Bastaram dois meses do novo governo para ser feito o que pareceu impossível em oito – acordar com os sindicatos a recuperação integral do tempo de serviço dos professores. Ainda que se trate indubitavelmente de uma política necessária para trazer paz à escola pública, a verdade é que não devemos limitar o debate sobre a educação aos professores. Não porque não sejam parte essencial dela (de facto são), mas antes por não serem parte única. Os mais recentes resultados dos testes PISA alertam-nos para uma inconveniente realidade – são necessárias mudanças no ensino que preparem os nossos alunos para um novo mundo tecnológico. Ainda que a conjuntura política não seja a mais favorável para reformas estruturais (pelos riscos que a qualquer uma são subjacentes), não podemos passar outros oito anos a empurrar os problemas com a barriga. Pretendo, portanto, neste artigo, propor linhas de reflexão sobre o nosso sistema de ensino.

Em primeiro lugar, creio que todos compreendem que a rápida evolução do nosso mundo nos últimos anos não foi correspondida com uma rápida evolução do nosso currículo educativo. As disciplinas lecionadas atualmente correspondem, salvo pequenas variações, às mesmas que eram lecionadas no início do milénio. Ora, desde 2000, surgiu a Blockchain, foram desenvolvidos órgãos artificiais, os livros são digitais, podemos arbitrariamente alterar os nossos genes e temos já automóveis que conduzem autonomamente. Não me parece que a exata mesma escola que preparava os alunos para um mundo que ainda desconhecia estas inovações esteja de igual modo preparada para capacitá-los para este novo mundo.

Assim sendo, acredito ser adequado começar por uma flexibilização do currículo. Naturalmente disciplinas transversalmente essenciais (como Português, Educação Física, Inglês) devem ser obrigatórias para todos os alunos. No entanto, aquilo que não faz sentido é que um aluno que opte pela disciplina de Físico-Química seja imediatamente limitado, sendo obrigado a optar entre Biologia e Geologia ou Geometria Descritiva. Há algum motivo para não poder escolher Economia? Ou História?

Seria francamente positivo pensarmos num novo modelo em que os alunos pudessem escolher livremente as disciplinas não obrigatórias, a par de um modelo baseado em módulos e créditos. Isto é, a conclusão de um ano letivo depende da obtenção de um mínimo número de créditos, obtidos através de sucesso escolar nos módulos das disciplinas. Uma vez que se trata de um número mínimo de créditos, os alunos têm um número mínimo de disciplinas opcionais, mas não um máximo, podendo arbitrariamente selecionar mais disciplinas (conscientes das inerentes consequências para a sua carga horárias, mas também para o seu perfil académico).

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Em segundo lugar, deve-se reponderar as competências e responsabilidades das escolas, das autarquias e do governo central. Evidentemente existem competências que devem ser do foro do governo central, uma vez que são transversais a todo o país. Existem, no entanto, uma série de responsabilidades sobre as quais o governo central não tem conhecimento nem capacidade para decidir. Estará um governo mais capacitado para a contratação de professores de uma determinada escola do que a própria escola (consciente das suas necessidades)? De qualquer modo, toda a transferência de competências que deve ocorrer, para colocar o ministério como regulador e não como decisor, deve partir de uma ponderada negociação entre o ministério, as autarquias e as escolas. Importa ainda referir que qualquer transferência de competências não será eficaz se não for acompanhada de transferência de recursos (financeiros, por exemplo).

Por último, estando cientes da evolução tecnológica com que somos diariamente confrontados, é urgente que todos os professores obtenham formações a nível dos equipamentos tecnológicos, para que nos próximos anos possa decorrer uma segura transição digital na escola. Se este trabalho não for iniciado, ou noutros casos acelerado, chegará a altura em que vamos querer efetuar a transição digital nas escolas, mas as escolas e os professores não estarão capacitados para esta mudança.

O novo Ministério da Educação demonstrou já a capacidade de resolver num curto espaço de tempo o que o anterior foi incapaz em oito anos. Não podemos perder mais tempo. É, por isso, desejável agora que esta capacidade se estenda aos restantes problemas que assolam o nosso sistema educativo (tantas vezes ignorados por não serem populares). Concluindo, para os que espero que reformem, como para os que espero que não bloqueiem, relembro que “a educação não tem preço, mas a sua falta tem um custo”.