A Jornada Mundial da Juventude mostrou a força congregadora da religião. No caso dos jovens, esta força é especialmente mobilizadora. No entanto, ainda assim, ela encontra obstáculos atualmente inultrapassáveis: nas palavras de D. Américo Aguiar, proferidas ao justificar a não realização do encontro que estava previsto entre jovens ucranianos e russos, “os corações sangram”, e nem os jovens são poupados pelos efeitos da tragédia humana vivida na Ucrânia. É a erva daninha da mágoa que alastra aos espíritos mais puros, em consequência da guerra e do entrelaçamento corrosivo entre o poder e o dinheiro que enfraquece os valores humanos fundamentais.

Com a desconfiança a atingir proporções inimagináveis, muito devido a um sistema político-financeiro que incentiva o egoísmo e tem dificuldade em estancar a corrupção, vivemos a época mais comprometedora para a sobrevivência da humanidade. No entanto, também entrámos numa era tecnológica em que se cria nova inteligência e se pode até ampliar a confiança disponível (caso decisores e reguladores estejam pelos ajustes). Uma coisa é certa: por questões de eficiência e eficácia, o destino da nossa sociedade será digital, e são os jovens quem tem a mente e o coração mais bem apetrechados para enfrentar tal desafio. Por isso, a melhor esperança da democracia é abrir alas para a congregação da juventude numas “Jornadas Mundiais da Confiança e Inteligência”, levando a que as futuras gerações possam usar as poderosas tecnologias distribuídas emergentes e respetivos algoritmos digitais para capacitar as pessoas e não para as subjugar.

Pela sua exatidão, a matemática tem sido considerada um desígnio divino. Segundo Galileu, a matemática é a linguagem do universo. Na verdade, o conceito de Deus como sendo um matemático é tão antigo como os trabalhos de Arquimedes, que mostraram a evidencia empírica de um aparente projeto matemático da natureza. Outras destacadas personalidades históricas partilharam esta convicção: como apontou Galileu, “se para compreender o universo, era preciso falar esta língua, Deus era com certeza um matemático”; para Pitágoras, a matemática era “real, imutável, omnipresente, e a coisa mais elevada que a mente humana pode conceber”, chegando mesmo a afirmar que “Deus não é um matemático, a matemática é Deus”; Também Platão, na sua República, escreveu que “o conhecimento da matemática é considerado como um passo crucial no caminho de conhecer as formas divinas”. E como se todas estas reflexões não bastassem para frisar os desígnios divinos da matemática, muitos outros vultos intelectuais, tais como Newton e Einstein, reconheceram nesta ciência exata a presença do Criador do universo.

A confiança suscitada por esta força divina nunca foi tão necessária como na época conturbada em que vivemos. Como se a guerra não fosse motivo suficiente de tristeza e preocupação, a Inteligência Artificial (IA) atingiu um nível tal que consegue imitar os seres humanos. Na chamada “dark web”, uma parte escondida da Internet com sites difíceis de localizar, existem já sistemas de IA com nomes tão sinistros como FraudGPT, WormGPT e PoisonGPT. Nestes sistemas, basta uma assinatura mensal (segundo noticiado, o menu das atividades maliciosas varia entre 200 e 1700 euros por mês) para indivíduos mal-intencionados colocarem a IA a fazer por eles um rol de patifarias. Acabámos de entrar numa época em que a IA consegue corromper evidências textuais (tais como e-mails), sonoras (como sejam telefonemas) e visuais (por exemplo vídeos), sendo urgente conseguir comprovar on-line quem é humano para não sermos todos enganados por máquinas.

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Felizmente, os progressos da criptografia e da própria IA, disciplinas fortemente enraizadas na matemática, indicam o caminho a seguir. Tecnologias distribuídas como a blockchain e a IA vêm modificar as premissas de dilemas éticos relacionados com a privacidade, a propriedade dos dados, o acesso à informação e a respetiva precisão, nomeadamente alterando o contexto que tem moldado muitas das nossas avaliações morais, levando a que devam ser outros os compromissos e escolhas delas resultantes. E o caso também não é para menos, pois a boa-nova é a possibilidade de distribuir pela humanidade um novo tipo de confiança, naquilo que pode ser revelado como sendo um apelo à moderna fé na capacidade redentora da divina matemática.

O primeiro passo destas jornadas talvez já tenha sido dado: o projeto “Worldcoin”, apadrinhado por Sam Altman, CEO da OpenAI, a empresa criadora do ChatGPT, anuncia um mecanismo inovador para distinguir quem é humano on-line e estabelecer um novo tipo de confiança à escala global. Este ambicioso plano baseia-se no sistema “World ID”, que representa um avanço significativo nas estratégias de autenticação humana. Recorrendo a uma engenhosa combinação de biometria e criptografia, este sistema consegue esclarecer quando estamos perante verdadeiras pessoas na Internet, evitando que sejamos ludibriados por simulacros digitais por muito inteligentes que sejam. Mais: segundo as informações disponíveis, o sistema World ID será completamente descentralizado, em nada comprometendo a privacidade do utilizador, já que a “prova de humanidade” prestada (proof-of-personhood) não requer a identificação da pessoa em questão nem exige a partilha de qualquer informação específica a seu respeito. Tudo se resume a criptografia avançada e à utilização da matemática para reequacionar aquilo em que devemos confiar.

Mas as Jornadas da Confiança e da Inteligência não serão fáceis. Os principais obstáculos são as campanhas de desinformação que visam proteger os interesses do costume, bem como os sermões farisaicos de falsos deuses empoleirados junto ao beco sem saída do populismo. Infelizmente, o medo e o sentimento de insegurança são boas notícias para quem ambiciona a concentração do poder, podendo até servir como justificativo de uma eventual centralização da IA. Daqui se conclui ser imperativa a descentralização digital em prol da transparência democrática. Substituir a conversa fiada de vendilhões do templo pela linguagem íntegra da matemática, é o legado mais promissor para que a juventude conduza a humanidade rumo à paz e ao progresso.