Texto originalmente publicado pelo portal dos Jesuítas em Portugal, Ponto SJ.

É difícil encontrar o tom certo para expressar a perplexidade e a esperança, a vergonha e a reparação, a sombra e a luz, que tumultuosamente nos habitam nas últimas semanas.

De onde parto para o que quero dizer? Da minha escolha de pertença à Igreja – esta Igreja. Da minha e da nossa própria fragilidade. Da consciência da responsabilidade cocriadora que temos. Do desejo Pascal da Renovação, minha e da minha Igreja.

Pertencendo à Igreja não posso senão começar por pedir perdão. Pelo mal causado a pessoas concretas, confiadas a pessoas concretas, estas presença simbólica de Deus. Pelo encobrimento, cego à dignidade da pessoa humana – princípio basilar e identitário de uma instituição que, nos casos agora conhecidos, ousou sobrepor-se à Verdade que anuncia.

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Por estes dias, uma frase ecoa insistentemente em mim: “Há um só corpo, e um só Espírito, e uma só esperança, para a qual Deus nos chamou”. Faço parte deste corpo frágil e reconheço-me chamada, com todos – leigos, religiosos, freiras, padres, Bispos –, a ser atuante na concretização da Esperança a que Deus nos chama.

A Igreja que, através da Conferência Episcopal Portuguesa e da “Comissão Independente para os Abusos Sexuais contra as crianças na Igreja”, quis procurar a verdade, tem de ser consequente. Todos temos.

E não há outra forma que não a de assumir e atravessar a vergonha, encontrar-se face a face com quem sofreu para oferecer reparação, chamar pelo nome e afastar quem fez sofrer, ajudar uns e outros a encontrar caminhos saudáveis e, assim, começar a realizar a mudança visível, partindo de dentro da própria Igreja – antes ou independentemente da via judicial.

Porque é essencial compreender que o imperativo da mudança não pode vir de fora, impulsionado pela indignação de outros – indivíduos ou instituições, notáveis ou políticos –, forçado pela comunicação social ou imposto pela gestão da opinião pública. E não pode, não porque estas vozes não tenham direito a uma opinião, mas, porque é inerente à nossa condição de batizados a sede de Verdade e a humildade para recomeçar.

A Igreja, fiel a si mesma, não pode senão agir consequentemente, como tão claramente o tempo Pascal propõe.

Se a Igreja não o fizer, a partir da sua vocação e dos instrumentos de que dispõe, outros sentir-se-ão legitimados a entrar portas adentro e a separação entre o Estado e a Igreja, que até aqui permitiu (alguma) liberdade, dissolver-se-á numa invasão restritiva e punitiva, com outros danos reais no edifício social.

Reforço, não há outra forma. Qualquer outra escolha, evasiva, contraditória, opaca ou refém de subterfúgios, pecará por contradizer esta Esperança a que somos chamados e que buscamos. Criará um divórcio entre crentes e hierarquia, dentro da própria hierarquia, e no fim nada de bom ou de Bem será alcançado.

A resposta para o momento presente tem de vir de dentro da Igreja, não pode ser empurrada, forçada por outros, porque não percebemos o momento, porque tivemos medo, porque resistimos, porque não nos abrimos ao “Caminho, Verdade e Vida”.

E há exemplos em outros países, aos quais podemos ir buscar inspiração para ações concretas. E haverá que seguir questionando que estruturas criamos – de poder ou de serviço -, que acolhimento fazemos – de coração ou julgamento–, que luz nos traz o Evangelho aos dias e realidades de hoje.

Eu, mulher, frágil e pecadora, membro da Igreja, desejo e disponho-me a ser parte desta Conversão.