Mais do que o simples desejo do bem alheio, é a tendência para sofrer com o aperceber-se desse bem que caracteriza classicamente a inveja. Tristeza, dor e ódio ocorrem perante as vantagens do outro que simultaneamente se desejam para si próprio. E esse sofrimento pode derivar em inquietude, hostilidade e agressividade.

Para os gregos antigos, a inveja é inata ao homem de todos os tempos, dada a natureza política dele (só os filósofos, por serem similares aos deuses, e os primitivos, dada a sua proximidade com os animais, estariam fora dessa condição normal).

Havendo organização política, há forçosamente «fraudes, mentiras ou o exercício do poder» bem como «guerras a afligir a vida dos homens», motivo pelo qual no princípio os homens teriam sido nómadas e solitários («andavam a esmo, à maneira dos animais selvagens»).

A história da inveja tornou-se contemporânea das origens da sociedade política. É sintomático que Aristóteles lhe dedique especial atenção na Retórica e não na Ética, onde mais seria de esperar. Na base dos bens invejados está sempre a fama, a glória e a ambição. E tendemos a invejar os nossos pares, isto é, as pessoas que nos são chegadas no tempo, lugar, idade e reputação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Como é que o invejoso procede? Explica-no-lo Tomás de Aquino: murmurando e difamando. Ou seja, esforçando-se, secretamente ou abertamente, para fazer diminuir a glória do outro. Se conseguir, mostrará satisfação com as dificuldades dele; se não conseguir, mostrará deceção com a sua prosperidade. No fim, vincada seja a tristeza, seja a satisfação com o mal, seguir-se-á inevitavelmente o ódio, que assim é originado pela inveja.

Politicamente a inveja é uma espécie de veio subterrâneo que liga os indivíduos numa situação de rivalidade e competição, patenteando a assunção de uma impotência própria que se desdobra numa hostilidade e numa agressividade «secreta e velada», como diria Kant.

Dois dos autores contemporâneos que mais esforço reflexivo dedicaram ao problema da inveja são John Rawls (que reintroduz na cena filosófica a questão da justiça) e René Girard («o novo Darwin das ciências humanas», assim nomeado na ocasião de entrada na Academia Francesa). Também para ambos, a inveja é endémica na vida humana, sendo menos um sentimento moral do que um modo típico de nos posicionarmos nas relações interpessoais, sempre marcadas pela rivalidade e pela competição, determinando, dessa maneira, o conteúdo do desejo.

O desejo, na perspetiva de Girard, exprime o princípio de ação da vida. Tipifica a dinamicidade constitutiva do ser humano. Desejamos sempre e apenas o que é querido pelos outros. Significa que as coisas não valem por si, nem sequer na medida em que preencham ou satisfaçam uma necessidade pessoal. As coisas valem única e exclusivamente na medida em que são queridas pelos outros. Não é o objeto que justifica o desejo; aquilo que é querido por nós é querido porque alguém também o quer. Por outras palavras, o desejo humano é sempre um desejo de imitação, um desejo, não de objetos, mas um desejo de um outro desejo (um desejo mimético).

Girard, sob inspiração judeo-cristã, analisa os procedimentos da inveja particularmente em Shakespeare («o fogo da inveja»). Nem todo o desejo mimético é invejoso, mas toda a inveja é mimética. Raramente essa imitação é reconhecida como tal (originando a má-consciência e o ressentimento, estes sim, sentimentos morais). Instintivamente, a inveja repugna e inspira aversão, «faz mal»; assinala «uma falta de ser que envergonha o invejoso», sendo por isso «o pecado mais difícil de admitir».

A inveja, fonte de rivalidade mimética, figura uma espécie de poder em negativo, levando a respostas violentas e vinganças em escalada até aos extremos (incluindo a guerra). Segundo Girard, estamos atualmente perante a iminência de um apocalipse. Não de um apocalipse com significado bíblico, mas de um apocalipse órfão dos deuses, desligado de qualquer interferência do divino na história dos homens, resultando apenas da radicalização da agressão humana no interior da própria humanidade. Uma guerra civil da humanidade contra si própria.

O planeta inteiro assemelha-se a uma tribo primitiva. Ninguém quer iniciar um ciclo de vingança, mas ninguém ousa desistir totalmente dessa vingança. «Como Hamlet, estamos em cima do muro, divididos entre a vingança total e nenhuma vingança, incapazes de nos decidir, incapazes de levar a cabo a vingança e ainda assim incapazes de a ela renunciar».

Significa que a inveja é de facto um elemento estruturante de intervenção no tecido humano. Tal como o desejo, ela leva consigo a confissão de uma insuficiência: invejamos porque nos sentimos perante nós próprios como incompletos. Mas configura também o sentido de uma impotência comunicativa: invejamos porque somos impotentes de realizar o que é o desígnio dos outros. A inveja é assim como que uma mancha de óleo que vamos infiltrando na realidade do outro, diminuindo-a e contrariando-a.

Entre nós, costuma associar-se a inveja a uma espécie de mal português, suportado pelo facto de ela ser até a última palavra de Os Lusíadas («última palavra do último verso da última estância do último canto»). Camões teria tido o intuito simbólico de descrever a inveja como modalidade presencial tipicamente lusitana.

Também Miguel de Unamuno, vulto das letras espanholas e admirador confesso de Portugal, vê nela «la íntima gangrena del alma española».

A imitação invejosa é algo de intrinsecamente humano, exposto no interior das relações humanas. O imperativo deve ser não ceder à inveja e remeter para exigências de teor jurídico, ético e filosófico, orientadas para evitar, acautelar ou dissipar o mal. É que cobiçando, rivalizando, hostilizando, a inveja vai dissimulando uma violência em crescendo, tendo por sujeito os indivíduos, os grupos, as nações e as culturas, até aos extremos.