Caro leitor, comecei esta crónica com uma pergunta que paira no ar há vários anos, mas a que sucessivos governos e executivos camarários têm recusado dar uma resposta digna.

O motivo que me leva a escrever esta crónica é a notícia do passado dia 25 de Agosto, em que o Governo, na pessoa da secretária de Estado da Habitação, Marina Gonçalves, admite congelar, a partir de Novembro de 2022, rendas anteriores a 1990.

Por um lado, para os inquilinos mais idosos e estabilizados nas suas casas, com rendas mais baixas, esta notícia é motivo de júbilo, pois permite-lhes manter as rendas a preços mais baixos. Mas, por outro lado, para gerações mais jovens como a minha, é o prolongar de um pesadelo.

Esse pesadelo tem vários anos, com um mercado de arrendamento perfeitamente inseguro, em que os dois lados da barricada, senhorios e inquilinos, não são ouvidos de forma equilibrada. Como os senhorios tiveram rendas congeladas durante décadas, assim que tiveram a oportunidade de vagar uma casa, fizeram aplicar a curva da oferta e da procura da microeconomia.

Havendo oferta baixa e muita procura, essa curva evolui para um grande aumento dos preços, pois os mercados são dinâmicos. Acho que a senhora secretária de Estado, das duas uma: ou não estudou microeconomia na faculdade, estando mal assessorada no momento de proferir declarações com elevados impactos económicos na vida das pessoas, ou, pior ainda, está a favor de uma guerra geracional e de uma agenda que quer favorecer apenas o lado estável dos inquilinos antigos das casas, condenando gerações de jovens a hipotecar a sua vida para taxas de esforço elevadíssimas para arrendar uma casa.

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Isto já vem de trás, desde os anos 80 do século XX, tendo criado o fenómeno do crescimento das periferias, como Almada, Seixal, Amadora e Sintra, onde a construção proliferou para acolher milhares de jovens famílias que foram obrigadas a sair dos centros das cidades.

Em Lisboa, para tentar evitar o êxodo de jovens, criou-se a EPUL, que fez várias urbanizações, criando novas centralidades e casas mais acessíveis, mas sempre na perspetiva da aquisição de imóveis. O arrendamento foi sempre o parente pobre.

A Lei NRAU 8/2012, também conhecida por “Lei Cristas”, teve várias imposições vindas da troika, que se apercebeu da bizarria em que vivia o mercado de arrendamento nas grandes cidades: rendas muito baixas para inquilinos antigos e oferta diminuta de casas para arrendar e com preços proibitivos. Tentou-se arranjar um novo equilíbrio, em que as rendas antigas eram atualizadas por negociação com o senhorio, com base em 1/15 do valor patrimonial do imóvel.

Claro que os mais idosos não conseguiram suportar esse aumento matemático e criaram-se patamares intermédios, a um prazo de cinco anos, de modo a tentar suportar o aumento. Ao mesmo tempo, o Governo da época salvaguardou na Lei a criação de subsídios de renda para auxiliar os inquilinos após esses cinco anos de carência.

As rendas para os mais jovens começaram a baixar, mas continuaram altas, pois a oferta continuava baixa. A primeira solução do Governo PS, assim que chegou aao poder, foi a de prolongar o período de carência das rendas antigas por mais cinco anos, até 2022.

A juntar ao fenómeno de um mercado de arrendamento desequilibrado, juntou-se o fenómeno do imobiliário, em que as casas em Lisboa, desde 2016, têm vindo a aumentar o preço de venda. Um comum português em início de vida não consegue comprar casas na cidade de Lisboa, onde os aumentos de preço têm sido superiores a 30% desde então. Não há habitação para jovens e o T2 mais barato em construção em Lisboa, na zona da Alta do Lumiar, fica por 320 mil euros. E se formos para a periferia, fica também difícil arranjar uma casa em construção por menos de 200 mil euros, num raio de 20 quilómetros em volta de Lisboa.

O mau funcionamento do arrendamento veio juntar-se ao fenómeno do imobiliário e deixa as gerações mais jovens com um problema em mãos: quando é que se atinge a independência e se sai de casa dos pais?

Por vontade do Governo PS e desta secretária de Estado, a pergunta dificilmente será respondida, pois o sucesso dos últimos programas de arrendamento — Programa Renda Acessível-Lisboa e o Programa de Arrendamento Acessível – é muito baixo. Por exemplo, esqueceram-se de algo básico: criar condições de segurança e proteção na lei que permitam garantir segurança aos senhorios para casos de incumprimento. Nenhum senhorio quer estar três anos em tribunal para reaver a sua casa quando um inquilino lhe deixa de pagar renda. E, ao mesmo tempo, esqueceram-se de criar melhores benefícios fiscais, pois rendas de curta duração continuam a ter impostos muito elevados.

Pior ainda, o Governo PS, com o apoio da esquerda parlamentar, com a nova Lei de Bases da Habitação, pretende hostilizar os senhorios que tenham casas devolutas, pretendendo promover a expropriação se estas não forem para o mercado. Isto tem um efeito perverso: destrói o conceito de propriedade privada e cria uma maior desconfiança nos decisores por parte dos proprietários.

Caros decisores políticos, o problema do imobiliário e do arrendamento existe, é real, e não se resolve com cegueira ideológica nem a fazer favores a certas franjas da população para ficar bem nos votos.

Se falta oferta, criem-na. O Estado é um dos maiores senhorios. Pode entrar e ser um “player” ativo no processo. Se falta segurança e confiança na lei, promovam-na. Dar poder aos tribunais para resolver litigâncias em menos tempo é uma prova de confiança. Se por uma simples dívida bancária a resolução é rápida, no arrendamento também o deveria ser.

Empurrar o problema para a frente, como veio propor a secretária de Estado da Habitação, não é solução. É criar injustiças e clivagens geracionais entre jovens e idosos.

Deixo aqui a minha humilde sugestão: reúnam com todos os agentes envolvidos — associações de inquilinos e associações de proprietários. Ouçam as sugestões de ambas as partes, ponham de parte a cegueira ideológica e procurem arranjar um equilíbrio entre a oferta e a procura, como sugere a curva lecionada em microeconomia.