos muito graves ou menos graves pode ser iniciada sem que seja conluída a Avaliação Ambiental, aprovada e emitida e respectiva licença.

Em face da realidade, não vislumbramos nenhuma circunstância excepcional devidamente documentada com base na qual a tutela terá invocado a dispensa de avaliação, emitindo a licença, ao abrigo do Regulamento do Licenciamento Ambiental (Decreto nº 8/2017, de 28 de junho), cujo objecto é regular os procedimentos de licenciamento ambiental das actividades que, pela sua natureza, localização ou dimensão sejam susceptíveis de provocar impactos ambientais e sociais significativos. E no âmbito da avaliação de impacto ambiental, dentre os vários trâmites, consta a consulta pública das populações da zona envolvente, durante a qual o dono de obra deve prestar esclarecimentos e defender o projecto, tal como estatuído no Regulamento da Participação Pública no procedimento da AIA (Decreto nº 5/2017, de 28 de junho).

Não se admite que o nosso estado se vulgarize desta maneira, jogando-se levianamente nos braços de quem supostamente dá mais dinheiro, e sem credibilidade perante o seu principal parceiro de desenvolvimento, a UE, quem financiou a obra de requalificação do parque. E longe estamos nós de pensar que os dois ministros não saibam o que é um projecto estruturante. No entanto, para dissipar quaisquer equívocos, elencamos aqui alguns projectos que são verdadeiramente estruturantes para o país:

  • Criar um fundo de promoção cultural para resgatar a nossa cultura e identidade.
  • Retirar a escola pública das cinzas.
  • Converter o hospital 3 de agosto num centro de unidades especializadas com gestão profissional e padrões internacionais.
  • Criar a autoridade do medicamento e a emergência médica com ambulâncias e helicópteros medicalisados.
  • Construir infraestruturas rodoviárias para ligar Bissau às sete regiões administrativas.
  • Aumentar a oferta de transportes marítimos para as ilhas.
  • Lançar o programa-piloto de gestão autárquica.
  • Remodelar o aeroporto internacional.
  • Fomentar a criação da frota nacional de pesca e criar cadeia de valor do pescado destinado aos mercados nacional, regional e internacional.
  • Lançar o Programa de mecanização agrícola para a auto-suficiência alimentar.
  • Fomentar a pequena indústria.
  • Estabelecer parceria com alguns países da UE para a vigilância marítima.

Face à gravidade da situação, do nosso estado estar a agir como pessoa de mal, violando grosseiramente as leis da república, lançamos um apelo solene a todos os guineenses e amigos da Guiné, aos advogados, às ONG’s, para prepararmos um processo a fim de requerer junto do tribunal competente o embargamento imediato da obra no Parque N’Batonha.

3 Uma vez esmiuçados os aspectos socio-ambiental e legal, propomos agora discutir o fulcro da questão, que mexe, e sobremaneira, com a nossa soberania. Quem é o dono desta obra destruidora? A IDDEF, uma rede que congrega mais de 40 organizações islâmicas, é um dos instrumentos de propaganda e de expansão da ideologia islâmica e influência geopolítica da Turquia de Erdogan no mundo, agora com enfoque especial na África Ocidental. Tem como missão a expansão da educação islâmica no mundo (pobre), através da construção de madraças (escolas corânicas) e mesquitas. E fá-lo utilizando o paliativo dos pobres – poços de água, kits alimentares, mochilas, pratos de comida, sempre com um habitante local a exibir o dístico propagandista. É o homem africano (mais uma vez) a ser o actor principal no teatro da sua própria humilhação!

Nas madraças da IDDEF, há relatos de endoutrinamento de alunos a quem impingem leituras de Corão e orações em louvor à gloria turca/otomana e às tropas turcas em teatros de guerra. Essa mesma organização assinou, em outubro de 2022, um memorando de entendimento com o governo taliban para construir 5 madraças, mesquitas e poços de água em cinco províncias do Afeganistão. Cada projecto vai custar 25 mil dólares americanos. E com o terreno cedido de borla (um crime de lesa-pátria), alguém acredita que vão investir 3 milhões de dólares no N’Batonha?

Como se pode constatar, está a mentir descaradamente quem afirma que vão construir um liceu a que todos, independentemente da sua religião, terão acesso. E o hospital? Fizemos uma pesquisa exaustiva e não encontrámos nenhum registo de hospital construído por essa organização. No que diz respeito ao centro comercial, não bastam ferro e betão, é preciso o know-how, tanto na construção, como na própria gestão operacional e comercial do empreendimento. Os centros comerciais florescem em sociedades com o crescimento da classe média, que tem elevada propensão ao consumo. Se o governo, um dia, interiorizar a ideia de desenvolvimento assente na criação de riqueza, as pessoas começarão a ter uma vida melhor, e os investidores (os verdeiros) vão aparecer, naturalmente.

Convidamos o leitor a visitar o site www.iddef.org ou a página no facebook, a fim de confirmar o que aqui escrevemos. Analise a arquitectura e o aspecto das obras já realizadas noutros países de África, nomeadamente, na vizinha República da Guiné-Conacri a que a organização turca orgulhosamente fez referência, e diga-nos como se sente enquanto guineense ou quem nutre um pedaço de afeição pela pátria de Cabral.

A religião há muito que encontrou o seu espaço no nosso mosaico étnico. Precisamos de estrangeiros para explicar aos nossos muçulmanos como adorar a Deus ou para converter as etnias não muçulmanas? A baixa de Bissau tem a sua identidade arquitectónica há muito estabelecida. Que interesse temos para colocar aquela aberração num parque urbano, no coração da cidade, junto ao edifício da rádiodifusão nacional e da Marinha Nacional?

Como pode constatar, caro(a) leitor(a), a questão não é a construção de uma mesquita, uma operação trivial na Guiné, à semelhança de outros locais de culto religioso, e em terrenos apropriados, sem alaridos. O que está em causa é que “Bissau sta na kulkadu, sin tene pres; Bissau sta na kumpradu, sin tchiga di negocia” (Bissau está a ser vendido, sem preço; Bissau está a ser comprado, sem negociar).

É de uma gravidade sem medida ver os nossos governantes, supostos servidores do bem comum, porem-se de cócoras perante uma ONG islamita! Isto, além de ser uma provocação, constitui uma grave ofensa contra tudo o que representamos como povo, que viveu cinco séculos de dominação e teve que lutar derramando sangue, suor e lágrimas para realizar o sonho de nação, hoje abandalhada por indivíduos que, consciente ou inconscientemente, se deixam manobrar, feitos traidores da pátria, sem um pingo de orgulho, contra os interesses nacionais.

Já passámos a era de “boca iem, so sin sinhor” (calar-se e obedecer) e não podemos continuar naquela de “nha boca kasta la!” (“quero lá saber!”), sob pena de um dia, tarde demais, darmos conta que o chão-pátrio já não é nosso!

Tradução portuguesa, por Inácio Semedo, do poema introdutório:
(a peripécia das aves e do crocodilo quando as máquinas começaram a destruir o parque)

Perguntam a passarada à perdiz
Por que raio não soou o som do chifre
Tão pouco se ouviu o ribombar do bombolom
A anunciar o alvoroço que se aproxima

A Tuta mostrou-lhes seus vermelhos olhos
Não o temeram de todo
Sozinho, o Pássaro-martelo não consegue proteger a morança!
O Pássaro-caminho fugiu a sete pés
A Alma-beafada esbravejou como a mãe que ampara os rebentos

O Corvo-marinho foi-se esconder no leito do rio
E viu o Crocodilo aflito a transpirar debaixo da água
Seu vizinho lamentou a sua má fortuna
E caso Deus não lhe conceda uma noiva
Ao menos que o não prive do seu espaço de confraternização

O fogo para assar o petisco foi aceso pelo Abutre
Enciumado, lá de cima, o Falcão não tem o que petiscar
O Tecelão-de-cabeça-preta não sabe sequer onde cuidar do penteado
E sem arena para as suas exibições de beleza
A Cardial-laranja se entristece enquanto a tempestade se aproxima.