Nos dias que correm, há vários grupos de pessoas: as que têm previsões sobre o que vai acontecer e propostas de ação; as que escutam e tentam fazer sentido da informação (muitas vezes contraditória) que circula; e as que continuam a trabalhar porque não há grande tempo para reagir.
Estou no segundo grupo — não faço ideia do que vem a seguir e tenho muito, muito mais perguntas do que respostas. Este texto é sobre o terceiro grupo.
A situação atual veio mostrar que, na pirâmide do que é essencial, há um denominador fundamental: as pessoas invisíveis que, pelo seu trabalho, tornam o nosso dia-a-dia possível. Este texto não tem nenhuma proposta, apenas reconhecimento e agradecimento: aos e às invisíveis que mantêm o nosso país a funcionar.
Profissionais de saúde que trabalham de forma incansável. Profissionais de transportes públicos que estão em exposição imediata para garantir que quem precisa de ir do ponto A ao B para trabalhar o possa fazer. Profissionais a trabalhar em lares, a cuidar das gerações que construíram o nosso país e a quem tanto devemos. Na verdade, falo também das próprias pessoas que vivem nos lares — nossos pais, avôs, bisavôs — que estão em isolamento e não têm o contacto presencial da família, que tantas horas de vida dá.
Profissionais de IPSS que lutam todos os dias para manterem o apoio a quem mais precisa – famílias em situação vulnerável, crianças e jovens em risco em situação de acolhimento. Não conheço nenhum/a profissional de IPSS que tenha deixado o seu trabalho e missão de lado durante esta pandemia. Como se pode fazer trabalho remoto quando o princípio-base do nosso trabalho é a presença regular?
Trabalhadores nas áreas da logística, agricultura, cadeias de abastecimento, entregas e tantos outros/as: pessoas que não vemos e de quem os nomes não sabemos, mas que garantem que o essencial não falta e nos chega convenientemente a casa. Trabalhadores de recolha de lixo e resíduos urbanos que mantêm as nossas cidades, hoje desertas, limpas.
Professores que se adaptam a uma nova realidade e não deixam os seus alunos desacompanhados, para cumprirem a sua missão de ensinar as próximas gerações. É fácil acharmos que a tecnologia é de rápida adoção quando crescemos a utilizá-la. No entanto, é importante fazermos um exercício de empatia para quem não teve esse privilégio.
Falo de avôs e avós que são a única família de milhares de crianças. De famílias monoparentais, onde não há apoio possível que permita o mínimo desvio da normalidade.
São muitos e muitas que, enquanto mantêm tudo a funcionar, têm pais, filhos e família que arriscam diariamente em nome de servir algo maior. São também, na grande maioria, profissões com remunerações baixas e pouco reconhecidas. Invisíveis.
São heróis e heroínas, uma fonte de inspiração. Afinal, sempre tenho uma proposta simples: que a memória não nos falhe, quando voltarmos a sair de casa.
António Miguel tem 33 anos e é cofundador e managing partner da MAZE Impact, uma empresa de investimento de impacto criada pela Fundação Calouste Gulbenkian que trabalha com empreendedores, investidores e entidades do setor público para implementar soluções que contribuem para a resolução de problemas sociais e ambientais.