Inflação, na sua definição austro-clássica, é o aumento da quantidade de dinheiro e de meios de pagamento em circulação numa economia. Assim, quando um banco central emite moeda do nada (via papel, mas sobretudo via registo electrónico) está a criar inflação. Todavia, actualmente, a definição comum é diferente: a consequência inevitável da inflação, isto é, a subida generalizada dos preços passou a ser designada inflação, o que pode parecer um mero pormenor para alguns, mas na verdade acaba por dificultar a busca pela raiz do problema. Em resumo, uma subida generalizada dos preços – uma inflação de preços – é causada fundamentalmente pelo aumento da quantidade de dinheiro na economia e a quantidade de dinheiro na economia decorre das políticas monetárias do governo ou/e do banco central. Este último, embora goze de independência formal, não deixa de estar intimamente ligado ao governo.
A ligação entre banco central e governo explica-se rapidamente. O governo tende a expandir o seu orçamento para fazer face às promessas e necessidades crescentes da clientela que o elegeu. Gastos crescentes são quase inevitáveis na barganha por votos entre os vários partidos, mesmo os mais comedidos. Curiosamente, o público aceita-a e em grande medida clama por ela, mas não gosta de pagar muitos impostos. Por isso, abre-se caminho ao expediente do déficit e, consequentemente, do crescimento da dívida pública para caucionar gastos extravagantes ou inúteis, redistribuição para setores privilegiados ou das causas do lero-lero da moda (por exemplo: ação climática; ideologia de género e outras bizarrias do Ocidente decadente). Portanto, a primeira consequência da inflação (na definição austro-clássica) é o incentivo a um ambiente social corrompido e imoral em que os mais sérios e produtivos de todos os escalões de rendimentos são sistematicamente prejudicados pela dinâmica perversa do sistema. A inflação de preços poderá demorar a aparecer, representando apenas a consequência mais visível da inflação. Muitos economistas, iludidos pela estabilidade de preços, tendem a ignorar ou menorizar o crescimento da quantidade de dinheiro e de crédito (foi o que aconteceu por exemplo nos anos 20 do século passado, em que uma inflação de preços baixa coexistiu com uma expansão significativa da massa monetária em circulação; e voltou a acontecer agora com as políticas expansionistas dos bancos centrais).
Num ambiente de não criação monetária e de aumento da produtividade é lógico que os preços desçam, se bem que nem todos os preços tivessem de descer, pois pode haver sempre fenómenos de abundância e escassez em determinados mercados que alteram o rácio de preços entre produtos. Por outras palavras, o custo da energia até poderia subir, assim como o de outros produtos, mas, em termos gerais, seria impossível uma inflação de preços generalizada se não houvesse uma inflação prévia criada pelos bancos centrais e sistema financeiro.
Para além disso, uma prolongada expansão monetária desequilibra e desorganiza a estrutura produtiva da economia, direcionando a produção e o emprego para investimentos que mais tarde revelar-se-ão insustentáveis, gerando prejuízos, desperdício de recursos escassos e criando maior desemprego. Acresce que, a costumeira desculpa de que a expansão monetária visa evitar a catástrofe tem dois problemas, pelo menos: 1) vicia os agentes económicos nas ajudas, incentivando uma moral tóxica na assunção de riscos; 2) adia uma função essencial do sistema de preços que é dar sinais aos agentes económicos para tomarem as suas decisões livres.
Como combater a inflação de preços?
O que não fazer
Mentir. É a técnica habitual da generalidade dos governos e o governo português é especialmente competente neste campo. Entre um chorrilho de manobras e de intrujice, a mais evidente é a alimentação constante da ilusão monetária, isto é, propagandear rendimentos nominais quando as contas que devem ser feitas são as dos rendimentos reais. Mas há mais: embrulhar as supostas benesses como um grande feito quando elas apenas representam uma fração dos ganhos do estado em matéria de colecta decorrentes do aumento da base tributária (devido à inflação de preços) para aplicação do IVA.
Controlos e congelamentos de preços. Na hipótese menos má, a curto prazo, os controlos atrasam os ajustes necessários à custa de uma pequena destruição de capital manejável. Na hipótese má, os controlos não interrompem ou arrefecem a inflação de preços, desorganizam a economia e destroem capital ao eliminar as margens de lucro. No extremo, gerarão escassez e incentivarão o mercado negro e o saque.
O que fazer?
Baixar as despesas públicas e os impostos. Estando a raiz do problema nos excessivos gastos públicos que obrigam a impostos cada vez mais altos ou a déficits acumulados, atacar a raiz do problema terá de passar necessariamente por uma abordagem simultânea aos excessivos gastos públicos e aos impostos. Qualquer solução pela metade é um contributo para perpetuar o problema, um empurrar com a barriga que será pago pelas gerações futuras. Em concreto, o governo nem precisa de invocar problemas constitucionais para não baixar salários; bastará simplesmente congelá-los e assumir que há de facto um decréscimo real, falando assim a verdade. Quanto aos impostos, o abaixamento deverá ser na medida em que permita um equilíbrio orçamental em cada ano. Simultaneamente, a abertura da maioria dos serviços públicos à iniciativa privada, através de privatizações, desregulamentação e simplificação, facilitaria a transição de funcionários públicos para o privado, onde os salários se ajustariam à produtividade e risco.
Em 29 de Março de 2020, quando as medidas tomadas a propósito da COVID-19 puseram o mundo numa dimensão até aí impensável, na qual negócios inteiros foram proibidos de trabalhar, a Oficina da Liberdade produziu um documento com propostas de atuação. A ideia de baixar as despesas públicas e os impostos parecia óbvia também nessa altura, já que grande parte dos funcionários públicos foram para casa “ver a Netflix”, pelo que não faria sentido remunerá-los por inteiro, quando na atividade privada os chamados apoios do estado eram menores. Em suma, feita a borrada dos confinamentos, ao menos pedia-se alguma decência na distribuição dos prejuízos. Em vão!
Hoje, a ideia é a mesma – baixar as despesas públicas e os impostos – mas com uma diferença substancial: não é preciso cortar salários nominais dos funcionários públicos.
Algum partido, mesmo o suposto liberal, vai propor algo parecido com isto?
Nota editorial: Os pontos de vistas expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.