O Governo aprovou no passado dia 13 de novembro a Estratégia Portugal 2030.
A Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2020, (que aprova a referida Estratégia Portugal 2030), é a principal referência de planeamento das políticas públicas e de promoção do desenvolvimento económico e social do país até 2030.
Assim, tanto os Programas Nacionais de Reformas, como as Grandes Opções do Plano e todos os documentos que estruturem políticas públicas até 2030, designadamente o Plano de Melhoria da Resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS), devem obedecer às metas e prioridades nela determinadas.
Importa ainda ter em consideração, que para além do pilar estrutural que assume este documento para a definição das políticas internas do nosso país, o documento afirma-se como um elemento enquadrador e estruturante dos grandes programas de modernização que, com o financiamento dos fundos da União Europeia, serão executados nos próximos anos.
Atendendo à importância estratégica do documento e tendo em consideração o impacto que o mesmo assumirá a médio e longo prazo na definição das políticas públicas em Portugal, não podemos deixar de o analisar, de o discutir no espaço público e de avaliar os seus impactos em áreas estruturais da nossa vida em comunidade.
A Estratégia Portugal 2030, de acordo com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2020, que a aprova, assenta em quatro eixos fundamentais:
- As pessoas primeiro: um melhor equilíbrio demográfico, maior inclusão, menos desigualdade;
- Digitalização, inovação e qualificação como motores do desenvolvimento;
- Transição climática e sustentabilidade dos recursos;
- Um país competitivo externamente e coeso internamente.
E pretende trilhar um rumo, como o próprio diploma indica, “com vista a alcançar mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade no horizonte da próxima década”, (…)assegurando uma convergência de Portugal com a Europa e em simultâneo a coesão e a resiliência social e territorial interna(…)”.
Uma das áreas à luz do qual não podemos deixar de discutir este documento de referência, diz respeito a um tema essencial e transversal – o conceito de bem-estar da população, a sua relevância nas políticas públicas, bem como o seu impacto tanto na promoção da saúde, inclusive mental, como na prevenção da doença, incluindo a doença mental.
Numa análise preliminar do documento, na ótica que nos propomos a discutir, importa começar por sublinhar que nas 50 páginas em que define a estratégia de Portugal para os próximos 10 anos, apesar de a palavra saúde surgir 70 vezes, em apenas uma aparece associada a saúde mental, o que não deixa de ser chocante e altamente preocupante.
Por outro lado, e apesar do documento referir a necessidade de uma aposta na literacia em saúde, continua a estar focada na saúde física, persistindo em ignorar a saúde mental.
Apesar de se propor a implementar novas estratégias de combate à violência contra as mulheres e violência doméstica, nada refere quanto à saúde mental das vítimas, nada refere quanto ao trabalho de reinserção social dos agressores prevenindo novos crimes, e o silêncio relativamente às crianças, também elas vítimas neste contexto, é total e ensurdecedor.
Persiste o Governo, incompreensivelmente acreditando que é possível promover o desenvolvimento socioeconómico do país sem dar relevância aos temas do bem-estar psicológico e da saúde mental, persistindo e teimando em encontrar-se parado no tempo, não acompanhando a ciência.
Tanto em artigos científicos, como em documentos internacionais, as referências à saúde mental e à importância desta para o bom desenvolvimento psico-socio-económico das comunidades, ganhou especial relevância com a pandemia mundial da doença Covid-19.
Este período, de ajustamento do modelo de organização social imposto pela pandemia, tem sido indicado pela melhor ciência e por várias organizações internacionais, como uma oportunidade de excelência para melhorar os cuidados de saúde mental para toda a população.
No entanto, mais do que falar de saúde mental, ou doença mental, importa que as políticas públicas se debrucem no conceito de bem-estar. Ora, este conceito parece-me ser absolutamente transversal, não só ao primeiro eixo – As Pessoas Primeiro, mas também, ainda que indiretamente, nos três seguintes, que se propõem a delinear o nosso futuro enquanto comunidade nos próximos anos, embora a referida estratégia tenha optado por ignorar por completo a relevância do seu impacto no bem-estar dos cidadãos.
Se cientificamente ainda não é seguro afirmar que a pandemia e a nova realidade que vivemos veio aumentar a doença mental, é indiscutível que veio colocar em causa o bem-estar das populações. A ausência prolongada do bem-estar apresenta-se como forte fator de risco para o aparecimento da doença mental e para o agravamento daquela já existente.
Também é verdade que outras consequências da pandemia, como a anunciada crise económica, são fortes fatores de risco psicossocial para o espoletar da doença. E por último, que a própria ausência de saúde mental é, por si só, um fator de risco para o crescimento económico e social de qualquer país.
Chegados aqui, importa sublinhar a ausência de indicadores para a estratégia de promoção do bem-estar psicológico, prevenção da saúde mental e intervenção na doença mental.
Num diploma desta natureza e desta importância, que afirma pretender uma sociedade mais inclusiva e menos desigual, a ausência de estratégias ao nível da educação e do emprego para a promoção do bem-estar e prevenção da saúde mental, a par da tímida referência da necessidade urgente pré-pandémica do reforço das respostas de saúde mental, em especial da psicologia através da promoção de uma intervenção não farmacológica no Serviço Nacional de Saúde, é absolutamente inaceitável.
Infelizmente, não podemos considerá-la verdadeiramente surpreendente.
Na verdade, apenas vem demonstrar não só que o Governo continua a não compreender a verdadeira dimensão dos conceitos de bem-estar e saúde mental, como também continua a ignorar o seu impacto no desenvolvimento do país.
Por outro lado, demonstra que o Governo continua a aprender muito pouco com a pandemia que, para além da doença em si, tem demonstrado a necessidade de compreensão e intervenção ao nível do comportamento, uma vez que o vírus ,não sendo um organismo vivo, recorre ao humano e ao comportamento em comunidade deste para se multiplicar.
Ignorar a saúde mental é ignorar o bem-estar dos portugueses, ignorar que a psicologia é, por excelência, a ciência que estuda e intervém no comportamento humano, é ignorar o principal e mais importante aliado para a definição de uma estratégia governativa centrada nas pessoas, no seu bem-estar e nas suas reais necessidades.
É condicionar o sucesso do desenvolvimento psico-socio-económico de um país, o nosso, Portugal.