A epidemia passou a fazer parte da nossa rotina. Já não nos questionamos se vamos ter mais restrições, questionamo-nos quando as vamos ter. Passámos da incerteza no futuro para termos a certeza de que o futuro vai ser instável, o que nos está a afetar a todos ainda mais.

Apesar do SARS-CoV-2 ser um vírus que está a afetar a saúde de milhares de pessoas e a pôr uma pressão sem precedentes no sistema de saúde de quase todos os países, a verdadeira crise desta epidemia ainda está para vir – a crise económica.

É difícil para os especialistas perceber a gravidade do impacto económico que vamos sentir nos próximos meses, mas é certo que podemos esperar uma crise social igualmente profunda.

Vão ser muitas as pessoas que se vão confrontar, ou já se confrontam, com problemas sociais mais acentuados e estes vão manifestar-se de forma ainda mais rápida.

Vai ser, certamente, um grande desafio, mas pode ser igualmente uma oportunidade. E esta oportunidade vai ser “obrigatória” ou os efeitos que vamos sentir vão ser ainda mais duros. Por oportunidade, refiro-me à forma como damos apoio social e fazemos inovação neste sector.

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Se o financiamento público se mantiver, ou a forma de resolver os problemas sociais se mantiver inalterada, mas os problemas aumentarem drasticamente, não é preciso fazer muita matemática para perceber que as coisas não vão correr bem.

A epidemia está a ter um impacto tão grande em quase todos os setores, que o Estado, por norma já com as suas limitações, não vai ter mãos a medir e o setor social vai ter um papel crítico no bem-estar do país. Agora, mais do que nunca.

Portugal tem algumas organizações a fazer inovação social, de reconhecimento internacional, como o ColorAdd, Academia de Código, SPEAK, entre vários outros, mas a maior parte do apoio social em Portugal continua a ser feito de forma convencional e há pouca transparência sobre a eficiência da intervenção das organizações.

Com a dimensão dos problemas sociais que vamos enfrentar, há dois aspetos críticos que têm que ser pensados na ligação entre o Estado e o sector social, para que as consequências não sejam catastróficas.

Primeiro, porque é que o financiamento do sector social deve ser feito por resultados e não por beneficiários? Isto significa, que quando o Estado investe num projeto de cursos de empregabilidade, deve olhar para a percentagem de pessoas que foram realmente empregadas e não para o número de horas dos cursos ou número de pessoas que frequentaram os cursos.

Segundo, como é que não estamos a trabalhar em criar flexibilidade e agilidade para as organizações sociais colaborarem com o governo local (como, por exemplo, as Juntas de Freguesia)? Estas colaborações devem ter resultados estipulados, que devem estar disponíveis online em tempo real para todos podermos acompanhar e tomar melhores decisões.

Muitas vezes, no sector social não existe pouca transparência na forma como o dinheiro é usado, mas existe pouca transparência nos verdadeiros resultados alcançados.

Se não começamos a levar a sério o retorno social do investimento público, vamos continuar a financiar projetos por beneficiário e a não resolver nenhum problema, propriamente.

Agora, mais do que nunca, vamos precisar de intervenções sociais eficientes, rápidas e com resultados palpáveis e para isso precisamos de medir resultados e recompensar quem está a ser mais eficiente, porque são essas as soluções que precisamos.

Segundo Albert Einstein, a definição de insanidade é esperar resultados diferentes quando resolvemos o problema da mesma forma, o que se enquadra totalmente aqui – se continuarmos a fazer o mesmo, não vamos ter resultados diferentes.

Para bem de todos, não podemos perder esta oportunidade.

João Duarte é fundador da empresa social menos. A curiosidade levou-o a viver e trabalhar em vários países e em vários contextos, desde startups, aceleradoras a empresas sociais, sempre com o objectivo de encontrar a forma mais simples de resolver os problemas sociais mais complexos. Juntou-se aos Shapers em 2018.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.