Impacto – vem do latim Impactus. Não se trata de um choque qualquer, mas um com uma penetração profunda

Quando, em 2007, decidi arrancar com a criação da Terra dos Sonhos para tentar contribuir, de um modo significativo, para melhorar a qualidade geral da saúde emocional de crianças e jovens que estavam em situações de grande fragilidade física e mental, não estava preocupado com relatórios de impacto, prestação de contas ou demonstrações de resultados. Queria apenas por os meus talentos e recursos ao serviço de algo maior. Ou, como se diz em bom português, ser útil e sentir-me útil.

O que me moveu foi uma busca – à data menos consciente do que agora – de propósito e sentido para uma vida demasiado centrada em mim mesmo até então. Não que ache possível ou viável deixar de ser eu o principal “capitão do meu destino” porque, quer queira, quer não, é comigo que vivo todos os dias. Mas a realidade é que quando dedicamos a maior fatia do nosso tempo produtivo a arrecadar coisas e dinheiro para nós e para os nossos, não me levem a mal, mas sabe a poucochinho. E eu não queria ser poucochinho. Queria usar tudo o que tinha para mudar vidas. Para mudar a sociedade. Para dar uns valentes abanões em tanta coisa feia que por aí via. A começar pela forma como as pessoas olham para si e para as suas possibilidades na vida e constantemente se amputam no seu potencial.

Depois entrei no mundo das organizações sociais, do empreendedorismo social*, da inovação social e de tudo o que havia para saber do social. Não o das revistas, mas o das alternativas reais aos problemas sérios que temos. Não o dos convívios prazenteiros de um fim de dia, mas o das noites mal dormidas a pensar numa família com um filho às portas da morte. Não o do “disse que disse”, mas o do “faz-se agora, porque já se faz tarde, e é preciso fazer”. Apaixonei-me e enchi-me nos ossos e no seu interior de uma visão que vê em todos uma fonte de mudança positiva no mundo. Sonhei ajudar os outros a verem o seu sonho e a segui-lo. E assim fiz. Mas, no fim do dia, tinha sempre o mesmo problema – é difícil no mundo onde vivemos, pensar primeiro nas pessoas. Porque tudo nos obriga a pensar primeiro nos números.

Nas formações de empreendedorismo social, explico aos potenciais empreendedores a necessidade de termos um plano e um projeto que junte paixão, competências e interesses e se transforme em impacto real na vida das pessoas. E insisto na necessidade de o sabermos comunicar a quem está interessado nos resultados que podemos oferecer, apresentando sempre – claro está – os indicadores de impacto. O problema surge quando os financiadores ou potenciais financiadores dos projetos pedem resultados como fazem nos bancos. Teorias complexas, rácios complicados, demonstrações que não deixem dúvidas de que o “dinheiro está a ser bem aplicado”. É certo que quem está nas organizações tem que ser responsável e responder pela gestão dos recursos – é fundamental que assim seja, pelos valores e transparência que se impõem. Mas não me peçam para traduzir em números o brilho no olhar de uma mãe que vê um filho sorrir pela primeira vez em muitos anos. Que converta a alteração de energia de uma comunidade que consegue, por si só, começar a realizar algo que nunca conseguiu antes, em rácios que comprovem a mudança interior. Ou que prove, sem resquício de qualquer dúvida, que a vida de um velhote que tem companhia melhorou substancialmente pela companhia de um jovem estudante. Sabemos que houve impacto porque somos humanos e sentimos. Ponto final.

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Terra dos Sonhos – 10 anos de sorrisos em caixa

Os números e a consistência do racional são necessários, repito, no sistema de sociedade que optámos por construir. E fundamentais para sobreviver com o mínimo de qualidade de vida e conseguir fazer seja o que for. Até para demonstrar aos mais céticos o poder de mudança dos projetos. Mas o que eu gostava mesmo era de viver num mundo onde um sorriso bastasse e fosse argumento mais do que suficiente para qualquer investimento. Eu dava tudo para só ter bem-estar á minha volta. Daquele que não se compra com dinheiro, mas que nasce na emoção da humanidade e da generosidade. Utópico? Talvez. Mas todas as grandes mudanças na sociedade foram, em algum momento anterior na linha do tempo, utopias.

Um projeto de empreendedorismo social tenta resolver um problema. E temos que tentar perceber se o problema está a ser resolvido. Certo. Mas, mais do que isso, ele foca-se na melhoria da vida interior e no bem-estar psicológico e emocional de pessoas que, por si só, não são autossuficientes nesta matéria. E isso, meus senhores, também é impacto. Daquele cuja etimologia da palavra fala – In (em direção ao interior) Pactus (de fixar, gravar). E este de que falo, fica bem gravado lá dentro. Na alma. Ora meçam lá o R.O.I.** disto!

* Empreendedorismo social – a arte dos malucos que acham que podem mudar o mundo, resolvendo, na raíz, um determinado problema social, com recurso a tudo o que de melhor é feito pelo homem, em colaboração com todos e pelo conhecimento acumulado de milénios de vida na Terra. E no fim sorriem, aprendem com o que fizeram, recebem o seu salário emocional e partem para outro problema, ou para outra geografia com o mesmo problema.

** R.O.I. (Return On Investment) – indicador financeiro que mede a taxa de retorno de determinado investimento e que se apura calculando a relação entre o dinheiro ganho ou perdido através de um investimento, e o montante de dinheiro investido.