Enquanto os portugueses usualmente gostam de surpresas, os japoneses, tipicamente, detestam-nas. No Japão, o que se quer de um familiar, amigo, sócio ou governante é previsibilidade. E isto não se limita às surpresas desagradáveis, mas inclui também as surpresas que que qualquer cidadão luso consideraria agradável, como presentes-surpresa, festas-surpresa ou promoções-surpresa. Que imprevisibilidade é aquilo que há mais a temer, seja de quem nos quer mal, seja de quem nos ama, é retratado na seguinte fábula nipónica:
“Um bando de corvos reuniu-se, certo dia, num recôndito recanto de um denso bosque para examinar os recém-emplumados que tinham chegado à idade de voar, para lhes testar a sabedoria e assim determinar se seriam dignos de ser recebidos pelas gerações maduras na corporação dos penas-negras, e três jovens apresentaram-se a juízo.
“Inquiriu o presidente da agremiação ao primeiro moço: ‘Dizei-me: o que é mais temível e pavoroso neste mundo inferior?’
“Respondeu o pirralho: ‘Uma flecha!’
“Ao ouvir esta solução o bando bateu penas de admiração e o pai da cria alisou a plumagem de orgulho. O examinador replicou: ‘Falais verdade e mereceis ser pleno membro da nossa corporação.’
“Perguntou depois ao segundo: ‘E que dizeis vós?’
“Replicou o candidato: ‘Considero o arqueiro hábil mais temível que a sua frecha, pois sem a destreza do archeiro uma seta não é mais temível que o ramo em que agora me pouso.’
“Ao ouvir isto os corvos grasnaram de assombro, o pai do prodígio ficou mudo de vaidade e o chefe do bando, coçando a pinha com uma garra, disse: ‘Não há dúvida que tendes razão e mereceis admissão.’
“Finalmente dirigiu-se ao terceiro dos menores: ‘E que tendes vós a dizer sobre esta questão?’
“Ripostou o candidato: ‘Considero ambos errados, pois é o flecheiro desastrado que faz gelar de medo o sangue nas minhas veias e eriçarem-se de pavor as penas no meu dorso.’
“Ao ouvir isto a assembleia ficou silenciosa de espanto e o seu cabeça inquiriu: ‘Porque dizeis tal cousa?’
“Arrazoou aquele: ‘Então, com um arqueiro hábil basta um pequeno desvio para um ou outro lado, assim que se ouve o tanger da corda do arco, para deste modo nos escaparmos à flecha. Mas com um mau archeiro tudo é imprevisível e não sabemos se devemos voar para cima ou para baixo, para um lado ou o outro, pelo que qualquer reação, bem como a sua omissão, nos pode fazer perigar a vida.’
“Ao ouvirem tamanha sapiência de alguém que há uma lua ainda não tinha saído da sua casca, todos os corvos se prostraram à sua frente e fizeram-no logo ali seu maioral.”
Moral da história: não há pior adversário — ou aliado mais perigoso — que aquele que é imprevisível. Poucas coisas nos tiram tanto a paz e o gozo neste mundo inferior que a infelicidade de ter chefes, filhos, leis tributárias, concorrentes, subordinados, maridos ou mulheres, ou governos imprevisíveis ou erráticos — seja por estratégia, seja por incompetência.
U avtor não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue coumu qver & lhe apetece. #EncuantoNusDeixam