Quatro anos depois, voltamos ao mesmo: a histeria em torno das eleições norte-americanas parece ter tomado conta de grande parte dos meios de comunicação. Mussolini reencarnou-se e, para piorar a situação, desta vez tem cabelo! Tal como em 2016 e 2020, a maioria dos jornalistas mantém uma postura hostil face a Donald Trump. E não são apenas os jornalistas e comentadores. Assim sendo, se a base militante preferiu Donald Trump como candidato para 2024, os dirigentes do partido teriam preferido uma figura mais conciliadora e consensual, como Marco Rubio, Nikki Haley ou até o conservador Ron DeSantis. Várias centenas de antigos colaboradores, conselheiros e candidatos republicanos declararam o seu apoio a Kamala Harris, considerando Trump “inapto” para governar.

Nos meios de comunicação, Donald Trump é retratado como um perigo iminente para a paz mundial, uma ameaça à democracia, além de ser frequentemente rotulado como mentiroso, corrupto e acusado de comportamentos de índole sexual imprópria. É curioso, no entanto, que o considerem uma ameaça à paz mundial, quando foi dos poucos presidentes norte-americanos (juntamente com D. Eisenhower ou Jimmy Carter) no pós-Segunda Guerra Mundial a não intervir directamente em conflitos internacionais, a não enviar tropas para outros territórios nem a ordenar bombardeamentos em nações distantes, mas, pelo contrário, a procurar retirar as tropas americanas de territórios estrangeiros… O mesmo não se pode dizer do “Nobel da Paz” Barack Obama, o menino querido dos media.

É, contudo, verdade que as declarações por vezes infelizes de Donald Trump não o favorecem, e muitos dos seus apoiantes desejariam que ponderasse melhor antes de se pronunciar em determinados contextos.

Por outro lado, Kamala Harris, tal como Donald Trump, também não se tem saído muito melhor, tendo propagado algumas fake news durante a campanha, para não falar das mentiras que proferiu no debate presidencial, como a afirmação de que “não há soldados americanos a combater no mundo”. Aliás, o debate presidencial foi, na minha opinião, muito fraco.

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Foi, por isso, com alguma satisfação que assisti ao debate entre os candidatos a vice-presidentes, JD Vance e Tom Waltz. Embora escreva sobre política norte-americana há vários anos – a minha dissertação de mestrado foi precisamente sobre a “Nova Direita Radical Americana” – nunca dei grande importância aos debates entre candidatos a vice-presidente, considerando-os irrelevantes para o desfecho final das eleições. Desta vez, no entanto, foi diferente. Este debate, como confirmam as sondagens, poderá ter algum impacto. E, sem dúvida, foi, intelectualmente falando, um confronto muito superior ao debate presidencial. Foi uma discussão inteligente, sem ataques pessoais, sem gritaria, em que os intervenientes raramente se interromperam e abordaram com seriedade os temas mais pertinentes. Um debate entre um candidato de uma direita mais radical e um candidato de uma esquerda mais radical, mas ambos com nível. Se Donald Trump, segundo as sondagens, perdeu o seu debate contra Kamala Harris (que, ainda assim, não esteve particularmente bem), parece-me que, desta vez, foi JD Vance, o candidato republicano, quem saiu vitorioso. Aliás, várias sondagens atribuem uma ligeira vantagem a JD Vance neste debate.

Não nos iludamos: JD Vance trouxe um novo fôlego à campanha de Trump. A escolha do senador do Ohio foi uma surpresa para muitos e poderá acentuar ainda mais o divórcio entre o establishment republicano e Donald Trump. JD Vance, por várias razões, difere dos chamados “conservadores moderados” do Partido Republicano. Desde logo, vem de uma família pobre e disfuncional, cresceu na chamada Rust Belt – a Cintura da Ferrugem – sem pai e com uma mãe toxicodependente. Apesar de uma vida difícil, conseguiu ingressar na prestigiada Universidade de Yale – após uma passagem pelos marines (fuzileiros norte-americanos) – onde se formou em Direito. Iniciou a sua vida profissional num fundo de investimento de Peter Thiel, multimilionário e cofundador do PayPal juntamente com Elon Musk – um facto relevante para o resto da história.

JD Vance entrou tarde na política e começou por ser um forte crítico de Donald Trump, mas entretanto mudou (oportunamente) de opinião. É um político deveras original, partilhando ideias distintas das da maioria dos republicanos mais mainstream. Faz parte dos que se opõem às guerras americanas pelo mundo. E, contrariamente a muitos analistas norte-americanos, considera que o verdadeiro inimigo no futuro será a China, e não a Rússia.

Critica também o consumo de “comida de plástico” (fast food) por muitos americanos, alertando para os cerca de 40% de obesos. Chama ainda a atenção para a problemática das drogas e do álcool e da destruição social que causam nos mais pobres. Critica uma certa tendência popular de culpar as elites por todos os problemas do “zé povinho”: para ele, o povo deve procurar cultivar-se, trabalhar e esforçar-se por romper o ciclo da pobreza, o que exige uma coragem especial. E, finalmente, aborda a problemática ecológica, ao contrário da maioria dos republicanos.

Em 2016, o magnata nova-iorquino escolheu os membros da sua administração, bem como o seu vice-presidente, dentro do “establishment” republicano tradicional. Apenas o seu principal conselheiro de campanha, Steve Bannon, destoava deste padrão. Com excepção da principal conselheira de Donald Trump, Susie Wiles, temos assistido a uma mudança significativa no Partido Republicano, com o establishment tradicional a ceder terreno a novas figuras, que trazem consigo ideias renovadas. Com JD Vance, apoiado por personalidades como Peter Thiel e Elon Musk ou intelectuais como Curtis Yarvin, uma nova direita americana está a emergir. Está em causa toda uma luta meta-política travada contra a esquerda, em que o eleitorado americano (mas também europeu) mais jovem está a ser influenciado por estas novas correntes, sobretudo através da internet. Mesmo que Donald Trump perca nos próximos dias, a nova geração de políticos inspirada por estas novas correntes de direita não desistirá. Por detrás de JD Vance, estamos a assistir à mutação das direitas americanas e ao seu principal objectivo: a vitória nas eleições e a conquista do poder em 2028.

Nova direita (americana), novas ideias (americanas)

Longe de o podermos encaixar numa única categoria, JD Vance representa várias correntes de pensamento, admitindo ele próprio seguir um conjunto heterogéneo de ideias políticas. Tanto JD Vance como vários dos seus conselheiros e apoiantes dentro do partido estão próximos de uma corrente conhecida como NatCons, diminutivo de “National Conservatives”.

O movimento NatCon é relativamente recente, tendo nascido nos EUA e na Europa na mente de pensadores como Yoram Hazony e políticos conservadores como Viktor Orbán, Éric Zemmour ou Jacob Rees-Mogg, que ambicionam dar uma nova cara ao conservadorismo tradicional, considerado demasiado permissivo e fraco face a uma esquerda cada vez mais reivindicativa. Os NatCons defendem a primazia da nação e da sua soberania, assim como a protecção das identidades e culturas nacionais, tradições, língua, música, arte, religião e história nacional. Defendem a homogeneidade cultural e, consequentemente, opõem-se às migrações massivas que tanto os EUA como a Europa têm enfrentado. Por defenderem a soberania nacional, costumam criticar organizações internacionais como a ONU, o FMI e a UE. São socialmente conservadores e religiosos – a defesa do Cristianismo como religião central do Ocidente é uma bandeira de muitos NatCons – e defendem a família tradicional contra o que consideram ser subversões modernas do progressismo, como o casamento homossexual ou a ideologia de género.

Contrapõem-se à visão intervencionista dos neo-conservadores, adoptando uma abordagem mais isolacionista e não intervencionista. A guerra só deve ser travada com o intuito de defender a nação (ou a Civilização Ocidental), nunca em nome de ideias abstractas como “os direitos humanos” ou dos interesses de grandes conglomerados económicos. Criticam logicamente guerras como as do Iraque ou o financiamento à Ucrânia, considerando a guerra na Ucrânia como uma “proxy war” (guerra por procuração) dos neo-conservadores contra a Rússia.

Economicamente, são críticos do actual modelo neoliberal. Para os NatCons, o neoliberalismo, através da economia globalizada que gerou, das migrações em massa que provocou – migrações que servem de mão-de-obra barata e descartável – e da destruição das indústrias nacionais ocidentais, é responsável pela situação actual em que se encontram muitas populações nativas ocidentais: uma pauperização e uma crescente insegurança (criminalidade, terrorismo islâmico, máfias). Neste último ponto, utilizam uma retórica populista, na medida em que acusam as actuais elites ocidentais baseadas em Washington D.C. de estarem completamente desconectadas das realidades nacionais e de implementarem políticas anti-patrióticas.

D Vance também se encaixa noutra categoria política: os crunchy conservatives. Este movimento intelectual relativamente recente tem ganho espaço no debate político americano. O termo foi popularizado pelo jornalista e escritor Rod Dreher, colaborador do jornal American Conservative.

Contrariamente a outras correntes conservadoras americanas, os crunchy conservatives defendem a ecologia e propõem um modo de vida mais simples, localista e respeitador da natureza. São, por conseguinte, críticos do consumeirismo capitalista defendido pelos neoliberais, opondo-se aos grandes grupos industriais que, segundo intelectuais como Rob Dreher, não só destroem o meio ambiente, mas também tornam os cidadãos dependentes e desconectados da família tradicional, das tradições, da natureza e da religião cristã. No livro Crunchy Cons (2006), Rob Dreher afirmava que muitos conservadores mainstream não reconheciam a importância dos danos nefastos que o capitalismo moderno causou no tecido social (e na natureza).

Para os crunchy conservatives, a atomização social, o egoísmo, o consumismo, a destruição das antigas tradições e da família tradicional foram provocados pelo capitalismo moderno, pois este vê os homens não como fins em si, mas como meios para o “mercado” atingir mais lucros. As ideias partilhadas pelos crunchy conservatives atraem um eleitorado jovem, educado, conservador, mas preocupado com as questões ambientais e crítico do desenraizamento social.

Tanto os movimentos NatCons como os crunchy Conservatives evoluíram a partir do conservadorismo mais tradicional, que consideravam demasiado desconectado das problemáticas actuais e fraco face à luta cultural promovida pelo marxismo cultural. Os think tanks que alimentam intelectualmente estes movimentos são liderados por homens que provêm do conservadorismo tradicional, como Yoram Hazony e a sua Edmund Burke Foundation; Kevin Roberts, fundador e presidente da Heritage Foundation, um think tank conservador cristão; Patrick Deneen, autor de Why Liberalism Fails (2018); Christopher DeMuth, ex-presidente do American Enterprise Institute for Public Policy Research (think tank conservador); Michael Anton, antigo conselheiro presidencial; R. R. Reno, editor da revista First Things, defensor da importância do Cristianismo, do patriotismo e da cultura na identidade nacional; ou Josh Hammer, redator da Newsweek.

Todas estas figuras têm ganho um peso cada vez maior nas ideias partilhadas pelos representantes republicanos mais jovens, como o já mencionado JD Vance, mas também Josh Hawley, Tom Cotton, Blake Masters, Ron DeSantis, Josh Mandel, Matt Gaetz, Marjorie Taylor Greene, Mike Gallagher, Paul Gosar, ou Kristi Noem.

Pelo contrário, um movimento como a direita neorreacionária (NRX) pouco tem a ver com o conservadorismo, independentemente da sua vertente. O movimento NRX, por vezes apelidado de “Iluminismo das Trevas” (Dark Enlightenment), surgiu no meio dos anos 2000, da mente de pensadores da direita conservadora clássica e da direita tecnolibertária, tornando-se uma escola de pensamento filosófico, sociológico e político independente e extremamente dinâmica.

Os seus dois maiores pensadores, Curtis Yarvin e Nick Land, ambicionavam criar um movimento que conseguisse aliar uma visão social reaccionária, rejeitando as ideias iluministas, assim como a democracia liberal moderna, a uma visão futurista e optimista da tecnologia. Uma das características mais importantes deste movimento é a rejeição total da democracia liberal que, segundo os seus pensadores, enfraqueceu as nações ocidentais, levando a Civilização Ocidental à degenerescência.

Segundo autores como Curtis Yarvin e Nick Land, na actual democracia liberal as elites tendem a querer agradar às massas, que se tornam cada vez mais “estúpidas” por serem manipuladas pelo que Curtis denomina de “Catédral”, ou seja, a aliança entre a burocracia estatal (tecnocratas e políticos profissionais), os meios de comunicação e as universidades. Este fenómeno cria um ciclo vicioso, no qual as massas manipuladas perdem progressivamente as suas capacidades intelectuais e, por sua vez, votam apenas nos líderes mais populistas – aqueles que dizem o que o povo quer ouvir, e não o que as massas deveriam ouvir, mesmo que sejam verdades duras. Estes líderes são obrigados a agradar às massas, adoptando medidas que vão, na verdade, contra os interesses das nações e dos povos indígenas ocidentais. Em outras palavras, os políticos são forçados, para se manterem no poder, a adoptar medidas populistas a curto prazo, que se revelarão catastróficas a médio prazo, em vez de implementarem políticas mais rigorosas que, a longo prazo, tornariam as nações mais fortes e permitiriam às gerações futuras viver bem.

O “consenso progressista” que advém desta relação “tóxica” entre elites e massas faz com que a democracia seja, segundo o movimento NRX, uma fraude que cria uma “ilusão da escolha” (the illusion of choice), uma cortina intelectual atrás da qual as elites não eleitas – os mencionados membros da Catédral, os burocratas e tecnocratas, os professores universitários, os donos dos grandes meios de comunicação – conseguem manter-se no poder.

A partir daí, entramos na parte mais polémica do pensamento NRX. Tendo em conta que a democracia cria instabilidade social, degenerescência intelectual das massas, caos político e destruição das hierarquias sociais naturais, ela condena as sociedades ocidentais a um colapso final e ao subsequente retorno à guerra de todos contra todos.

A solução proposta pelos membros do NRX é drástica: um “monarca absoluto” que governaria com mão de ferro, auxiliado por uma aristocracia de mérito – ou seja, o contrário de uma aristocracia de sangue, pois esta não seria hereditária, mas sim baseada nas qualidades intelectuais e pessoais de cada um – que tomaria medidas que poderiam ser extremamente impopulares, mas necessárias para que o bem comum fosse alcançado a longo prazo, assim como para fortalecer o poder da nação. Aliás, o monarca governaria a nação como o CEO de uma empresa.

Não se trataria, segundo Curtis Yarvin, de uma ditadura, pois, ao contrário, este tipo de regime permitiria aos cidadãos viver de maneira realmente livre. É uma ideia que, à primeira vista, parece paradoxal, mas, para Curtis Yarvin, as elites nas sociedades democráticas retiraram a liberdade às massas, apesar de utilizarem todos os tipos de artifícios argumentativos para que estas pensem o contrário, esmagadas pela propaganda da já mencionada “Catedral”, a ponto de acreditarem na “fábula da escolha democrática”. É por isso que o multimilionário Peter Thiel, que adere em parte ao pensamento de Curtis Yarvin, afirmou que actualmente a “democracia não é sinónimo de liberdade”. Aliás, JD Vance descobriu o pensamento de Yarvin e da NRX graças a Peter Thiel, seu antigo patrão e mentor.

Pouco conhecida até há pouco tempo, os tweets de JD Vance sobre o pensamento neo-reaccionário deram a conhecer esta corrente a milhões de americanos. Nem todos os multimilionários conservadores do Silicon Valley que têm apoiado JD Vance e Donald Trump são adeptos da NRX. Muitos inserem-se mais na chamada “direita tecnológica” (Tech Right) do que propriamente na NRX.

Não existe um corpus ideológico central da direita tecnológica; não se pode afirmar que se trata de uma corrente de pensamento, mas antes de um conjunto disperso de ideias defendidas por vários multimilionários do Silicon Valley, como Peter Thiel, Bill Ackman, Marc Andreessen, Ben Horowitz, Blake Masters, Joe Lonsdale, Jacob Helberg, Doug Leone, David Sacks e, claro, Elon Musk. São libertários, miniarquistas (defensores de um Estado mínimo) e contra o intervencionismo estatal, a favor da liberdade individual, adeptos do empreendedorismo livre, defensores de um capitalismo tecnológico e completamente anti-woke, criticando o que chamam de “mainstream tech”, referindo-se às grandes empresas GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft), que supostamente seriam todas influenciadas pela ideologia woke.

Além das grandes figuras do Silicon Valley e dos pensadores da direita NRX, bloggers de outras correntes, tanto nos EUA como na Europa, manifestaram entusiasmo com a nomeação de JD Vance. Correntes como a direita transhumanista e a direita prometeana (Promethean Right/Droite Prométhéenne) estão a ganhar destaque. Esta última, surgida simultaneamente em França (através do site rageculturemag.com) e nos EUA, defende, como o nome indica, uma visão prometeana do futuro, desejando que os ocidentais abracem o seu destino faustiano para retomar o poder. “Faustiano” na acepção spengleriana do termo, visto que, segundo Oswald Spengler, a Civilização Ocidental, desde o ano 1000 d.C., caracteriza-se pela procura de ultrapassar os limites humanos, assim como pela busca do infinito, da eternidade e pela conquista da transcendência. Resumindo: ser humano aumentado; robótica; inteligência artificial; corpo humano com partes cibernéticas e nanotecnologia; aristocracia tecnológica baseada no mérito; conquista espacial e colónias em exoplanetas.

Estes novos movimentos encontram-se anos-luz à frente da direita mais tradicional no que diz respeito a temas actuais. Influenciados por livros de ficção científica como Dune, pelo cinema (Star Wars) e pela banda desenhada — séries como Incal ou Meta-Barões são frequentemente citadas em blogs de autores da direita NRX e da direita prometeana como exemplos de um futuro desejado — apresentam uma visão optimista do futuro.

Contrariamente ao conservadorismo tradicional, que vê o passado como uma “época de ouro” desaparecida, correntes como a direita NRX ou a direita prometeana não estão presas a um passado nostálgico, mas olham para o futuro com esperança. Adeptos de uma visão faustiana da Civilização Ocidental, aspiram a que os ocidentais sejam mestres e senhores do seu destino, criando um futuro mais brilhante e inimaginável do que qualquer um descrito nos livros de ficção científica. A popularidade destes movimentos entre os ocidentais mais jovens está a aumentar exponencialmente.

O leitor mais atento que leu o meu primeiro texto no Observador recordar-se-á de que, na altura, separei a direita radical da extrema-direita, utilizando a democracia como uma das, mas não a única, linhas separadoras entre as duas. Enquanto a direita radical aceita a democracia, a extrema-direita combate-a com todas as suas forças. O que dizer, então, deste movimento NRX, tão crítico da democracia? Poder-se-á classificá-lo como extrema-direita? E, se sim, quererá isso dizer que JD Vance, ao citar o pensamento de Curtis Yarvin, é de extrema-direita? Este tipo de acusação poderia, de facto, ser utilizado por mentes preguiçosas ou por militantes de extrema-esquerda, adeptos há quase 100 anos da táctica anti-fascista estalinista – chamar o inimigo de fascista e, assim, acabar com qualquer discussão. Mas a realidade é muito mais complexa.

Sim, os pensadores do movimento NRX opõem-se à democracia. E sim, a paixão pelas máquinas, pela tecnologia em geral e pelo futuro “faustiano” lembra-nos vagamente a colisão entre a vaga futurista de Marinetti, que exaltava a máquina e a velocidade, e o fascismo.

Contudo, mais uma vez, não é tão simples. É um facto que o movimento NRX, como o nome indica, é “neo-reaccionário”, enquanto o fascismo era revolucionário, filho (tal como o marxismo) da Revolução Francesa. Os membros do NRX pretendem, politicamente, voltar a uma ordem pré-revolucionária, mas com a tecnologia e o “aceleracionismo” a mais. Quanto ao facto de JD Vance citar pensadores do NRX, isto não o torna um fascista. Um anti-liberal, sem dúvida, mas ele próprio o admite.

Se formos ao fundo da questão, veremos que a direita NRX, a direita tecnológica e a direita prometeana receberam influências de um grande nome da Nouvelle Droite francesa: Guillaume Faye. Este pensador iconoclasta e muitas vezes incompreendido influenciou figuras como Curtis Yarvin e Nick Land por meio das suas teses expostas no livro Archeofuturisme. Visto que Guillaume Faye é frequentemente rotulado como extrema-direita, é lógico que possa haver a tentação de ligar estes movimentos — e, consequentemente, JD Vance — à extrema-direita. No entanto, isto seria, mais uma vez, um exemplo de preguiça intelectual. Espero que os jornalistas não caiam neste tipo de raciocínio simplista e reducionista.

Conclusão: a direita americana prepara 2028

Claro que os conservadores mais tradicionais ainda detêm poder. Por enquanto, são os mestres do jogo. Contudo, tanto os crunchy conservatives como os NatCons e os neo-reaccionários têm conquistado terreno. A direita americana está a viver um momento de transformação extremamente dinâmico, impulsionado pela vigorosa dinâmica intelectual destas correntes mais “duras” em quase todo o Ocidente, especialmente nos EUA e na França, mas também no Reino Unido ou na Alemanha.

Enquanto uma grande parte da esquerda — sobretudo a mais radical — permanece paralisada no tempo, anquilosada e incapaz de propor novas ideias, repetindo sempre os mesmos argumentos, desde a luta de classes até à abolição da propriedade privada (a do povo, não a dos timoneiros do proletariado), a direita vive um processo diferente. O surgimento de novas ideias à direita da direita — a direita liberal e o centro-direita estão numa fase intelectual similar à da esquerda, igualmente paralisados — vê-se pela criação de vários think tanks, livrarias, associações e institutos políticos.

Quando, em 2013, durante a defesa da minha tese, argumentei que uma facção mais radical do Partido Republicano, representada pelo Tea Party, poderia vir a apoiar um candidato mais “radical” em 2016, os professores riram-se. Penso que não se riram em 2016.

Desta vez, faço uma nova afirmação: mesmo que Donald Trump venha a perder este ano, a transformação de uma parte do Partido Republicano está em curso. À medida que se agravam os problemas sociais nos EUA — como o extremismo crescente de uma ala da esquerda, o aumento da criminalidade, a explosão da imigração na fronteira sul e os ataques incessantes do “wokismo” à civilização ocidental — o eleitorado jovem de direita tende a radicalizar-se ainda mais.

Os multimilionários conservadores de Silicon Valley apostaram fortemente na candidatura de JD Vance e não pretendem abandonar a luta pela Casa Branca, mesmo que sejam derrotados este ano. O que se esboça no horizonte é o início da corrida para as eleições de 2028. A direita ocidental mais combativa soube aproveitar o momento e “apanhar o comboio” — ou melhor, a nave espacial da SpaceX.

Donald Trump poderá até perder estas eleições, mas uma nova geração de políticos, influenciada por pensadores iconoclastas, está a emergir. Com esta nova geração, o futuro da direita americana está a redesenhar-se. Ao moldar o futuro da maior potência ocidental, os EUA traçam também o futuro da civilização ocidental — a nossa civilização.

Assim, nas eleições que se aproximam, tanto agora como em 2028, estará em jogo o nosso futuro. É, portanto, crucial que estejamos atentos à transformação da direita americana (e da esquerda), pois nela poderá residir o nosso destino enquanto ocidentais. A menos que, até lá, os europeus decidam finalmente abraçar de novo a vontade de poder e sejam, uma vez mais, mestres do seu próprio destino.