Se têm tido a paciência de me ler por aqui, sabem que vejo a criação de uma comunidade como um passo fundamental para o lançamento de qualquer negócio. Na complexidade do mundo atual, o lançamento de uma nova empresa, produto ou serviço exige mais do que apenas uma boa ideia. Exige uma estratégia que ressoe profundamente com o seu público-alvo, diferencie da miríade de ofertas concorrentes e crie ligações duradouras. É aqui que entra em jogo o poder da comunidade.
Quando penso em “comunidade”, não estou a falar apenas de seguidores nas redes sociais ou de subscritores de correio eletrónico – esse é o chavão atual, mas que não terá forçosamente o poder que procuramos. Estou a falar de um grupo de pessoas que estão emocionalmente investidas na empresa, marca ou produto, que acreditam no que está a fazer e que a apoiarão, muitas vezes com uma paixão que nenhum montante de orçamento publicitário pode comprar.
E, uma vez que o Verão é a estação perfeita para mergulhar num bom livro, resolvi falar aqui de um que não tem estado no radar público ultimamente, mas cujas ideias são mais relevantes do que nunca: o livro é The Tipping Point, do Malcolm Gladwell (publicado em Portugal pela D. Quixote como A Chave do Sucesso).
Este foi o primeiro livro de Gladwell que li, e também o coração de uma conferência interessantíssima que deu em Lisboa no final de 2006. Desde essa data que tem influenciado a minha abordagem ao tema das estratégias de entrada no mercado. Traçando uma linha condutora com início no poder dos principais agentes de influência, e que vai até à importância de elaborar uma mensagem que perdure, The Tipping Point oferece lições valiosas que podem ajudar qualquer empresa a transformar os seus esforços iniciais num movimento bem sucedido e sustentado. Num contexto em que o marketing de influência é dominante, fico espantada por não vermos mais referências a este livro.
Aqui, Malcolm Gladwell interpreta elementos de viralidade, e desenha uma estrutura de pontos e vasos comunicantes que ajuda a compreender como criar e alimentar eficazmente uma comunidade que impulsione o crescimento da sua marca.
Gladwell começa por argumentar que um pequeno número de pessoas é crucial para espalhar uma mensagem ou iniciar uma tendência – a Lei dos Poucos (Law of the Few). E categoriza essas pessoas em três tipos: os “Connectors” (Conectores), “Mavens” (a tradução mais difícil, digamos Mentores) e “Salesmen” (Vendedores).
Os Connectors são indivíduos que conhecem um grande número de pessoas e podem ligar diferentes círculos sociais. No contexto da criação de comunidades, estes são os influenciadores ou criadores de redes que podem reunir diversos grupos de pessoas e expandir o alcance da sua comunidade. Identificar e interagir com os Connectors dentro do seu público-alvo pode ajudar a sua comunidade a crescer de forma mais rápida e orgânica.
Os Mavens são os mentores, os especialistas e líderes de opinião, ou seja, as pessoas em quem confiamos para nos ligarem a novas informações. Estes indivíduos podem ser particularmente valiosos numa comunidade porque são eles que partilham os valores, as histórias e os produtos da sua marca com os outros. São muitas vezes os primeiros a adotar e podem ajudar a espalhar a palavra na comunidade, criando confiança e credibilidade.
Os Salesmen são os persuasores que têm a capacidade de convencer os outros a agir. Na construção de comunidades, são os defensores que promovem apaixonadamente a sua marca e ajudam a converter membros passivos em participantes ativos. São muitas vezes eles que trazem entusiasmo e energia à comunidade, fazendo com que os outros queiram juntar-se a ela e fazer parte dela.
Em seguida Gladwell foca a sua atenção na mensagem – o que caracteriza uma mensagem que encoraja ou provoca viralidade? Chama-lhe “Stickiness Factor” (fator de aderência) e refere-se à qualidade de uma mensagem que a torna memorável e impactante.
Em terceiro lugar, refere o momento da comunicação, ou o poder do contexto. Gladwell salienta que o ambiente ou contexto em que as pessoas interagem influencia significativamente o seu comportamento. Na construção de comunidades, este conceito sublinha a importância de criar a cultura correta na sua comunidade.
Por fim, a ideia central: o Tipping Point, ou ponto de viragem. Gladwell argumenta que pequenas ações cuidadosamente orientadas podem desencadear um ponto de inflexão em que uma ideia ou produto ganha popularidade súbita e adoção generalizada. Na construção de comunidades, atingir um ponto de viragem significa criar uma comunidade autossustentável que cresce através do seu próprio dinamismo.
Fabricar um Tipping Point na sua comunidade não é óbvio, mas passa por uma gestão muito bem orquestrada de todos os elementos anteriores, escolhendo bem e empoderando os principais influenciadores da sua comunidade (sem esquecer os três papéis diferentes), fomentando a criação de conteúdos de grande relevância para a comunidade, criando uma cultura clara e um ambiente que promova a expansão da própria comunidade. Com a dinâmica certa, pode-se criar a massa crítica necessária para levar a sua comunidade a ultrapassar o ponto de viragem, conduzindo a um crescimento rápido e a um envolvimento forte e autoperpetuante.
“Mas qual a relevância?”, perguntam…
Uma comunidade com estas características permite a uma empresa ou produto entrar no mercado com uma diferenciação quase intrínseca – visto que o sentimento de pertença dentro da comunidade é forte, os seus membros assimilam a identidade da comunidade como sua própria – acelera o crescimento e reduz o investimento em aquisição de clientes.
A Oatly, a marca sueca de leite de aveia, é um exemplo atual de The Tipping Point em ação, especialmente no que diz respeito à construção de comunidades e ao lançamento de uma marca. Quando a Oatly entrou no mercado pela primeira vez, as alternativas de leite à base de plantas ainda não eram comuns. No entanto, a Oatly identificou uma comunidade pequena, mas crescente, de consumidores com consciência ambiental e entusiastas da saúde que estavam ansiosos por uma opção sustentável e sem lacticínios.
Utilizando a Lei dos Poucos, a Oatly envolveu baristas influentes, bloggers de saúde e influenciadores com consciência ecológica – que desempenharam os papéis de Connectors, Mavens e Salesmen — ajudando a espalhar a palavra sobre a marca. Estes primeiros utilizadores foram cruciais na apresentação da Oatly aos seus círculos sociais e na criação de um interesse pelo produto.
A Oatly também dominou o Fator de Aderência ao criar uma mensagem de marca que era peculiar, ousada e que abordava diretamente as preocupações do seu público-alvo – tais como a sustentabilidade, a saúde e o consumo ético. A sua embalagem e publicidade não eram apenas marcantes, mas também iniciadores de conversa, facilitando a fixação da mensagem na mente dos consumidores.
Por fim, a Oatly aproveitou o Poder do Contexto lançando o produto em ambientes onde a sua mensagem teria mais impacto, como cafés da moda e bairros urbanos preocupados com a saúde. Esta colocação estratégica ajudou-os a atingir um Tipping Point, em que a marca passou de um produto de nicho para um favorito do mainstream.
Através destes esforços, a Oatly não se limitou a lançar um produto; construiu uma comunidade que partilhava os seus valores e se tornou defensora apaixonada, ajudando a impulsionar a marca para o mercado global. Vale a pena relembrar que também sofreu depois o revés da medalha, quando a sua estrutura acionista foi alvo de severas críticas por não parecer tão coerente com os valores da comunidade… Mas bom, estavam já numa escala tal que esse movimento não lhes foi fatal.
Enfim, leituras de Verão… Se realmente decidirem ler este livro, não deixem de comentar.
Boas férias!