Chuvadas, inundações, protecção civil, bombeiros, “alterações climáticas”. Os canais de televisão agitaram-se em “directos”. Impermeáveis ao ridículo, autarcas e ministros sentados nas secretarias vestiram coletes reflectores para se fazerem passar por homens de acção. O caos. Nenhuma conversa com pés e cabeça podia sair daqui. Jornalistas, peritos, e responsáveis políticos discutiram a cor dos avisos do IPMA e se podiam ou não ter sido “accionados mais cedo”. Desde Setembro de 2014, pelo menos, e já da ponta do dedinho trémulo de António Costa, à data presidente da câmara, a culpa das inundações em Lisboa começa sempre por ser do IPMA. Porque não “accionou” os avisos. Um pouco mais tarde a doutrina diverge: quem manda na câmara culpa as “alterações climáticas”, quem embirra com a governação culpa a limpeza das sargetas. O bendito clima até pode apresentar as suas “alterações” cada vez mais imprevisíveis, mas o guião das chuvadas em Lisboa é sereno e estável como uma rocha. O pouco que se falou do Plano Geral de Drenagem foi mal discutido e mal justificado.

Escrevi sobre ele, há umas semanas, logo após ter sido formalmente apresentado à cidade. Não dei conta dos jornais e comentadores lhe terem percebido a relevância, ou de lhe darem a devida dimensão no debate público. Parece-me que fui a única. Nem sequer digo isto com vaidade, antes pelo contrário, digo isto com muita preocupação. A necessidade do Plano Geral de Drenagem, e das respectivas obras, é facilmente explicável por circunstâncias e motivos que as pessoas conseguem compreender. Mas que, insisto, precisam de ser explicadas. Se não, as pessoas vão entender as obras como um gigantesco incómodo, e a razão das obras como um cliché vago e abstracto. Os anteriores governantes da câmara de Lisboa, que a pouco e pouco, imagino que a contra-gosto, o foram desenvolvendo e até o adjudicaram, praticamente não falaram dele em público. E logo o PS, que inaugura tudo; se a Alemanha (ou o imposto) pagar, o PS inaugura um vaso com gerânios. Fernando Medina, enquanto mandava em Lisboa, tinha um programa semanal numa televisão. E outro na Rádio Renascença, onde fingia “debates” com um Taborda da Gama a quem pagava, por ajuste directo, avenças com a Câmara Municipal. Podiam ter aproveitado a rábula para dar explicações. Quantas vezes “debateram” o Plano Geral de Drenagem?

Os socialistas tratam das coisas do mundo com esta leviandade, porque não precisam de defender as políticas deles nem justificar onde gastam o nosso esforço e dinheiro. Os lugares de poder são deles, por uma espécie de direito natural. E quem não está submetido a um verdadeiro escrutínio, quem tem regras socialistas e o caminho aberto para chegar aos governos, do país e de Lisboa, só precisa de não exagerar na impudência. Precisa, por exemplo, de não entregar dissidentes a regimes autocráticos como a Rússia de Putin. Mas não precisa de saber o que é, nem para que serve exactamente, o Plano Geral de Drenagem de Lisboa. Por ser caríssimo, invisível, de obra incómoda, e possivelmente resultante da insistência dos serviços técnicos da própria Câmara, a consciência discreta da governação socialista levou António Costa e Fernando Medina a não chamarem sobre o Plano muitas atenções. Como, na verdade, Carlos Moedas também não chamou. Mas suponho que também Carlos Moedas não se apercebeu do que significa esta obra, nem parece ter compreendido os motivos que a tornam indispensável. Por isso repete o chavão das “alterações climáticas”, que trouxe de Bruxelas implantado no pescoço, tentando que os eleitores lhe desculpem o deslize de 250 milhões de euros. Eu própria, que me interesso há anos pelo sistema de drenagem, e que tenho acesso a toda a matéria política discutida em Lisboa, não dei conta da adjudicação assinada pelo ex-vereador das Finanças. E errei de boa-fé julgando que a decisão era já deste governo municipal, por ter sido agora que o Plano foi formalmente apresentado.

Há décadas que Lisboa não suporta a rede existente, e sabia-se que a resposta só era eficaz com uma obra de grandes dimensões. Ela aí está. O Plano Geral de Drenagem é a maior obra pública de sempre da Câmara Municipal de Lisboa. Estamos perante uma daquelas matérias que vale a pena os responsáveis políticos tomarem a iniciativa de provocar o debate, e chamar a atenção dos jornalistas, independentemente dos acontecimentos pontuais. Em cima de uma aflição, os assuntos são sempre tratados de maneira desordenada e num contexto errado. Esta obra seria sempre necessária, com ou sem “alterações climáticas”. E os portugueses merecem ser tratados com outra consideração. Não é recomendável seguir os maus hábitos da esquerda, nem é preciso assustar as pessoas com cenários catastróficos para se fazer política.

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