Tudo indicava que o verão de 2024 fosse tranquilo em matéria de incêndios. Até o dia 31 de agosto, Portugal registava apenas cerca de 10.000 hectares de área ardida – o melhor resultado desde 2014. Porém, esse cenário mudou drasticamente na segunda quinzena de setembro. Em menos de uma semana, o número de ignições disparou, e a área devastada pelo fogo aumentou dez vezes em comparação com as semanas anteriores. O governo declarou estado de calamidade.

A região Norte foi fustigada pelas chamas. Foi sobretudo atingido o distrito de Aveiro, com incêndios intensos nos concelhos de Oliveira de Azeméis, Albergaria-a-Velha e Sever do Vouga. O incêndio de Oliveira de Azeméis, em particular, reacendeu-se após ter sido aparentemente controlado no dia anterior, voltando a ganhar força destrutiva. Longe de ser um caso isolado, o que ocorreu em Oliveira de Azeméis é o reflexo de uma realidade recorrente no país: os reacendimentos.

Os reacendimentos surgem quando o rescaldo de um incêndio é feito de forma deficiente, sendo muitas vezes causados pela desatenção ou pelo cansaço extremo dos operacionais ao chegarem à fase de rescaldo. O rescaldo, que consiste na eliminação completa de qualquer fonte de combustão no perímetro do incêndio para evitar novas reativações, é uma tarefa exigente. Esta operação requer uma vigilância constante e o uso de água nos chamados “pontos quentes”, que são identificados durante a vigilância ou mesmo durante o combate, além da criação de faixas de contenção com o uso de material sapador.

Em 2016, um em cada cinco incêndios que começavam durante a noite resultava da reativação de um incêndio anterior. Em 2023, os reacendimentos ainda representavam 3,2% das causas de incêndios, de acordo com dados da AGIF. Embora a redução seja visível ao longo dos anos, os reacendimentos ainda são uma realidade preocupante, mais não seja, pela dimensão e força dos fogos reincidentes.

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Isso levanta questões: será que os bombeiros estão a negligenciar o rescaldo? Falta-lhes formação adequada para essa tarefa? Devemos responsabilizá-los publicamente por não cumprirem com rigor o seu trabalho? A resposta é clara: não. Estamos a falar de homens e mulheres que, após horas extenuantes no terreno, frequentemente se encontram em estado de grande cansaço físico, o que impacta diretamente o rendimento e a eficácia das operações de rescaldo. Além disso, é compreensível que, após longas jornadas de combate a incêndios, equipas exaustas subestimem o trabalho de rescaldo, que é, como já mencionado, extremamente trabalhoso e demorado. É fundamental reconhecer as condições sob as quais estes profissionais operam e buscar soluções que melhorem a eficácia nessa fase crítica. Portanto, culpar exclusivamente os bombeiros não só seria injusto, como contraproducente.

A verdade é que não são necessários mais fundos, mais recursos ou mais investimentos para resolver este problema. O essencial é uma mudança de abordagem em relação à fase de rescaldo. As hierarquias operacionais precisam de tratar o rescaldo com a mesma importância que atribuem ao combate ativo às chamas. É crucial garantir os meios adequados para essa fase crítica, sim, mas, acima de tudo, é forçoso garantir uma gestão eficaz das equipas e promover a substituição periódica dos operacionais para evitar o esgotamento físico. Com uma gestão adequada dos recursos humanos, podemos reduzir significativamente – ou até eliminar – o risco de reacendimentos.

O problema dos incêndios em Portugal é premente, mas também se apresenta como quase insolúvel — um crime sem autor que nos assola anualmente, uma catástrofe sem uma face clara. Diante dessa realidade, resta-nos aprimorar o que conseguimos compreender e enfrentar diretamente. O problema dos reacendimentos continua a ser pouco abordado, apesar de representarem uma parcela não desprezável das causas de incêndios e dos fogos reincidentes serem frequentemente os mais destrutivos e perigosos. Melhorar a forma como tratamos a fase de rescaldo, embora não resolva por completo o problema dos incêndios, permite-nos pelo menos atenuar esta tragédia recorrente.