No “Estado da Educação 2016” – relatório produzido pelo Conselho Nacional de Educação – pode ler-se, novamente, este ano: “No ensino básico regular͕ a taxa de retenção e desistência em Portugal diminui na última década em cada um dos três ciclos de ensino. A tendência de crescimento verificada no 1º CEB entre 2011 e 2014, quando a taxa atingiu o valor máximo da década (5%) parece estar a ser contrariada nos últimos dois anos (…). Este valor sofre o efeito da taxa observada no 2º ano de escolaridade (primeiro em que é permitida a retenção) que atinge neste ano letivo 8,9% (…)”.
No “Atlas da Educação 2017” – estudo coordenado pelo Prof. David Justino para a EPIS – afirma-se: “(…) as taxas de atraso etário dos alunos que frequentam cada ciclo de escolaridade, indicando a acumulação do insucesso escolar entre a população que frequenta esse ciclo, não apresentam o mesmo dinamismo. Ainda que tendencialmente decrescentes, a sua redução foi modesta, sugerindo uma forte persistência da retenção, logo desde os ciclos de escolaridade iniciais (…)”.
Ou seja, os dados do insucesso escolar no 1.º Ciclo e, concretamente, logo no 2.º ano, são sobejamente conhecidos por todos. São valores preocupantes que significam que, ao fim de dois anos na escola, há muitas crianças às quais não está a ser garantido o básico que lhes devemos: aprender a ler e a escrever. E conhecemos não só estes dados, como as suas causas, que estão também devidamente estudadas.
Os resultados do projeto “Aprender a ler e a escrever em Portugal” – coordenado pela Prof.ª Maria de Lurdes Rodrigues, em 2017 – dizem-nos que: “O que explica o fenómeno da repetência precoce é, em primeiro lugar, as dificuldades de aprendizagem da leitura”. E acrescenta que, a segunda razão é a “naturalização destas dificuldades, ou seja, a convicção partilhada nas escolas do insucesso de que ‘as crianças são diferentes, e sempre haverá crianças que não aprendem ou que aprendem mais lentamente’”. E que a tudo isto acresce o facto de muitas escolas não terem nem condições nem recursos para compensar e contrariar as desigualdades do contexto socioeconómico das nossas crianças.
Talvez assim se enquadrem melhor os recentes resultados do PIRLS – estudo internacional sobre literacia no 1.º Ciclo – em que Portugal teve um desempenho desfavorável. De resto, o próprio relatório explica que, por exemplo, os alunos portugueses têm acesso a menos livros nas bibliotecas escolares, e em casa, do que os alunos dos países com melhores resultados na leitura.
Consciente do risco de estar a ser maçadora – a esta altura, só restarão os leitores muito resistentes –, decidi percorrer estes vários estudos, de diferentes origens, para demonstrar que o insucesso escolar nos primeiros anos é matéria de facto, e não de impressões ou que brote de uma desenfreada vontade de contestação política. A verdade é esta: há insucesso escolar tão cedo quanto aos 7 anos, as causas estão estudadas e até as escolas onde é preciso atuar estão identificadas (nominalmente).
O Ministério da Educação tem, sobre este problema, uma responsabilidade. Assumindo-a, a sua resposta declarada é o “Programa Nacional do Sucesso Escolar”. Nome ambicioso para agregar um conjunto de projetos que as escolas, com os seus próprios recursos e pouco mais, já desenvolvem, numa turma singular ou no conjunto de um ano, dos 12 da escolaridade obrigatória.
Não é, a meu ver, a resposta certa, necessária ou suficiente.
E não sou só eu que o digo. Mais uma vez, socorro-me do relatório da Prof.ª Maria de Lurdes Rodrigues para explicar o que há a fazer: (i) utilizar os recursos existentes (rede de bibliotecas escolares e Plano Nacional de Leitura) para desenvolver dinâmicas de apoio às escolas e aos professores nas atividades de ensino da leitura; (ii) desenvolver instrumentos de diagnóstico e de intervenção precoce; (iii) acompanhar de forma continuada os agrupamentos de escolas com elevados níveis de insucesso, apoiando-os na formulação de estratégia e planos de ação; (iv) desafiar as escolas superiores de educação a ensinar estratégias de promoção da leitura nos seus programas de formação inicial e de formação contínua de professores.
Porque, e de forma simplificada, se as crianças não forem ensinadas, e não aprenderem, a ler e a escrever, não saberão dar nome às coisas nem saberão compreender-se a si próprias e ao que vivem. O que ouvem na escola não lhes fará sentido, seja português, matemática, ciência ou história. Crescerão “coxas” e não caminharão bem ao longo do seu percurso escolar de 12 anos.
Para um problema desta gravidade, tão rigorosamente identificado, seria necessária uma atuação específica, localizada, apoiada e acompanhada pelo Ministério da Educação, junto das escolas e com os seus diretores. Só assim o Governo estaria a cumprir o desígnio constitucional de garantir um ensino de qualidade para todos, em vez de permitir que, nas nossas escolas, ler e escrever sejam verbos irregulares.
Deputada à Assembleia da República pelo CDS-PP, Vice-Presidente da Comissão de Educação e Ciência.
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.