Para os mais desorientados, atenção que nem tudo está perdido. Ao discurso de vitória de Donald Trump, seguiu-se “You Can’t Always Get What You Want”. A campanha de Trump tem bom gosto musical. Já não é mau.

Passando agora ao que interessa, e começando pelo básico, por causa dos histerismos que por aí andam. Trump ganhou com uma grande vantagem, com um resultado semelhante ao de Obama há quatro anos. E conquistou quase todos os chamados “swing states”. A vontade popular é suprema na política democrática. Aqueles que têm preferências pessoais diferentes do sentido do voto devem aceitar o resultado e a legitimidade democrática do vencedor.

Trump foi sempre o candidato anti-sistema, desde as primárias do Partido Republicano até às eleições nacionais. Como escrevi a semana passada, apesar das sondagens, Trump poderia ganhar se os insatisfeitos, aqueles que não votam há muitos anos, fossem votar. Pelas indicações iniciais, foi o que aconteceu, como mostra a vitória de Trump em estados como a Pensilvânia, a Indiana, o Ohio, o Wisconsin e, possivelmente o Michigan, a cintura industrial americana, normalmente democrática. As vitimas da queda das indústrias tradicionais, que não se sentem representadas pela classe política, deram a vitória a Trump. Por mais que revolte a esquerda, a classe trabalhadora ajudou Trump a ganhar. Fica aqui uma reflexão para a esquerda. Por que razão a direita populista beneficia mais das crises económicas do capitalismo (como aconteceu com o Brexit) do que a esquerda?

Apesar da legitimidade democrática, Trump chega à Casa Branca com um mandato fraco e um país dividido. A curto prazo, terá dois grandes desafios. Em primeiro lugar, será fundamental tranquilizar os grupos que tanto atacou durante a campanha. Muitos dos negros, dos latinos e dos muçulmanos estão assustados e com razão. Trump terá que afastar o medo e rapidamente. Nas democracias, as minorias não podem viver assustadas.

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O segundo desafio imediato será passar de um discurso populista, fácil e adequado a uma campanha, para a tomada de decisões que irão irritar muitos dos que votaram nele. Trump prometeu mais crescimento económico e, ao mesmo tempo, guerras comerciais, nomeadamente com a China. Os seus assessores económicos já lhe disseram certamente que o protecionismo não traz prosperidade aos Estados Unidos. Como irá Trump satisfazer os revoltados com a democracia e com a globalização que votaram nele? Irá renegociar a NAFTA? Irá abandonar os aliados asiáticos e no Pacífico e favorecer os interesses da China, rejeitando o TPP? Vai mesmo construir um muro entre os EUA e o México? Estaremos perante um enorme teste à tese que nos diz que um Presidente é muito diferente do candidato.

Convém também salientar que se assistiu a uma vitória esmagadora dos republicanos. Ganharam na Câmara, mantiveram a maioria no Senado e conquistaram a Casa Branca. Será interessante assistir à relação entre o establishment republicano do Congresso e o Presidente Trump. A maioria republicana será, no inicio, o principal travão institucional aos instintos mais populistas de Trump. As escolhas de Trump para lugares chaves na futura administração, sobretudo nos cargos que vão lidar com o mundo, serão algumas das grandes questões das próximas semanas.

A questão sobre Trump e o mundo ficará para uma próxima ocasião, mas gostaria de referir ainda um ponto final. Há mais semelhanças entre Obama e Trump do que a maioria das pessoas pensa. Ambos foram candidatos anti-sistema. Depois de oito anos no poder, muitos já se terão esquecido, mas Obama foi também o candidato anti-sistema, desde as primárias nos democratas há oito anos. Tal como Trump, também derrotou a candidata do sistema, chamada Hillary Clinton (vejam de novo o que muitos apoiantes de Obama disseram sobre Hillary nas primárias de 2008, e comparem com o que dizem agora os apoiantes de Trump; talvez se surpreendam).

Os dois usaram discursos populistas para chegar à Presidência. A diferença, sobretudo para os olhos dos europeus, é entre o bom populismo de Obama (um discurso de esperança) e o mau populismo de Trump (um discurso de medo). Mas ambos usaram o populismo e os instintos populares para chegar ao poder. Tal como Obama, Trump também criou excessivas expectativas durante a campanha. Tal como Obama, desconfio que não conseguirá satisfazer todos os seus apoiantes.

Por fim, a eleição de Trump e as vitórias de Obama mostram os contrastes da política americana. Por vezes, parece consagrar o poder de famílias e clãs, como os Kennedy, os Bush e os Clinton. Mas outras vezes elege outsiders, como Truman, Reagan, Obama e Trump. Eis um país que nem sempre respeita a autoridade das oligarquias. Por vezes, revolta-se e elege candidatos atacados pelo sistema político. Uma característica que assusta uma Europa conservadora e respeitadora da autoridade. Quase todos nós. Nem sempre é fácil para o velho mundo perceber o novo mundo. Sobretudo quando não gostamos do que vemos. Mas a culpa não é deles.