O potencial impacto da inovação social corporativa

Há quase uma década, mais precisamente em 2016, a AXA lançou uma unidade de negócio de seguros inclusivos – AXA EssentiALL – para colmatar o que, dependendo da perspetiva, pode ser visto exclusivamente como um problema social ou uma falha significativa de mercado.

O problema era a lacuna de proteção (diferença entre perdas seguradas e não seguradas) que afeta as famílias de baixos e médios rendimentos e as microempresas nos mercados emergentes, oportunidade que pouco interessava até a data se olhássemos numa ótica tradicional de negócio.

De um segmento aparentemente desinteressante, com uma capacidade económica altamente volátil, criaram uma oportunidade para 14 milhões de clientes em 14 mercados emergentes e neste ano de 2024, vão expandir para 7 países da Europa, porque perceberam que a lacuna de proteção é também uma realidade europeia com potencial de negócio.

Outros casos bem sucedidos 

Falo da AXA, mas podia falar de muitas outras empresas. Não estou a falar de filantropia ou de responsabilidade social elementar. Atirar uns tostões a problemas sociais faz-se há muitos anos, mas incorporar inovação social no ADN do negócio é mais arrojado.

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No entanto, os exemplos não faltam. Outro deles é a Sanofi e o seu foco em adereçar países de rendimentos baixos sem ou com pouco acesso a medicamentos, ou da SAP e da sua estratégia de Procurement social com a meta ambiciosa de direcionar 5% dos gastos com fornecedores em empresas sociais e 5% em negócios diversos até 2025. Ou ainda da Danone Communities, um fundo de capital de risco que investe em negócios sociais com uma ligeira diferença dos restantes: o principal acionista do fundo são os colaboradores da Danone com mais de 40% de participação. Empurrados por uma liderança visionária e uma lei com os incentivos adequados, hoje apoiam mais de 15 negócios sociais em 24 países.

Realidade em Portugal

Se olharmos para a realidade em Portugal, o Balanço Social retrata uma realidade que se não nos abrir os olhos, tem de pelo menos, no mínimo dos mínimos, nos deixar preocupados. O estudo feito pela Nova School of Business & Economics destaca que 29% da população se encontra em situação de vulnerabilidade económica. Se formos mais a fundo, encontramos outras estatísticas assustadoras, como a de que 12,1% das pessoas que trabalham são pobres.

Mas os problemas sociais não são para o setor público e o setor social resolverem? Talvez, mas parece-me míope as empresas não prestarem atenção. Não só porque uma sociedade saudável é crucial para um negócio saudável, mas também porque 29% da população é uma fatia demasiado grande da população para não esconder oportunidades interessantes de negócio.

As empresas visionárias, que conseguem olhar para além da sua demonstração de resultados, estão a olhar para os problemas sociais de outra forma e é aqui que nasce a inovação social corporativa.

Não são empresas que já nasceram inclusivas, são empresas com décadas ou séculos de existência que se estão a transformar com o ondear das tendências, adaptando-se aos acontecimentos e não se deixando adormecer na sua inércia de gigante.

A expectativa de retorno

Isso é tudo muito bonito, mas então e o retorno? Se analisarmos os negócios sociais dentro de uma empresa ou a inovação social corporativa exclusivamente numa ótica de negócio clássica, de puro retorno financeiro a curto ou médio prazo, e compararmos com outros projetos no portfólio da empresa para decisão, podemos ser sinceros, os potenciais retornos financeiros não são os mesmos. Potencialmente nunca o serão.

Mas se conseguirmos ter uma abordagem mais abrangente e não nos cingirmos à miopia do curto prazo, podemos ver o potencial de explorar novos segmentos de mercado, que hoje estão numa situação de vulnerabilidade, mas amanhã talvez já não. Hoje podem ser clientes que só conseguirão pagar uma percentagem do preço de um produto ou serviço, mas no futuro talvez já não. E quem apoiar este segmento hoje, amanhã estará mais preparado para colher os servir. Para servir, reforço, um segmento que corresponde a 29% da população.

O Dilema da Inovação (Social)

Para os especialistas em inovação, vou fazer uma extrapolação no mínimo ousada, mas que me parece oportuna. No clássico “O Dilema da Inovação” do professor de Harvard Clayton M. Christensen, o autor, de forma ponderada, estruturada e apoiada em evidência, mostra que as grandes empresas têm fortes desincentivos a inovar uma vez que as novas formas de fazer negócio podem minar os modelos de negócio existentes, ou os novos mercados não darem ainda sinais de serem interessantes o suficiente para o investimento necessário.

Ao ritmo que as desigualdades sociais estão a crescer, que a lacuna de proteção aumenta, que as tensões sociais se agravam, gostava de deixar uma questão para os executivos de topo “ruminarem” no fim de semana – será que ao usarmos a mesma ótica de negócio clássica, e negligenciarmos populações mais vulneráveis, não estamos a perder oportunidades interessantes? Oportunidades de robustecer os negócios ao mesmo tempo que contribuímos para uma sociedade com mais oportunidades?

Para apostar em qualquer inovação é preciso coragem. Ponderação, estatísticas sólidas e um trabalho consistente. O risco em fazer diferente está sempre lá, maior ou menor, mas se para além de potencial retorno financeiro, o retorno se materializar em impacto social, não é um risco que vale a pena correr?

Boas reflexões.

O Observador associa-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.