Sinto-me derrotado, avó. Estou a dois anos da idade com que os meus pais me tiveram e apercebi-me de que as poupanças e o ordenado serão insuficientes em 2023 para gerar filhos. As perspectivas são para que continue com um poder de compra inferior àquele que os meus progenitores tinham com a minha idade.
Alugo um quarto numa casa com estudantes no centro de Lisboa, poupo entre 100 a 300 euros por mês, falta-me dinheiro para comprar um carro ou uma habitação, mas a sociedade diz-me que sou um felizardo. O Estado também. Aliás, para esse sou rico. De que outra forma se justifica que, todos os meses, o Estado fique com 805,40 euros da riqueza total produzida pelo meu trabalho, enquanto recebo 1090,80 euros de salário líquido?
Sei que os números nunca foram o teu forte, avó. O que contavam para ti eram as palavras e as emoções. Eras muito sensível à condição dos fracos e indefesos. A aflição que te causavam levava-te a votar à esquerda. Enchias-me de orgulho: a tua carapaça ríspida escondia uma alma sentimental.
Tenho saudades dos nossos debates: direita contra esquerda, razão contra coração, neto contra avó. A tua arma de arremesso favorita era o socialismo nórdico. Defendias que os impostos na Escandinávia eram (e são) percentualmente mais altos do que em Portugal e que a qualidade de vida era (e é) elevada. No entanto, a fórmula não resulta por cá porque nós, portugueses, somos demasiado pobres. Asfixiamos numa carga fiscal sem retorno.
Pagamos impostos, mas se queremos uma educação superior devemos pagar propinas; pagamos impostos, mas se precisamos de consultar um médico com brevidade deslocamo-nos a um privado; pagamos impostos, mas se usamos as estradas pagamos portagens.
Os impostos pesam muito, porém são invisíveis. Desaparecem num Estado excessivamente gordo, numa função pública obsoleta, numa TAP desnecessária, em dívidas perdoadas a instituições públicas, numa justiça que tarda em julgar Sócrates e deixa fugir João Rendeiro, e em tantos outros campos.
Os impostos esmagam-nos, encolhem-nos dez centímetros quando ambicionamos medir-nos com os gigantes da Europa. A tributação exagerada é uma amarra que prende em terra um povo de marinheiros.
Adoravas o mar, avó. Lembras-te daquelas férias em Marrocos em que só querias passear à beira-mar? Gostava de regressar lá contigo. Talvez em sonhos. Num reino sem grilhetas, onde caminhemos livremente enquanto discutimos os pecados do capital e as virtudes humanas.