Eleições 2019. Uns partidos promovem as mulheres na política e nos topos das empresas, outros querem garantir igualdade salarial, outros aumentar a proporção de jovens portuguesas que seguem para as áreas científicas.
E temos um partido – a Iniciativa Liberal – quer facilitar às mulheres que sejam prostitutas. São opções. Cada um tem a visão das mulheres que consegue.
Legislar (lei da paridade) de forma a garantir que toda a população está minimamente representada na Assembleia da República? São ferozmente contra e fazem teatrinhos com as listas de deputados a gozar com este direito conquistado e que só trouxe mulheres ótimas e de grande mérito para a política. (Os únicos dois candidatos IL com remotas possibilidades de serem eleitos são homens – claro.)
Mas legislar para que tenhamos mais prostitutas? Ora vamos lá a isso, que boa ideia. Mercados são fixes e tudo se compra e tudo se vende. Consta no programa do partido ‘regulamentar a prostituição’ (novilíngua para exploração sexual de mulheres) e passei no twitter no outro dia pelo anúncio de um debate (dos poucos que tiveram) para ‘liberalizar a assistência sexual’.
Primeiro foi o candidato da IL protecionista de toda a vida e de repente virou adepto do comércio livre para as eleições. Depois, a ex-deputada que recebe uma subvenção vitalícia aderindo à IL. Agora querem tornar a prostituição uma opção de carreira viável para as mulheres portuguesas – e para as imigrantes que para cá forem traficadas, claro. Até alargam a esfera de liberdade das mulheres permitindo-nos prostituir-nos, que fofinhos. Um partido ‘novo’ destes não se inventa.
Pontos nos is. 90% das pessoas prostituídas são mulheres. A prostituição é, de longe, a profissão mais mortífera do mundo. Legalizar e regular a prostituição aumenta o número de mortes de mulheres prostituídas. E aumenta também o tráfico humano e o tráfico sexual, de que a prostituição é o negócio mais chorudo – 72% das vítimas de tráfico humano são mulheres. A violência dos clientes sobre as prostitutas é mal geral.
São estas as consequências das políticas que a IL, com a leviandade e superficialidade do costume (nada é estudado, nada é medido), propõe. Vindo de um partido onde qualquer legislação benéfica para a situação das mulheres é repudiada – anti quotas; consideram que as diferenças salarias entre mulheres e homens são naturais e resultado das diferenças biológicas entre homens e mulheres, um problema inexistente; querem quase extinguir o estado social com a sua absurda taxa plana de 15% de IRS, quando as mulheres são as maiores recetoras dos apoios sociais – a defesa da prostituição como trabalho normal não deixa de ser elucidativa da visão que têm do papel das mulheres.
Estas excentricidades costumam vir dos partidos de extrema-esquerda. O BE em Lisboa, por exemplo. Em Barcelona, Ada Callao é grande apoiante do lóbi proxeneta. Mas estes partidos têm a visão de trabalho sexual perfeitamente aceitável e julgam retirar-lhe o estigma e perigos. Ou – como me disse Harriet Langanke, jornalista de Colónia, do Centro para a Sexologia e Sexualidade, que trabalha com as prostitutas da cidade (maioritariamente não alemãs) – deve-se ter uma abordagem pragmática que garanta pelo menos cuidados de saúde às envolvidas. O que sucede na Alemanha, ainda que muitas evitem o registo que a lei protetora de 2017 requere.
Porém da IL fui procurar e encontrei uma pequena mas eloquente descrição do presidente, Carlos Guimarães Pinto, do que é uma prostituta. Aterrador pela leveza com que fala de um problema que representa vidas de miséria. A prostituição é dada como atividade que uma mulher escolhe livremente, ‘sem pensar duas vezes’. Não parece abarcar que as causas da prostituição são o tráfico sexual, extrema pobreza, problemas psicológicos e dependências variadas. Constata que as prostitutas julgam ter uma boa vida, dinheiro fácil, sem trabalhar muito – em vez de, enfim, não. Mais: são mulheres de má qualidade, com filhos de diferentes pais, não usam contracetivos.
É um texto de um blogue, logo deve ser lido com um grão de sal. Mas vem totalmente a despropósito do assunto do post (o salário mínimo) e não deixa de ser revelador de uma certa mundividência. Uma pequena história onde não se criticam os pais dos filhos que os deixam sem sustento e permitem que a mãe tenha de recorrer à prostituição (ah, ela gosta). Um mundo puritano e provinciano onde os homens não casam com mulheres que têm filhos de outros homens. E, cereja, prostituta lisboeta – o que, em alguém tão obsessivamente anti lisboeta como o presidente da IL, não é pormenor despiciendo. Verão como boa ideia tornar Lisboa num destino de turismo sexual?
Neste momento cidades como Amsterdão repensam os excessos da liberalização da prostituição. Mas a IL, em contra tendência, tem esta nobre prioridade política: dar a possibilidade de comprar sexo com segurança a homens com dinheiro e explorar sexualmente mulheres pobres. Antes na prostituição que na política ou nos conselhos de administração das empresas, não é?
Fica aqui a história:
‘A Natacha engravidou pela primeira vez aos 17 anos. O namorado, de 16, não quis saber. Aos 23 já tinha 3 filhos. Quando os pais morreram ela deixou de ter quem a ajudasse. Agora, sozinha, recebe o salário mínimo nacional, que mal dá para a renda de casa em Lisboa. A verdade é que com 3 filhos, nem 800€ lhe chegariam. A Natacha tem bom aspecto e vai tendo namorados, mas nenhum se quer casar com uma mãe de três filhos. Um dia, ao passar pelas páginas do Correio da Manhã, surge-lhe uma ideia sobre como dar a volta à sua vida. Avança sem pensar duas vezes. Passados 6 meses, já com algumas poupanças, aluga um T2 para a família e um estúdio para receber os clientes. Numa dessas noites, antes de receber um cliente, liga a televisão e fica a saber que o salário mínimo nacional aumentou 20€. “Que miséria, não percebo como pode alguém sobreviver em Lisboa com esse dinheiro”, pensa enquanto se prepara para o próximo cliente.’