O Observador e várias outras plataformas de comunicação avançaram com a notícia que “Vai ser proibido fumar em espaços ao ar livre junto de escolas e hospitais”. Eu pergunto-me o que poderá estar inerente a esta proposta lei avançada pelo governo. Li aqui e ali alguns argumentos como “as alterações diminuem as desigualdades sociais”. Neste caso em particular, a própria Dra. Sofia Ravara comentou que «Alguns grupos populacionais socialmente mais desfavorecidos lucram muito com uma legislação eficaz e abrangente, porque é a única maneira de proteger essas populações que não conseguem deixar de fumar”, disse à agência Lusa a coordenadora da comissão de tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

É imperativo, contudo, que não confundamos preocupação e cuidado com uma espécie de ‘proto-autoritarismo’. O filósofo Slavoj Zizek, alerta para a forma como algumas figuras de poder utilizam uma ordem camuflada através de enunciados aparentemente neutros. Zizek, frequentemente, recorre à metáfora do tabaco para ilustrar suas perspectivas. O filósofo esloveno sustenta uma posição céptica quanto à ideia de que a aversão social ao acto de fumar derive exclusivamente dos estudos científicos que alertam para os seus perigos. Ele conjectura que há algo mais complexo, algo mais dissimulado nesta questão.

De modo a elucidar o seu ponto, Zizek cita as companhias aéreas americanas que interditaram o uso de tabaco electrónico. A justificação primordial para tal medida, segundo o filósofo, não era de facto o potencial prejuízo à saúde. O verdadeiro motivo residia no facto de que alguém a fumar num aeroporto estar a manifestar publicamente o seu vício — algo considerado pedagogicamente desaconselhável. Neste contexto, Zizek desvenda a existência de uma tirania velada, disfarçada sob o manto de uma ética aparentemente neutra. Este é o fulcro do seu argumento: a ocorrência de um controlo subtil, muitas vezes oculto sob a aparência de medidas de proteção e de cuidado.

Além disso Zizek também aborda que estes tipos de leis manifestam o quanto nós não acreditamos verdadeiramente numa sociedade consumista. Ou seja, nós somos seduzidos a consumir, mas de um modo seguro. Somos atraídos por um produto, mas devemos ser privados do seu perigo. Não haverá um tom paternalista nisto? Consideremos a proposta de interditar o acto de fumar nas imediações de universidades. Até quando vamos persistir em tratar os nossos jovens como crianças, lançando um véu de ilusão sobre a nossa própria percepção? Será que estamos a deixar-nos levar por uma ingenuidade tão profunda que nos faz acreditar na salubridade psicológica desta medida?

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Espero que não haja equívocos na interpretação das minhas palavras. Sou inteiramente a favor das campanhas anti-tabaco e aplaudo todo o esforço de psicoeducação que se empenha na dissuasão deste vício pernicioso. No entanto, a decisão de fumar ou de abster-se deste acto deverá, em última instância, residir no indivíduo. Devemos reconhecer e respeitar o direito ao exercício da autonomia pessoal, mesmo que a decisão tomada não esteja alinhada com aquilo que consideramos mais saudável ou benéfico.

Uma vez um professor meu disse-me algo que nunca me esqueci. Tenham empatia pela patologia, mas desconfiem da normapatologia. Esta tendência para uma certa normalidade aliada a uma filosofia positiva da vida incorre no risco de criar algumas sombras psicológicas. Não creio que seja assim que ajudamos definitivamente as pessoas.

Aliás, vamos rever a história. O que é que a lei seca produziu? Um aumento do consumo do álcool e da economia do tráfico. Querem mais alguns dados históricos? O Terceiro Reich, foi notável por ser um dos primeiros regimes a promover uma campanha antitabagista de grande escala. A campanha antitabagista do Terceiro Reich incluiu pesquisas médicas sobre os malefícios do tabaco, restrições à publicidade de tabaco, e esforços para limitar o fumo em espaços públicos. Foi uma das primeiras campanhas de saúde pública desse tipo e, infelizmente, estava ligada a uma série de políticas eugenistas e de “saúde racial” promovidas pelo regime nazista.

Faço uma pausa aqui para uma ressalva necessária: estou ciente de que o último ponto é de natureza polémica. Aprendi, porém, que o sensacionalismo tem a capacidade de aguçar a atenção, de instigar a reflexão. Não estou, de forma alguma, a insinuar que os autores destas medidas estejam a agir com malícia ou com intenções ocultas. Pelo contrário, creio firmemente que as suas intenções são nobres. Contudo, penso que esta situação é fruto de uma filosofia que tem envenenado o pensamento coletivo: um excesso de positividade, envolto num espírito apolíneo de vida. A humanidade teme perder o controlo, e essa insegurança conduz a uma obsessão por mantê-lo, por vezes, de forma excessiva. Esta tendência pode ser um reflexo de uma carência profunda que todos partilhamos. Portanto, a minha proposta é de uma reflexão ponderada sobre esta questão.