A actualidade recente fica marcada por dois anúncios de destacadas figuras do PSD que visam sinalizar uma aparente viragem à direita em matéria de políticas de imigração. O Ministro da Presidência, António Leitão Amaro, anunciou a criação de uma unidade especificamente dedicada ao controlo de fronteiras e expulsão de imigrantes em situação irregular, fazendo da deportação de imigrantes ilegais uma prioridade da acção governativa. Em entrevista ao Observador, António Leitão Amaro acusa mesmo o governo de António Costa de ter deixado um grave problema por resolver na imigração em Portugal.

Por seu lado, e na mesma linha, Carlos Moedas aproveitou o seu discurso nas cerimónias oficiais que assinalaram mais um 5 de Outubro para dirigir um alerta vincado sobre os problemas da imigração, frisando que Portugal não pode “aceitar uma política de portas escancaradas que conduz à desordem”. Foi quanto bastou para, sem surpresa, os sectores mais radicais da esquerda criticarem duramente o Presidente da Câmara de Lisboa: o BE, por exemplo, acusou Carlos Moedas de ser um “pequeno Napoleão” enquanto o Livre associou o mesmo Moedas ao discurso da “extrema-direita” sobre imigração.

Se corresponderão ou não a mudanças efectivas nas políticas de imigração é uma questão que só no futuro terá resposta mas a verdade é que, fora da bolha da esquerda radical, tanto as posições expressas por António Leitão Amaro como por Carlos Moedas parecerão de elementar bom senso. Mas não é menos verdade que até muito recentemente poucos se atreveriam a enunciá-las publicamente na forma como foram agora apresentadas, em parte pelo risco de serem vistos como politicamente incorretos e acusados de serem de “extrema-direita”.

Algo mudou para possibilitar este tipo de discurso e essa mudança não veio do centro mas precisamente das margens, nomeadamente da pressão exercida nesta matéria pelo Chega e por movimentos mais ou menos orgânicos de protesto que se têm vindo a formar no âmbito da sociedade civil.

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Janan Ganesh, num muito recomendável artigo publicado no Financial Times (“Can liberals be trusted with liberalism? If the woke movement is now fading, it wasn’t the sensible centre that beat it back”) assinala um fenómeno similar relativamente ao recuo do movimento woke. O wokismo parece finalmente — e felizmente — estar em perda, mas a resistência ao fenómeno não veio do centro temoroso mas sim de outras esferas. Como explica Ganesh:

“There is now some data to support the anecdotal impression that woke-ism at its most censorious peaked a few years ago. I wish those of us in the liberal centre could take a bow. But who led the resistance when it was hardest? Single-issue feminists. Rightwing free speech zealots. Political casuals with a radar for humbug.”

O tema do wokismo tem sido brilhantemente analisado entre nós por uma outra colunista do Observador – Patrícia Fernandes – e não tenciono neste espaço desenvolver uma análise aprofundada do tema. Mas importa assinalar que no wokismo – tal como na imigração – a resistência aos piores excessos de políticas orientadas pela esquerda radical no momento em que essa resistência era mais difícil e custosa não veio do centro temoroso mas sim de quem teve a coragem suficiente para não recear ser acusado de radicalismo por defender políticas de bom senso.

A verdade é que tanto os temas da imigração descontrolada como o do wokismo demonstram que o centro tem, infelizmente falhado, deixando caminho aberto à formação e crescimento de movimentos de direita radical como única alternativa de protesto e resistência. Como escrevi a propósito do resultado das recentes eleições na Turíngia e na Saxónia (“As eleições na Alemanha e o centro moribundo”):

“Não será certamente através de proclamações vazias das virtudes do centro político e de denúncias de papões de “extrema-direita” que o crescimento das novas forças populistas poderá ser travado. Especialmente quando essas denúncias têm frequentemente origem em figuras decrépitas e desacreditadas do regime que se agarram aos seus privilégios (frequentemente obtidos de forma ilegítima) ao mesmo tempo que pregam as virtudes da moderação, da sobriedade e da austeridade (para os outros).”

Declarações como as de António Leitão Amaro e Carlos Moedas são positivas e devem ser elogiadas mas precisam de ser concretizadas em acções concretas e eficazes para que o centro recupere a sua vitalidade. Enquanto os protagonistas do centro político continuarem reféns do politicamente correcto erigido pela esquerda radical e temorosos de serem acusados de ser de “extrema-direita”, o campo continuará aberto para que os movimentos de direita radical e populista cresçam. Só oferecendo respostas concretas e eficazes para os problemas reais das pessoas — e sem temor das estratégias de intimidação da esquerda radical — será possível travar esse crescimento.