Terminada a Comissão Parlamentar de Inquérito à tutela da TAP, e aproximando-se o verão, o governo de António Costa pode, por fim, politicamente, respirar de alívio. Ao fim de um ano e meio da maioria absoluta, vários foram os escândalos que minaram a credibilidade do executivo socialista, desde revogações de despachos por parte do primeiro-ministro até a agressões físicas dentro de ministérios. Quem olha de modo retrospetivo para os últimos meses deste executivo, porventura, esquece-se até da estabilidade que lhe foi concedido pelos portugueses. Mas, no final do dia, que reformas estruturais é que esta maioria permitiu? Vamos por ministérios.

1) Idealmente, a educação nos países desenvolvidos é um elevador social, na medida em que qualquer jovem, não obstante a sua condição socioeconómica, tenha a possibilidade de ascender socialmente. Ora quando os estudantes portugueses, após um atraso nas aprendizagens, impingido pela pandemia, são confrontados com um regresso à “normalidade” escolar no qual os seus professores se encontram sistematicamente em greve, não se pode esperar que o objetivo primordial deste sistema seja cumprido. Aliás, se por um lado é discutível a justiça do descongelamento das carreiras dos professores (por diversos motivos), indiscutível é a inércia do ministério da educação, mostrando-se incapaz de tornar a carreira educativa apelativa. Sabendo que 40% dos professores em escolas públicas se vão reformar até 2030/2031, o foco atual do ministério da educação deveria ser garantir o recrutamento de 34.500 professores até 2030. Como expectável, os resultados que os rankings das escolas revelaram na última semana são sintoma de uma clara dissimetria regional e escolar, que este governo se revela incapaz de resolver.

2) De qualquer modo, supondo-se até que um jovem conclui com êxito o ensino secundário, depara-se com uma perspetiva de futuro deveras ingrata: se optar por ficar no seu país, a par de futuros salários baixos, são cada vez menores os incentivos para o ingresso no ensino superior, já que a diferença entre o salário de um licenciado e um aluno que apenas tenha concluído o ensino secundário encontra-se em 22% (outrora 51%); se por outro lado abdicar do seu país, família e amigos, tem à sua espera condições de trabalho que só com 20 anos de carreira nos seu país poderia obter. No entanto, a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social tem outro calcanhar de Aquiles na sua tutela – a sustentabilidade da Segurança Social. A lei de bases da Segurança Social, aprovada por um governo do qual António Costa fazia parte, regula que o sistema de pensões em Portugal se deve autofinanciar. O pequeno pormenor que tantas vezes escapa é que o estado português injeta 7 mil milhões de euros anuais para evitar que o sistema entre em rutura. A consequência é que, caso este modelo se perpetue no tempo, em 2080 a dívida implícita deste sistema seria superior a 250% do PIB português.

3) Por falar em idosos torna-se inevitável falar em saúde. Quando em setembro de 2019 o executivo de António Costa estabeleceu para todas as classes profissionais do SNS as 35 horas semanais, criou um grave problema no SNS em troca de uma vitória política. Isto porque esta alteração causou uma redução de nove milhões (!!) de horas trabalhadas entre 2015 e 2018. Portanto, o esforço financeiro realizado no setor da saúde nos últimos anos foi, na prática, um esforço para recuperação e não expansão da nossa capacidade. Porém, contrariamente às prováveis previsões de António Costa, os resultados destas políticas populistas tornaram-se rapidamente visíveis para qualquer português quando há um aumento exponencial de portugueses com seguro de saúde, ou quando um ministro se vê obrigado a adotar um sistema de rotatividade de maternidades, procurando garantir que uma grávida não é obrigada a deslocar-se de norte a sul para dar à luz.

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3) Relativamente aos ministérios da coesão territorial, da agricultura, e da administração interna pretendo deixar umas singelas palavras a cada, que agrupo neste só ponto. As declarações da ministra da agricultura nas últimas semanas, referindo que Portugal aguarda pelos fundos europeus para compensar prejuízos agrícolas ou estimular o setor, comprovam o problema agrário português que, ano após ano, se mostra incapaz de financiar com o próprio dinheiro português. Mas, de facto, compreende-se o ceticismo em Bruxelas para se ceder (mais) fundos, mais facilmente a Portugal. Quando cederam 16.6 mil milhões, sendo 13.9 mil milhões subvenções, apenas 2 mil milhões foram executados até ao momento. É, sem dúvida, esta a mesma lentidão que observamos na prevenção de novos incêndios como os de Pedrógão Grande.

4) Infraestruturas e Habitação. Este ministério que pertencia a Pedro Nuno Santos, e se dividiu em dois, tem dado muito material à comunicação social (não pelas boas razões). Comecemos pela habitação. Não abordarei os enésimos pacotes para a habitação que este governo já apresentou – Lei de Bases da Habitação, Arrendamento Acessível, Chave na Mão, Plano Nacional de Alojamento para o Ensino Superior, Fundo Nacional para a Reabilitação do Edificado, Programa Nacional de Habitação, Nova Geração de Políticas de Habitação – já que se resumem a uma palavra: disfuncionalidade. Porém, este governo, bem como o partido de governo, obrigam a que se fale constantemente em habitação já que, ao longo dos últimos anos, nos quais houve um grande aumento da procura de habitação, mostrou-se incapaz de criar incentivos para o aumento da oferta. Se tivéssemos mantido os nossos índices de construção, atualmente teríamos mais 500 mil casas em Portugal, que certamente equilibrariam esta balança. Além disso, nos grandes centros urbanos, e principalmente em Lisboa, paga-se muito por casa más, levando a que 60% dos portugueses vivam em casas com mais de 30 anos. Do tempo destas casas, ou até mais velha, é a questão do novo aeroporto em Lisboa, que chegou a levar à demissão de Pedro Nuno Santos. Amaldiçoado ministério, deve pensar António Costa, que apesar de demorar a decidir o novo aeroporto não demorou a renacionalizar a TAP, invocando o interesse nacional. Certamente que não valerá a pena alongar-me sobre a TAP, isto porque calculo que os portugueses já se tenham apercebido do disparate que foi a sua nacionalização. No final do dia ninguém gosta que lhe roube 3,2 mil milhões de euros.

5) Notoriamente, este governo não se contentaria apenas com a nacionalização da TAP, o que fez com que também nacionalizasse a EFACEC. Embora não tanto publicitado, os portugueses também libertam dos seus bolsos 10 milhões todos os meses para esta empresa agora pública. Desta vez foi o ministério da economia e do mar a aperceber-se de que tinha de despachar a empresa o quanto antes, antes que, para além do prejuízo financeiro, também causasse (mais) um prejuízo político ao governo. Assim, o ministro da economia e do mar, anunciou numa conferência de imprensa a venda da empresa a um fundo alemão. E rigorosamente mais nada, porque não anunciou o valor da venda, o projeto, a reestruturação, nem os prazos. Esta é a leviandade com que se tratam as empresas em Portugal.

Quando se faz uma análise do trabalho desenvolvido ao longo deste ano, ou até dos últimos sete, pelo governo e os seus ministérios há claros motivos de preocupação. Desde logo, uma incapacidade crónica de governar e, sobretudo, de tomar as decisões corretas. Antigamente, de modo errado, atribuía-se a Einstein a frase: «Insanidade é continuar a fazer a mesma coisa e esperar resultados diferentes». Ora aqui está um bom conselho de um socialista para o nosso governo socialista.