Assistimos impávidos e serenos – de forma tão manifesta e às claras –, ao argumento, deveras falacioso e intelectualmente desonesto, aplicado de forma tão leviana e taxativa, conotando a Igreja Católica como pedófila. “São todos pedófilos!”, muitos assim o alegam, generalizando.

Pergunto-me: a maioria dos membros da Igreja Católica são clérigos – dentro destes, alguns casados (diáconos permanentes)? A sua maioria, de longe, significativa, não se identificou com a vocação matrimonial? Do universo de todos quantos se dizem católicos quantos pedófilos existem? Dentro do universo dos clérigos católicos, quantos pedófilos são?

Como afirma o Santo Padre, “um abuso cometido por um padre, ainda que um, é monstruoso, porque o padre ou a freira existem para levar as pessoas para Deus”. Isto é desculpa para o seu encobrimento? Evidentemente que não! É pecaminosa e hedionda esta conduta? Nem carece de resposta do quão evidente é!

Daí a nossa perplexidade que desconcerta e abala qualquer consciência, por mais firme que seja a sua fé em Deus, face aos abusos sexuais cometidos por clérigos da Igreja Católica e seu respetivo encobrimento pela hierarquia, não salvaguardando as alegadas vítimas – que também podem ser padres, em caso de difamação –, em vez dos alegados agressores.

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Categórica e imperativamente, o abuso sexual requer a condenação veemente e musculada por parte da sociedade e, dentro desta, da esfera eclesiástica. Esta é inelutável e absolutamente necessária, como abominação que é.

Com isto, não estou, de modo algum, e espero não ser mal interpretado, a desresponsabilizar nada nem ninguém. Muito pelo contrário. Espero, genuinamente, que nos corresponsabilizemos todos, na certeza que é tão do interesse da Igreja como da sociedade – sociedade, essa, da qual os batizados surgem e, dentro destes, os clérigos – , erradicar este flagelo atroz.

Confesso, contristado, que me custa aceitar esta generalização tão abusiva, “catalogando” uma instituição que quis pôr cobro à pedofilia, de “pedófila”. Prova disso mesmo são as fundações da Igreja Católica!! Quais foram as culturas proeminentes da evangelização dos primórdios do cristianismo? Vemos tão bem espelhado, nas cartas de S. Paulo, no que à evangelização de não judeus diz respeito, no contexto helénico, o modo como quis apresentar e propor uma moral – não sua, de Cristo – , diferente da vigente à época.

Efetivamente, com a solidificação e crescimento do cristianismo, na cultura grega e também na romana (berço do cristianismo) – esta bebe muitíssimo da grega – , é que esta prática hedionda se reduz significativamente.

Não foi a Igreja Católica a primeira a denunciar e condenar vigorosamente a pedofilia? Historicamente falando, a cultura da Antiga Grécia é considerada, unanimemente, a base da cultura da civilização ocidental. A cultura grega exerceu poderosa influência sobre os romanos, que a propagaram a diversas regiões europeias.

A civilização grega antiga influiu – e muito –, na linguagem, na política, no sistema educacional, na filosofia, na ciência, na tecnologia, na arte e na arquitetura e, como é obvio, a sua influência também se verifica na própria Igreja Católica, no que concerne ao estudo, à formação intelectual (fundação de escolas e universidades), ao desenvolvimento, promoção e incentivo de tantas preciosidades das artes plásticas, arquitetónicas, esculturais, etc.

Conceitos como cidadania e democracia são gregos, ou pelo menos de pleno desenvolvimento na mão dos gregos. Os jogos olímpicos, a cultura do bem-estar físico e emocional e tanta riqueza e saber que nos fizeram chegar. Indubitavelmente, não seríamos quem somos sem eles.Nem a própria Igreja, não obstante, esta ter diferido, moralmente, a respeito de algumas condutas. Posto isto, não obstante ter sido uma civilização excecional e vanguardista, da qual todos nos orgulhamos de provir, era uma cultura completamente abusadora.

Embora democráticos, existiam cidadãos e existiam não cidadãos (escravos) – a sua maioria. Embora muito humanistas nas artes, cultura, poesia, filosofia, matemática, não eram, ainda assim, a perfeição da humanidade – como também não o somos hoje.

Pergunto então: não era pedofilia – se bem que este termo não existisse à época, era “pederastia”, uma vez, que não era considerado –, os jovens inexperientes (efebos) serem entregues a tutores para que fossem educados e protegidos e, nesse campo, a pederastia (sexo entre um jovem adolescente e um homem adulto) não era uma prática tida como normal, socialmente aceite, incentivada, motivo de orgulho e tida como estrutural na relação entre discípulo e aprendiz, em ordem a formar um cidadão mais seleto no futuro? Tão normal e banal, como orgulhosa situação, os pais entregarem e confiarem os seus filhos a abusadores sexuais…

Não existem, ainda, infelizmente, culturas em que mulheres e crianças não têm voz? Cristo foi o primeiro a denunciá-lo. Não existem, ainda, casamentos forçados com menores? A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral da ONU, a 20 de novembro de 1989. Cristo já havia falado deles há quase dois milénios, dando relevo aos sem relevo, como mulheres e crianças.

Se a Igreja Católica fosse verdadeiramente “pedófila”, porquê “dar-se ao trabalho” de a combater, na sociedade do seu tempo? Já era moralmente aceite. Nem era questão? Dispunha aqui de um argumento sólido para cimentar e inculturar o cristianismo, como instituição “pedófila” que, alegadamente, é… Foi erro da Igreja querer combatê-la?

A moral cristã é estruturante para nos compreendermos como sociedade ocidental. Um retorno ao passado? Não é o fim do mundo! Já, assim, o foi; prévio, à moral cristã. Como acima já referido, não é desculpa para a sua prática e respetivo encobrimento. Contudo, não são todos. Porquê tamanha generalização?

Agora, não deixo de prevenir os mais incautos: cuidado nesse regresso ao passado, não vá retornar com o tempo – nessa anarquia moral –, a legalização da pedofilia.

Espero que todos quanto intelectualmente honestos possam observar toda esta situação em sentido lato e não se deixem ir, irrefletidamente, na onda fácil da crítica injusta, compulsiva e pouco esclarecida.