Ao longo de mais de cinco séculos, o território da Guiné-Bissau, anteriormente reconhecido como Guiné Portuguesa, foi reivindicado por Portugal como parte integrante do chamado Império Português até à data da sua independência, alcançada em 1974. Esta seguiu-se a uma guerra que teve início em Janeiro de 1963, na cidade de Tite, com uma acção de guerrilha materializada pelo PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), movimento que esteve na vanguarda da luta pela independência do território. Apesar de ter sido proclamada em Setembro de 1973, a independência da nova república só viria a obter o reconhecimento por parte de Portugal em Setembro do ano seguinte, já em período pós-25 de Abril. Esta guerra custaria a Portugal a morte de mais de dois mil militares e cerca de outros quatro mil ficariam afectados permanentemente sob o ponto de vista físico e psicológico.

Mais de quatro décadas após a independência, a recente história da Guiné-Bissau tem sido marcada por permanentes e graves convulsões políticas e militares, resultando em recorrentes golpes de Estado e consequentes mudanças de governo. A corrupção é uma das dominantes em todo este arrastado processo, severamente agravado pelo facto de narcotraficantes de alguns países da América Latina estarem, ao longo dos últimos anos, a utilizar o território guineense como uma das plataformas da África Ocidental para a entrada de cocaína na Europa. Certo é, que outrora a Guiné-Bissau, era apontada como um verdadeiro modelo no domínio do desenvolvimento africano, surge agora como um dos países mais pobres do mundo, com uma elevada dívida externa, levando o país a depender profundamente da ajuda externa.

Segundo os números das Nações Unidas, a Guiné-Bissau conta, actualmente, com uma população de 2.082.183 habitantes. No domínio da religião, 44,9 por cento da população aderiu às chamadas religiões étnicas (animistas), 41,9 por cento é muçulmana (sunitas) e 11,9 por cento professa o cristianismo.

A economia

Sob o ponto de vista económico, a Guiné-Bissau, que conheceu uma importante desaceleração em 2018, tendo mesmo caído, segundo estimativas, para 3,8 por cento, é altamente dependente da agricultura de subsistência, com destaque para a castanha de caju, principal produto de exportação, e de cuja comercialização depende a subsistência de mais de 80 por cento da população. Produção essa, muitas vezes posta em causa devido às condições climáticas adversas que se abatem sobre o território. Outros recursos são, igualmente, determinantes, como a pesca e a extracção da madeira, esta última considerada ilegal pelas autoridades, mas que conta, todavia, com o envolvimento marginal de algumas figuras civis e militares. Também a fraca situação fiscal tem contribuído para o empobrecimento das receitas postas à disposição dos sucessivos governos, aumentando sucessivamente o défice orçamental, onde as despesas governamentais têm aumentado progressivamente, ano após ano. A inflação disparou devido, sobretudo, ao incremento de bens importados e da procura interna e todos estes factores, associados a sucessivas governações de índole duvidosa, acabaram por fazer de parte da classe política dominante um forte aliado do narcotráfico internacional.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda no plano da economia, é, no entanto, reconhecido o elevado potencial que o território oferece no domínio dos recursos naturais. Destaca-se um projecto de exploração offshore de hidrocarbonetos (petróleo e gás), anunciado em 2019, numa zona conjunta da Guiné-Bissau e do Senegal, para o qual a empresa canadiana OP AGC – uma das duas (a par da China National Offshore Oil Corporation) que detêm as licenças de prospecção na Zona de Exploração Conjunta (ZEC), constituída em 1993 – já anunciou a intenção de avançar durante 2020. Falta ainda, no entanto, avaliar o impacto ambiental que a exploração de petróleo e gás representará para a vida das populações, estando já acordado que as futuras receitas serão divididas entre o Senegal (85 por cento) e a Guiné-Bissau (15 por cento)1.

O contexto político

Algum tempo após a independência, o quadro governativo da Guiné-Bissau ficou marcado por profundas e repetidas crises políticas e institucionais, o que levou o país a ser considerado um dos mais vulneráveis politicamente, a nível mundial, expondo-o a recorrentes golpes militares e mudanças frequentes de governo. Logo em 1980, o primeiro presidente do país, Luís Cabral, é deposto na sequência de um golpe militar liderado por João Bernardo Vieira (“Nino” Vieira), que sempre se opôs a uma comunhão com Cabo Verde, mas cuja actuação foi caracterizada, sobretudo, pelo desejo de eliminação de todos os seus rivais políticos e de todos os sinais de oposição à sua política. Este primeiro golpe acabaria por assinalar o ponto de partida para a instabilidade política que tem permanecido até aos nossos dias. Isto, apesar do envolvimento da Comunidade Internacional e das suas instituições no sentido de promoverem a ajuda económica, militar e política, a par de uma definição do modelo de combate à influência dos cartéis de drogas latino-americanos – desde há muito, que estes utilizam o território guineense como plataforma para envio de estupefacientes para a Europa – de modo a, finalmente, se pôr termo à já prolongada instabilidade política e social que o país tem vivido. Nos domínios do narcotráfico, é por todos sabido o valioso instrumento que os traficantes têm à sua disposição: a corrupção. Vem a este propósito, lembrar a tristemente célebre figura de Bubo Na Tchuto, ex-almirante e antigo Chefe do Estado-Maior da Marinha da Guiné-Bissau, entre 2003 e 2008, que esteve envolvido em várias tentativas, todas elas fracassadas, de assalto ao poder. Considerado internacionalmente como um poderoso narcotraficante, Bubo Na Tchuto acabaria por ser capturado na costa ocidental de África, em 2013, numa operação policial. Desde há muito referenciado pela justiça norte-americana e com mandado de captura internacional, acabaria por ser condenado nos Estados Unidos a uma pena de prisão efectiva de apenas quatro anos, dos quais cumpriria três anos e meio, com base num acordo de cooperação com as autoridades judiciais norte-americanas2.

As primeiras eleições multipartidárias, tanto para o Parlamento, como para a Presidência da República, tiveram lugar somente em 1994. Após um novo golpe militar, em 1998, o país entrou num período de confrontações internas, num cenário já bem próximo de uma guerra civil, justificando a mediação da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), da qual resultou o Acordo de Conacri, com o objectivo de alcançar o consenso entre todas as partes envolvidas no conflito.

As presidenciais de 2019

Finalmente, a 18 de Junho de 2019, o então Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, através de decreto, marca as eleições presidenciais para 24 de Novembro de 2019. Desse processo, sai vencedor o candidato Umaro Sissoco Embaló, que a 29 de Fevereiro de 2020, numa das suas primeiras tarefas, nomeia Nuno Gomes Nabiam para o lugar de Primeiro-Ministro – e apesar do reconhecimento da vitória de Embaló pela CEDEAO, após um longo período de incerteza. Após o anúncio, os resultados eleitorais foram de imediato contestados pelas candidaturas rivais, o que provocou um ambiente de enorme convulsão, tendo levado o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, a emitir um comunicado, afirmando “estar a acompanhar com particular preocupação a crise institucional” resultante da disputa eleitoral, remetendo a decisão final para os “órgãos competentes”. Deste modo, e como esperado, a CEDEAO, “face ao actual bloqueio e após uma análise profunda à situação política do país”, decide, a 22 de Abril de 2020, reconhecer a vitória de Umaro Sissoco Embaló, na segunda volta das eleições presidenciais da Guiné-Bissau realizada a 29 de Dezembro de 2019. Nesse comunicado, apela, ainda, a uma “resolução da crise com base na lei e na Constituição do país”3. A investidura de Embaló viria a realizar-se no dia 27 de Fevereiro de 2020, data considerada pelo próprio como “simbólica”. É, pois, neste contexto, que diversas fontes próximas do processo destacam a “normalização institucional” com reflexos considerados positivos no relacionamento com a CEDEAO, tendo o seu presidente reiterado o carácter “transparente e credível” destas eleições. Com recurso às redes sociais, a reacção do candidato do PAIGC, Domingos Simões Pereira, não se fez esperar, tendo, através de uma publicação no Twitter, declarado que “o povo guineense assiste impotente à violência do Presidente [Umaro Sissoco Embaló] e do Governo golpista de Nuno Nabiam”, acusando-os de estarem ligados ao narcotráfico4. Entretanto, várias organizações da sociedade civil guineense viriam a denunciar, numa Carta Aberta dirigida aos órgãos de soberania, que a Guiné-Bissau está em risco de perder algumas das conquistas alcançadas em mais de duas décadas de democracia, devido a graves ameaças à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa5.

Considerações finais

É longa a história da Guiné-Bissau em matéria de conflitos. O país está marcado por rivalidades e conflitos tribais e étnicos. Hoje, quatro décadas após a independência, a sociedade guineense continua a ser atormentada por permanentes e graves convulsões políticas e militares, golpes de Estado recorrentes, que se traduzem em constantes mudanças na liderança do país. A corrupção é uma das dominantes em todo este arrastado processo, severamente agravado pelo facto de os narcotraficantes de alguns países da América Latina estarem, ao longo dos últimos anos, a utilizar o território como uma das plataformas, estrategicamente situadas na África Ocidental, para a entrada, sobretudo de cocaína, no continente europeu. Onde, desde sempre, contaram com a preciosa ajuda de alguns funcionários do Estado guineense, facilmente seduzidos pelas contrapartidas que eram postas à sua disposição.  A conjugação de todos estes factores empurrou o país para uma instabilidade política e social, sem fim à vista, com dramáticas consequências para a economia, com elevados níveis de desemprego e uma pobreza generalizada. Previsivelmente, a estabilidade política continuará comprometida no decurso 2020, com reflexos no crescimento do PIB e agravado, agora, pela disseminação global do Covid-19. A dívida externa da Guiné-Bissau é enorme, fazendo o país depender fortemente dos seus principais parceiros para o desenvolvimento, como são os casos da União Europeia, da CEDEAO, da União Económica Monetária da África Ocidental (UEMOA), do Banco de Desenvolvimento da África Ocidental (BOAD), do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), das Nações Unidas, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. A exemplo de outros casos, caberá, uma vez mais, à Comunidade Internacional e às suas principais instituições, um genuíno contributo para o progresso e o bem-estar de mais uma nação desde há muito castigada – a Guiné-Bissau e o seu povo.

(1) LUSA, 11 de Fevereiro de 2020
(2) BBC NEWS, 28 de Maio de 2020
(3) LUSA, 23 de Abril de 2020
(4) PÚBLICO, 5 de Março de 2020
(5) PÚBLICO, 30 de Julho de 2020