No céu voa uma águia, no ar paira a incerteza. De rosto branco e dorso escuro, encara um conjunto multifacetado de nações e estados unidos por um sonho. Não daqueles que nos fazem marchar entre Selma e Montgomery, mas dos que nos fazem brindar com Vinho Madeira.
A sua visão estereoscópica vê oito vezes melhor do que qualquer sapiens. Não é bicéfala, mas alcança perifericamente os 360 graus que a rodeiam, sem qualquer cegueira ideológica. Dos rochedos gelados do Alasca aos pedregulhos que separam o México, vê burros e elefantes guiados pelos seus pastores e encantadores.
De um lado, ofusca o brilho do sorriso de um jovem pré-octogenário, num comboio que se tenta encarrilar, movido por mascarados que escondem não sorrir por o ver e que fazem de tudo para que o comboio não se alimente a carvão. Joseph, ou Joe para amigos e inimigos, é um homem marcado pelas cicatrizes da vida, que não quer transparecer o seu luto. É um católico romano, sem a retórica de Cícero. Um senhor grisalho, que conhece e reconhece os seus pares nas cortes de Washington. Um dito moderado num campo de batalha extremado. Nos seus olhos não se vê a alma de um reformista, mas uns Rayban de quem quer voar velozmente ao lado da águia e guiar os seus compatriotas para fora do Grand Canyon em menos de 127 horas.
Do outro, voa um jato vermelho por fora, laranja por dentro, que pretende correr mais que o Forest Gump. Assustam-lhe bruxas outrora caçadas, que dizem prever o que irá acontecer brevemente. As previsões são piores que o bicho invisível, porque um aprendiz não pode ser despedido do pântano. É um self made son, que vende o marfim dos seus elefantes, numa terra em que as garras da águia tornam notório o instinto predador – ou se mata ou é se morto – como na roleta de um luxuoso casino. No recreio, Donald chuta a esfera achatada nos polos com os outros galifões e dá fortes tacadas em tantas frustrações. A filosofia é simples: eu penso, logo eu tweeto.
Os Unidos estão divididos como sempre e nunca estiveram. A confusão reina neste habitat, onde até a memória de elefante faz alguns saírem da manada, proclamando o honesto Abraham. Ninguém já ouve as palavras, já todos leem os lábios de onde foram proferidas e, como no passado, a estratégia vai revelar-se nada ponderada e de atirar a carteira, com a nossa identidade, para os arbustos.
Este território não é um Estado social, é um Estado para socializar e palavrear o que nos aprouver. As influências francesas e britânicas são de outrora; o velho continente já não entra no mundo novo. A pena capital é uma realidade e o capital move a vontade. Compreendemos tanto a América como os nossos antepassados iluminados, que dividiram a régua e esquadro o Médio Oriente. É a águia, e não o lince, que vai escolher onde pousar.
Há guia na América, como em qualquer democracia: a vontade popular. Os cidadãos americanos são chamados às urnas e a sua vontade expressa-se de acordo com as normas vigentes naquela jurisdição, apesar de anacrónicas. Deste lado do Atlântico não somos chamados a votar nestas eleições por duas razões, porque não somos americanos formalmente e porque não somos americanos materialmente. Como tal, não possuímos a nacionalidade e valorizamos o princípio da não ingerência, com respeito pela escolha, seja ela qual for, mas com uma posição estratégica de relacionamento, de acordo com os interesses que a mesma represente. Fiquemos nós em cativeiro, sem assinalar os finados, mas recordando Monroe e a sua doutrina. Pacientes, a observar a águia americana nos seus voos, não assobiando como pássaros, nem acenando aos condores deste mundo.