O Sporting, para o bem e para o mal, é o clube mais português de Portugal. Podia maçar-vos com as semelhanças, mas vou directo ao assunto: o psicodrama do momento, a novela Rúben Amorim.
Ultrapassados os detalhes destes dias a que se somam memórias de outros dias mais distantes, quando viajou às escondidas e, depois, com decência e frontalidade, reconheceu o erro; ultrapassados os sentimentos de traição que palpitam no coração de alguns; respeitar-te-emos ainda, Rúben. Mais importante: o esforço, a dedicação e a devoção que aqui puseste e a glória que trouxeste, indultam-te o passado e libertam-te para o futuro; agradecer-te-emos sempre, Rúben.
Não vale a pena dizê-lo agora, mas tu sabes, Rúben – e se não sabes, descobri-lo-ás mais tarde ou mais cedo – que, saindo, perderás muito mais do que aquilo que vais ganhar a mais. Mas isso já não será connosco, será contigo. Até derramaremos lágrimas por ti, podemos até suspirar de saudades, mas os sportinguistas sabem que, insubstituível, só o grande Sporting.
Todavia, se assim for, e tudo indica que assim será, isso será já passado. E agora é tempo de presente e de futuro. E o que importa, e este é o meu ponto, é que nunca o Sporting, também graças a Rúben mas não só, esteve tão preparado como agora para esta eventualidade, para esta fatalidade.
É o mercado, dizem uns. O futebol é um negócio, dizem outros. Só que não é. Não é só, e só os adeptos, do estádio à mais longínqua tasca nos confins do mundo, sabem por que é que não ficam em casa. Mas façamos de conta que sim; lembrando Washington Olivetto, sabemos que é possível, dizendo só verdades, contar uma grande mentira. Façamos de conta que sim. Falemos de mercado e de negócio, então.
O Sporting é hoje, graças ao Frederico Varandas, ao Francisco Salgado Zenha, ao André Bernardo e a toda a estrutura que aqui montaram, um clube muito mais resiliente, muito mais competitivo, muito mais profissional.
É verdade que o título de campeões que envergamos nas camisolas, que conta bastante, se deve muito a Rúben Amorim, mas não só. E que o efeito disso em todo o “negócio” também lhe é tributável, para ser justo. Mas é sobretudo a Varandas e à sua equipa que “o volume de negócios de 246,7 milhões de euros, o maior de sempre, alavancado na evolução positiva das receitas operacionais e rendimentos de transacções de jogadores” se deve. Que o “rendimento com transacção de jogadores de 143,5 milhões de euros, sobretudo resultante da venda dos atletas Manuel Ugarte e Pedro Porro” se deve. Que o “resultado líquido positivo de 12,1 milhões de euros, o terceiro resultado líquido positivo consecutivo” se deve. Que “o valor do plantel [que] atingiu os 108,4 milhões de euros, mantendo a sua tendência de valorização como consequência das compras efectuadas nos últimos exercícios” se deve. Que o “aumento do activo em 56,5 milhões de euros para um valor de 374,4 milhões de euros” se deve. Que os “capitais próprios positivos no valor de 21 milhões de euros, mantendo a tendência de capitais próprios positivos pelo segundo ano consecutivo” se devem. Que “decorrente da melhoria significativa da solvabilidade da Sporting SAD, pela primeira vez em mais de 20 anos, a auditora responsável pela certificação legal das contas e relatório de auditoria removeu do seu parecer a incerteza material relacionada com a continuidade da Sporting SAD” se deve. Que o “volume de negócios recorde de 15,2 milhões de euros, o valor mais alto de sempre da Sporting SAD” se deve. E podia continuar a citar o Relatório e Contas, com resultados de “mercado” e de “negócio” sem par nas últimas muitas décadas.
Mas isto não é só “mercado” e “negócio”. Portanto, na medida do vosso amor a Amorim, ponham gelo nos pulsos. Não direccionem a frustração para Frederico Varandas. Varandas é só o melhor Presidente do Sporting das últimas décadas. A direcção do Sporting tem estado, aliás, irrepreensível. E, para os mais desatentos, os mais voláteis, e os adversários que festejam já a saída de Rúben Amorim, deixo um recado: subsumir o sucesso do Sporting à acção de Rúben Amorim é redutor, injusto e bastante enganador.
Foi Varandas que foi buscar Rúben Amorim a Braga, quando muitos achavam que ele nem sequer era “treinador”. Foi Varandas e a sua direcção que lhe deram todas as condições de trabalho. Foi Varandas e a direcção que contrataram o ‘scouting’ que o Sporting tem (Gyokeres, Hulmand, Harder,…). Foi a direcção que fez uma aposta de valorização de activos, que é hoje a melhor e mais lucrativa do país (Trincão, Geny, Quenda,…). Foi Varandas e a direcção que seguraram Amorim quando o Sporting ficou em 4º lugar. Não foi Varandas que foi falar em segredo com o West Ham no final da época passada. Não foi Varandas que obrigou Amorim a comprometer-se com o bicampeonato. Não foi Varandas que acedeu a falar com o Manchester United neste timing (em dia de jogo, a 3 dias de jogo para o campeonato e a uma semana de jogo com o City). Repito: não foi Varandas nem a direcção que escolheram nem este tempo nem este modo.
O que, agora, Varandas e a direcção estão a fazer, dentro do que lhes é possível, é salvaguardar os melhores interesses do Sporting. Imediatamente: negociar, para lá dos 10 milhões do contrato de Amorim, a saída dos adjuntos, bem como uma penalização pela saída imediata. Mediatamente: proteger a equipa, manter o foco e assegurar uma entrada limpa a quem vier a seguir.
Percebo a frustração com esta situação, mas Varandas e a direcção, contra a ambição de um funcionário seu e contra a cobiça de um concorrente capaz de pagar o que o contrato prevê, nada mais podia fazer.
Em 2018 o clube estava desportiva, financeira e moralmente falido. Hoje, é a melhor equipa e o clube mais bem gerido do país. Visão, ambição, metas realistas, monitorização permanente, condições de trabalho e, já agora, esforço, dedicação e devoção, conduziram o Sporting à glória. Quem é que podia fazer mais e fazer melhor? Portugal. Portugal podia aprender com o Sporting, o clube mais português de Portugal, até nas crises dos seus psicodramas. Mas isso é outra conversa.
Insisto: insubstituível, só o grande Sporting. E, como dizem os ingleses, também de Manchester: keep calm and carry on.
Pedro Gomes Sanches escreve de acordo com a antiga ortografia