2020, 2019, 2018, 2017, 2016, 2015, 2014, 2013, 2012. Nove anos. Seguidos, ainda por cima. A Juve domina o futebol italiano há nove anos. Alguém aqui se lembra o seu maior feito em 2012? Uma bebedeira mal curada, um almoço-ajantarado com amigos, uma efeméride qualquer. Não? É normal, nove anos faz mossa em qualquer um de nós. Quer dizer, agora que me faço um esforço, lembro-me de estar em Donetsk a ver o desempate de penáltis entre Portugal e Espanha. Lembro-me da defesa de Rui Patrício ao remate de Xabi Alonso, da defesa de Casillas ao de Moutinho, do panenka de Sérgio Ramos, da bola à barra de Bruno Alves e da bola ao poste-golo de Cesc. Adeus final do Euro-2012. Sai Portugal, entra Pedro Proença. É ele o homem do apito na decisão em Kiev, entre Itália e Espanha.

A Espanha, campeã europeia em título (e até mundial). A Itália, com Balotelli e muitos juventinos, campeões nacionais de fresco. Daí para cá, zero migalhas para os outros. Nove campeonatos, nove títulos. Na Europa, um deserto de ideias. Duas finais, sete golos sofridos (três do Barcelona, quatro do Real Madrid). E uma meia-final da Liga Europa perdida em casa com o Benfica (0-0) a roubar a final da Juventus em Turim. Nove campeonatos, nove títulos. Insistimos nessa tecla, a do regime absolutista da Juve. Culpa dos outros, óbvio. À cabeça, Nápoles, Roma e Inter. Eles bem tentam. Em vão, a Juventus é sempre mais forte. Com infinitos golos ao minuto 90-mais-qualquer-coisa. Enerva, a situação corriqueira (ele era Matri, Del Piero, agora é Ronaldo, Dybala). Enerva, a falta de concorrência à altura. A Juventus controla e domina. Desde 2012. É muito tempo. Moooolto.

Desta vez, um raio de sol à espera de um agitar de ideias no guião para 2020-21. A Juventus é campeã, sim senhor. Mérito, óbvio. Só que é campeã com o quinto melhor ataque da competição (76), atrás de Atalanta (98), Inter (81), Lazio (79) e Roma (77). E a terceira melhor defesa (43), beeeem atrás de Inter (36) e Lazio (42). Famos fer, como diria Eriksson. Decacampeonato à vista ou…? Esta questão do ataque e defesa faz-me lembrar o caso surreal do Milan de Capello em 1993-94. Ya, falamos do Milan dos 4-0 ao Dream Team do Barcelona na final europeia de Atenas. É um hino ao futebol: Massaro, Massaro, Savicevic e Desailly. Nunca mais revi o jogo, nunca soube se Stoitchkov e/ou Romário incomodam realmente os centrais Galli e Maldini, titulares ali no meio como alternativas às ausências forçadas de Baresi e Costacurta, suspensos pela UEFA por acumulação de amarelos.

Festival de bola. Na final, só. O resto da época é um martírio. O Milan acusa a falta de concorrência interna (lá está, é um mal italiano) e é campeão nacional com 36 golos marcados em 34 jornadas. É o pior campeão da história, sort of speak. Há dez equipas com mais golos que o Milan. E há duas despromovidas (Udinese + Atalanta) com 35. Incrível. E verídico. O Milan é uma seca, internamente. E uma força do outro mundo, lá fora. Que o diga Cruijff. Ou Mortimore. Digo (escrevo) Mortimore, porque o Benfica 1986-87, o dos 7-1 em Alvalade, comete a proeza de se sagrar campeão nacional numa época em que é só o quarto melhor ataque da prova com 50 golos em 30 jogos (Porto 67, Sporting 52, Belenenses 52).

Bem, adiante. Há outro pormenor curioso. Ainda e sempre Juventus. Agora o tema é título de campeão italiano mais o de melhor marcador da 1.ª Divisão. Ronaldo corre a época toda atrás de Immobile (Lazio). Às vezes, atrasa-se. A tal ponto que o título já parece entregue. Outras, aproxima-se vertiginosamente. E aí já parece um candidato à Bota de Ouro. O período pós-pandemia é-lhe favorável. Até à antepenúltima jornada, pelo menos. No fim-de-semana em que a Juve se sagra campeã italiana pela nona vez seguida (36.ª da história = Milan e Inter, juntos), o bom do Immobile marca três e adianta-se em definitivo. Ronaldo desinteressa-se pelo título do golo. Ele que o é sempre por onde passa, seja Inglaterra ou Espanha. Falta-lhe Itália. Ainda. Bem vistas as coisas, é difícil a conjugação dos dois títulos. O de campeão italiano e o de melhor marcador da 1.ª Divisão. Para a Juventus, queremos dizer. A última vez é em 1984, com Platini, esse fenómeno ilimitado. Um 10 marcar mais que o 9 é obra. E um 9 a balançar entre Rossi e Boniek, dois craques do além. Platini é rei. Em tudo. Sobretudo em livres directos.

Curiosamente, essa época 1983-84 proporciona uma luta interessantíssima entre Platini e Zico. Dois 10 do alto. Dois 10 com penáltis falhados no mesmo dia, o do França-Brasil no México-86. Acabam empatados a primeira volta, 11-11. Na segunda, Platini marca só mais um que o brasileiro. Acaba 20-19. Em 1984, ano da consagração de Platini. Se dúvidas houvesse, quer dizer. Em Itália, o homem é o melhor marcador da 1.ª Divisão pela terceira época consecutiva. No Euro desse Verão, faz só isto: dois hat-tricks na fase de grupos (um deles puro: pé direito, pé esquerdo e cabeça vs Jugoslávia), o decisivo 3-2 vs Portugal aos 119 minutos e meio e o desbloqueador 1-0 vs Espanha na final de Paris. Ao todo, nove golos em cinco jogos. Ainda hoje é o melhor marcador na história dos Europeus. Juntamente com Ronaldo. Olha olha quem é ele.

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