Como de costume, agora que vêm aí eleições não vão faltar profetas, bruxos de Fafe, comentadores, peritos que em detalhe explicarão os como e os porquê do que irá acontecer.
É cenário que deixou de me interessar e já nem sequer aborrece, tão deprimente acho o resultado de meio século de Democracia, com o desfilar das sucessivas troupes de saltimbancos, títeres, vigaristas, bate-carteiras, que só pelo fato e a gravata destoariam nas vielas de Nápoles.
Sobre os senhores que há meio século se governam, e como se fosse favor incidentalmente cuidam da res publica, já demasiado foi dito e escrito, os ditirambos excedendo largamente as críticas, embora para que se lhes compreenda o alcance e significado, críticas e ditirambos devem ser vistos à luz do espaço social e geográfico em que são válidos, o qual curiosamente não é o país, mas um pedaço de território que, grosso modo, se poderá fingir entre o Parque das Nações e Cascais.
Cabe ao leitor a liberdade de julgar ser isto desvario, mas não há mal nele, e propósito só tem o de que me acompanhe numa ficção com que há dezenas de anos me distraio: a de que Portugal há muito deixou de existir como país.
Digamos que foi ao redor de 1560, quando se esgotou o primeiro volfrâmio da sua gloriosa Epopeia. Deixou de existir não é, aliás, a boa expressão. Mais de acordo com a realidade pode dizer-se que, à maneira dum tecido de má feitura, Portugal encolheu, de nada lhe valendo o segundo volfrâmio, o ouro do Brasil, esbanjado em mosteiros e paramentos.
Durante séculos manteve-se pobre entre o castelo de São Jorge e a Torre de Belém, até que em 1986 – e dessa vez não foi volfrâmio mas um genuíno milagre de Fátima – a UE o convidou para que abancasse à mesa com os ricos e, tal padrinho bilionário, garantiu-lhe generosa mesada, com a recomendação de que à semelhança dos mais crescesse e prosperasse.
O conselho não caiu em orelhas moucas, e a elite teve o génio de realizar o que raras e com igual presteza conseguem: deitar mão a tudo o que é instrumento de poder e riqueza, e simultaneamente guardar as aparências, numa estratégia que, fosse ele vivo, Maquiavel aplaudiria.
Resumindo para melhor explicar: Salazar manteve e acarinhou as elites do seu tempo, dando-lhes regalias desde que não esquecessem que era ele quem mandava. Com a Revolução dos Cravos apanharam um susto, mas escassos anos depois já as novas elites se lhes tinham juntado, e no começo da década de oitenta retomavam as festas da alta.
Lenta, mas efectiva, a partir dessa data constata-se como que uma osmose entre a elite do salazarismo e a dos recém-chegados mandantes, ambas conscientes da necessidade de cooperação e, sobretudo, da importância das aparências, criando facções contrárias, supostos conflitos, divergências de rumo ideológico, todo um bazar político mantido para inglês ver, já que no fundo toda essa gente se conhece e cumprimenta, se encontra, almoça, combina, arranja, tem à mão os contactos e os números de telemóvel, ao primeiro sinal de perigo ou distúrbio a rede funciona com empeço mínimo, nada mau para cinquenta anos de empreendimento.
Esse empeço, realmente mínimo e passageiro, quando acontece deve-se em grande parte à aversão da elite pelos provincianos. Ora porque usam peúgas brancas, ora porque querem contas certas ou, simplórios, que os tratem pelo nome próprio, e mais grave, quando mostram habilidade e conseguem saltar a barreira.
Não acontece logo, mas não escapam a pagar as favas. A um Vara, para só citar esse, nada teria valido dizer-se com Alzheimer, e o inefável Sócrates bem pode um dia voltar a subir o Chiado, mas para sempre lhe está vedado o acesso aos salões onde foi prima donna, e isso não pelo dinheiro e as falcatruas, mas pela arrogância de ter querido forçar a entrada, supondo que Vilar de Maçada, a Lapa ou Cascais é tudo da mesma massa.
Vêm aí as eleições, lá irei cumprir o dever de cidadão, mas votando em branco, pois não me revejo nos programas dos partidos, nem tenho confiança nos seus líderes. Com esta idade, provavelmente será também a última vez que irei votar, o que acrescenta ao desânimo de morrer sem ter visto a minha pátria com a liberdade, fraternidade, igualdade e prosperidade que tanto lhe desejo.
Sonhos não acalento, previsões não me arriscaria a fazer, certeza tenho a de que Portugal continuará por muito tempo encolhido entre o Parque das Nações e Cascais, a olhar incomodado para o seu antigo território, onde reina a pobreza e o atraso, e vive a espécie de gente que Hillary Clinton tão acertadamente classificou.